Por que falar sobre problemas com amigos não é o mesmo que fazer terapia
Isabella AbreuColaboração para o VivaBem | Uol*
Quando estamos passando por um momento difícil, muitos de nós recorremos a amigos com quem temos intimidade e confiança para nos ouvir e ajudar.
Embora seja extremamente importante ter esse tipo de apoio, o desabafo não possui, a rigor, nem o poder, nem a força, nem os efeitos de um processo terapêutico, segundo Sylvio Ferreira, psicólogo e professor do Departamento de Psicologia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Ele afirma que desabafar com os amigos pode ocasionar alívio momentâneo, porém não liberta o indivíduo da repetição dos seus traumas e sofrimentos.
De que forma a conversa com um terapeuta é diferente da conversa com um amigo?
Para o psicanalista Lucas Liedke, autor do livro “Entre Sessões: Psicanálise para Além do Divã” (Editora Planeta), é muito bom poder contar com a presença e a escuta do outro para nos relacionarmos em um nível menos superficial, mas a escuta de um terapeuta ou analista passa por outro lugar.
“Nas relações interpessoais, as dúvidas ou angústias que trazemos tendem a ser ‘resolvidas’ com conselhos ou com exercícios de empatia do tipo ‘no seu lugar eu faria isso’. Essas dicas podem vir com as melhores intenções, mas não necessariamente nos ajudam a elaborar nossas questões com o tempo, a profundidade e a singularidade que merecem”, esclarece.
Liedke também explica que nós desejamos coisas uns para os outros, e esses desejos se misturam em nossas relações. Projetamos cobranças, expectativas e fazemos julgamentos uns dos outros.
“Ou seja, as pessoas da nossa vida também fazem parte das nossas neuroses e quadros clínicos. Em um processo de análise, no entanto, o desejo em questão será sempre exclusivamente o desejo do analisando, e cabe ao profissional de saúde mental manter a sua imparcialidade e comprometimento com a análise dos processos psíquicos do sujeito”, diz.
Além do mais, vale ressaltar que a terapia é conduzida por um profissional que estudou o comportamento humano e técnicas de intervenção. “Existe uma sólida base científica que respalda o trabalho”, completa Petruska Passos, psicóloga, psicanalista e colaboradora do Conselho Regional de Psicologia de Sergipe.
Quando procurar ajuda profissional em vez de apenas conversar com um amigo?
A terapia não pode substituir a amizade. Ambos são significativos e oferecem contribuições diferentes e valiosas para a vida de qualquer pessoa. “Conversar com seu círculo próximo sobre questões emocionais e procurar um profissional de saúde mental não são comportamentos excludentes, são complementares”, enfatiza Liedke.
Quando há um certo grau de sofrimento psíquico ou sintomático, quando temos pensamentos intrusivos ou lembranças recorrentes, quando existem grandes dúvidas ou questionamentos sobre a nossa identidade e nossos afetos —e quando tudo isso nos atrapalha de viver o cotidiano, se relacionar, trabalhar ou tomar grandes decisões de vida—, o indicado é recorrermos a um profissional treinado.
“A psicoterapia é um exercício de elaborar questões que talvez não tenhamos espaço para abrir com outras pessoas. Algumas respostas precisamos encontrar em nós mesmos e não nas respostas que vêm do outro”, diz Liedke.
“A análise nos faz voltar para dentro, para nossa própria subjetividade, como raramente conseguimos nas interações sociais, onde estamos sempre negociando a nossa subjetividade com a do outro, para podermos minimamente nos relacionar”, esclarece o psicanalista.
*Portal UOL, https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2023/11/16/por-que-falar-sobre-problemas-com-amigos-nao-e-o-mesmo-que-fazer-terapia.htm?utm_source=whatsapp&utm_medium=compartilhar_conteudo&utm_campaign=organica&utm_content=geral, 16/11/2023