Você é mais carpinteiro ou jardineiro ao educar os filhos? Entenda o que isso significa
Para a psicóloga e filósofa americana Alison Gopnik, muitos pais e mães se preocupam com o futuro dos filhos, mas acabam impedindo-os de ‘florescer’ ao determinar suas escolhas
Por Luciana Garbin | OESP*
A maioria dos pais e mães que conheço tem entre suas maiores preocupações a filha ou o filho “ser alguém na vida”. E as respostas para “o que é ser alguém na vida?” podem variar de conseguir um bom emprego a virar presidente da República – ou, nesses tempos de política em baixa, CEO de uma multinacional. Independentemente do que se almeje, há uma grande ansiedade dos pais também em atuar desde criança para que os filhos “cheguem lá”. E aí é que pode morar o perigo, segundo a psicóloga comportamental americana Alison Gopnik. Para ela, nesse afã de impulsionar resultados dos rebentos, o que pais e mães acabam muitas vezes fazendo é limitar – em vez de promover – o potencial deles.
“Muitos pais se concentram em fazer com que os filhos aprendam mais, aprendam melhor e aprendam mais rápido”, escreve Alison em seu livro The Gardener and the Carpenter: What the New Science of Child Development Tells Us About the Relationship Between Parents and Children – em tradução livre, O jardineiro e o carpinteiro: o que a nova ciência do desenvolvimento infantil nos diz sobre a relação entre pais e filhos – (Editora Farrar, Straus and Giroux). “Mas nosso trabalho como pais não é criar um tipo específico de filho, mas proporcionar um espaço protegido de amor, segurança e estabilidade no qual crianças possam florescer. Nosso trabalho não é moldar a mente dos nossos filhos: é deixar que explorem todas as possibilidades que o mundo permite. Não é dizer às crianças como brincar: é disponibilizar os brinquedos. Não podemos ‘fazer’ as crianças aprender, mas podemos ‘deixá-las’ aprender.”
Crianças adquirem habilidades por meio de brincadeiras e experimentações Foto: Jacob Ammentorp Lund/Adobe Stock
Conheci Alison no mês passado num curso promovido pelo Dart Center for Journalism and Trauma na Columbia University, em Nova York. Em sua palestra, ela lembrou que evolutivamente os humanos são a espécie com infância mais longa, maior cérebro e melhor capacidade de aprendizagem. E mostrou vídeos de um experimento feito em 2011 com crianças em idade pré-escolar e um brinquedo de tubos em que um fazia barulho, outro acendia, outro tocava música, outro tinha um espelho. Para metade das crianças, o pesquisador falou algo na linha: “Olhe meu brinquedo! Vou mostrar como funciona”. Para a outra metade, não disse nada. Sozinhas com o brinquedo, as crianças ensinadas previamente a usá-lo interagiam com ele de forma mais limitada – por exemplo, acionando o bip repetidamente. Já as demais brincaram mais livremente e, ao mexerem nos tubos, acabaram descobrindo também a luz, a música e o espelho.
Para Alison, o experimento ajuda a explicar a pais e cuidadores por que é necessário deixar as crianças livres para explorar o mundo à sua volta, em vez de ditar o tempo todo o que elas devem fazer. Ela lembra que sobretudo famílias de classe média se sentem sob imensa pressão para cuidar dos filhos de forma que eles alcancem bons resultados. E, não raramente, pais e mães vivem se questionando se estão fazendo certo ou se culpando pelas próprias escolhas. Ao mesmo tempo em que pressionam os filhos desde criança com atividades e cobranças sem fim.
“Nós, ao mesmo tempo, nos preocupamos por nossos filhos não estarem tendo um bom desempenho na escola e por estarem sob pressão para que tenham um bom desempenho na escola. Nós os comparamos com os filhos de nossos amigos e depois nos sentimos mal por isso. Nós clicamos na última manchete sobre alguma nova orientação para pais e depois dizemos que vamos apenas seguir nosso instinto.”
