‘Ajudo quem quer sair das startups e voltar ao mercado tradicional’
Especialista em recrutamento de executivos no setor de tecnologia identifica uma busca por estabilidade
JAYANNE RODRIGUES | OESP*
Fundadora da Level 6, especializada no recrutamento para cargos de alto escalão, atua há 10 anos como headhunter
“Um bom recrutamento envolve alinhar expectativas. A empresa precisa entender quem está contratando, e o candidato precisa compreender onde e como irá atuar. Quando esse alinhamento acontece, normalmente o resultado é positivo”
Ao longo de quatro anos, Gabriela Fenart passou por hotéis de luxo em Paris, incluindo o icônico George V, onde era responsável pelo atendimento ao hóspede. Até que em meados de 2014 decidiu fazer uma transição de carreira e entrou no mercado de recrutamento de executivos. Há dez anos, atua como headhunter, selecionando profissionais para posições C-level – executivos de alto nível – no setor de tecnologia. Desde então, recrutou talentos para startups que estavam chegando ao Brasil. A headhunter também diz que está havendo uma migração de profissionais de startups para empresas tradicionais.
A experiência no setor de hotelaria de luxo influenciou a maneira como recruta executivos e executivas para posições C-level?
A experiência que tive na hotelaria me formou como profissional. Tive a sorte de trabalhar em hotéis muito exigentes. Um deles foi o George V, em Paris, que é um hotel-palácio. Lá, aprendi a cometer o menor número possível de erros. Havia intolerância a erros. O trabalho na hotelaria me colocou muito cedo frente a profissionais de altíssimo nível. Quando eu estava no front office, lidava diretamente com esse público. Essa experiência me proporcionou um aprendizado importante: o contato face a face com o cliente traz a necessidade de ter um reflexo rápido. Você não pode dizer: “Espera aí, vou pensar e já volto”. É preciso agir no momento.
Como você avalia o perfil ideal para um cargo C-level em uma organização de tecnologia em expansão?
Vou dar um exemplo: os principais pontos de um bom CTO (Chief Technology Officer), ou diretor de Tecnologia, podem ser divididos em três pilares. O primeiro é o técnico. Quando digo técnico, não me refiro apenas ao que ele já fez. É lógico que isso importa, mas é essencial observar como ele está se preparando para o futuro, já que o cenário muda rapidamente. O segundo pilar é a liderança. Um bom CTO precisa ter a capacidade de atrair e reter talentos, ser inspirador e atuar como um mentor para sua equipe. O terceiro pilar, que é mais sutil, gosto de chamar de “tradutor”. É aquele profissional que consegue sentar com o board (conselho de administração), defender suas ideias e traduzir a tecnologia para o negócio. Ele precisa mostrar como as decisões tecnológicas impactam diretamente os resultados da empresa. É um profissional conectado ao negócio, não apenas à tecnologia.
Como identifica essas habilidades nos profissionais?
É muito importante entender o que a empresa vai precisar a curto, médio e longo prazos. Por exemplo, no primeiro momento – digamos, no primeiro ano –, qual será a autonomia desse profissional? O que se espera que ele execute? Ele precisará promover uma mudança significativa em determinada área ou apenas dar continuidade a um projeto existente? A partir disso, vamos buscar o perfil que atenda a essa demanda inicial. Não existe empresa perfeita nem candidato perfeito. Existe o profissional certo para a empresa certa naquele momento. Muitas vezes, o profissional acaba se adaptando ao segundo momento da empresa. Vamos supor que a companhia esteja no início, investindo recursos na área de tecnologia e com uma equipe pequena, de dez pessoas. Será que preciso recrutar alguém que já tenha liderado um time de 100 pessoas? Um bom recrutamento envolve alinhar expectativas. A empresa precisa entender quem está contratando, e o candidato precisa compreender onde e como irá atuar. Quando esse alinhamento acontece, normalmente o resultado é positivo.
Você também dá mentoria a profissionais, incluindo brasileiros que estão no exterior e pretendem voltar. Existem algumas mudanças no perfil dos executivos brasileiros que retornam de experiências internacionais?
Em geral, o profissional é motivado a voltar por razões familiares. Ele quer entender como está o mercado no País e como pode se reposicionar. Muitas vezes, esse profissional passou muito tempo fora e não tem informações atualizadas sobre o mercado brasileiro. O processo de reintrodução ao mercado e o networking são importantes. Muitas posições de liderança exigem que o profissional não apenas traga conhecimento técnico, mas também se conecte com outros profissionais, conheça fornecedores e participe de análise de benchmarks (modelo bemsucedido de empresa ou produto). Busco entender quem são as principais pessoas com quem ele deve fazer networking e como iniciar esse processo. Também explico o contexto do mercado brasileiro, converso sobre a realidade salarial e como estão os pacotes de remuneração.
Quais as principais diferenças entre candidatos que vêm de startups e os que têm experiência em empresas tradicionais?
Vou falar sobre o momento atual. Com o movimento das startups, esse mercado teve um grande auge, realmente bombou e alcançou muito sucesso. Em 2014, meu trabalho era trazer pessoas para o universo das startups. Agora, vejo o movimento inverso: estou ajudando profissionais de startups a migrar para o mercado mais tradicional. O que mudou? O principal fator é a busca por estabilidade. Muitos profissionais fizeram grandes apostas, tanto financeiras quanto em relação ao crescimento das empresas em que trabalhavam. No entanto, muitas startups não cresceram como esperado. Esses profissionais investiram um tempo enorme, com promessas de ações e ganhos futuros, que, em vários casos, não se concretizaram. Também percebo uma mudança de visão para o longo prazo. Tenho ouvido cada vez mais relatos do tipo: “Quero algo que me permita ficar dez anos na próxima empresa”. Isso é algo que, há quatro ou cinco anos, raramente escutava. Esse desejo de construir um passo maior na carreira está muito ligado à busca por estabilidade, tanto no mercado quanto na vida pessoal.
*Estado de São Paulo, https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20241228/281930253600753/textview, 28/12/2024