Durante boa parte da história humana, lembra Alison, as pessoas cresceram em famílias grandes, onde pais aprendiam a cuidar de crianças observando não só os próprios pais como seus avôs e avós, tias e tios, primos e primas. “Essas fontes tradicionais de sabedoria e competência desapareceram em grande parte hoje. Famílias menores, maior mobilidade e pais mais velhos alteraram radicalmente o cenário“, lembra.
Ao mesmo tempo em que as famílias foram encolhendo e tendo filhos mais tarde, muitos pais e mães passaram a trabalhar mais, focar na carreira e apelar a sites, canais e livros que “ensinam” a educar as crianças. Já repararam por exemplo na quantidade de títulos disponíveis nas livrarias que começam com “Como criar”?
E aí está outro problema na visão de Alison: o cuidado dos filhos passou a ser visto também como forma de trabalho, em vez de forma de amor. E, ao tratarem o cuidado dos filhos como trabalho, os pais estão condenados à insatisfação, porque é uma ocupação que demanda muito e não remunera.
“Se você aceita a ideia de que ser pai é um tipo de trabalho, então você deve escolher entre esse tipo de trabalho e outros tipos de trabalho. As mães, em particular, vivem infinitamente em conflito e se sentem forçadas a escolher entre diminuir a importância da maternidade e renunciar à carreira.”
E o que tudo isso tem a ver com o jardineiro e o carpinteiro do nome do livro de Alison e o título desta coluna? Segundo a autora, são metáforas que ajudam a explicar escolhas que fazemos ao educar. O pai carpinteiro é o que tenta esculpir o filho para se tornar um certo tipo de pessoa. Assim como se transforma um bloco de madeira numa porta ou numa cadeira por exemplo. Já o jardineiro não consegue formar sozinho as plantas ou flores. Mas trabalha para criar as condições para que elas possam florescer.
“No modelo parental, ser pai é como ser carpinteiro. Você deve prestar atenção ao tipo de material com o qual está trabalhando e isso pode ter alguma influência no que você tenta fazer. Mas essencialmente seu trabalho é moldar esse material num produto que se encaixe no esquema que você tem em mente e avaliar seu trabalho observando esse produto final”, explica Alison, destacando que nesse esquema precisão e controle são grandes aliados e qualquer coisa que fuja do previsto é visto como inimigo. “Já como jardineiros, por outro lado, criamos um espaço protegido e nutritivo para as plantas florescerem. É preciso muito trabalho para cavar e disposição para mexer com esterco. E, como qualquer jardineiro sabe, nossos planos são sempre frustrados. A papoula surge laranja neon em vez de rosa pálido, a rosa que deveria escalar a cerca permanece teimosamente a trinta centímetros do chão, é difícil derrotar manchas pretas, ferrugens e pulgões. No entanto, nossos maiores triunfos e alegrias ocorrem quando o jardim foge ao nosso controle, quando a flor aparece inesperadamente no lugar certo, quando a videira corre por entre as árvores.”
A ideia de atuar como jardineiro também pode ajuda a preparar os pais para a independência dos filhos. Alison lembra que, enquanto na infância conseguimos mantê-los mais próximos, na adolescência isso começa a ficar mais difícil e quando crescerem eles deverão ser como estrangeiros, habitantes do futuro. “Nossos filhos não só são independentes e autônomos de nós, como também fazem parte de uma nova geração que é independente e autônoma da anterior”, afirma. “Se eu for um bom pai, não terei nenhum controle sobre a vida adulta do meu filho.”
E aí? Você se identifica mais com o estilo jardineiro ou carpinteiro?
*Estado de São Paulo, https://www.estadao.com.br/cultura/luciana-garbin/voce-e-mais-carpinteiro-ou-jardineiro-ao-educar-os-filhos-entenda-o-que-isso-significa/, 03/04/2024