A importância da participação em projetos de extensão na formação universitária

Cláudia Maria Bogus – professora da Faculdade de Saúde Pública da USP | Jornal da USP*

Os depoimentos abaixo se referem a uma atividade realizada em junho do ano passado (2024) que reuniu três projetos de extensão universitária da Faculdade de Saúde Pública (FSP), em uma ação voltada para pessoas externas à Universidade (Jornal da USP, 5/9/2024).

“Fazer parte da atividade conjunta entre esses três projetos de extensão foi algo divertido e enriquecedor. Transmitir os conhecimentos que obtive por estudar nutrição na FSP/USP e integrar a Horta da FSP/USP para o público externo à Universidade é algo muito importante e permitiu que eu treinasse habilidades de ensino e reforçasse meu espírito comunitário. Para mim, atividades de extensão e que integram projetos de extensão devem ser cada vez mais incentivadas, pois a troca de saberes que ocorre nesses momentos traz benefícios tanto para a Universidade quanto para a comunidade.” (Samantha B. V. Bonfim, monitora do Projeto Horta da FSP)

“Unindo três projetos de extensão em uma única atividade, pude participar sob diferentes perspectivas do mesmo evento. No primeiro momento, como bolsista do Horta da FSP, consegui passar meus conhecimentos adiante e trocar com os participantes, todos muito interessados. Fiquei feliz por ver o espaço da Horta ganhando mais visibilidade, já que tenho muito carinho pelo projeto. Depois disso, aprendi com as demais etapas da atividade, ministradas pelas outras extensões. Foi um dia muito rico, descontraído e de aprendizado!” (Iris Hunnicutt Bazilli, monitora do Projeto Horta da FSP)

“Acredito que muito pesquisamos e pouco compartilhamos o conhecimento de uma forma facilmente compreendida por indivíduos que não possuem contato com nossas áreas de estudo. Unir nosso grupo com outros grupos de estudo da FSP para entrelaçar conhecimentos e discutir com pessoas com vivências tão variadas enfatiza a potência que há em incluir a sociedade no momento de construção e troca de conhecimento.” (Isabella Dall’Acqua, monitora da Equipe Ciência, Cultura e Comida da FSP)

Estas “falas” revelam a potencialidade e a importância da extensão universitária na formação profissional. O valor do seu papel e das suas contribuições tem mais a ver com o que produz de amadurecimento pessoal quanto ao trabalho em equipe, à elaboração e organização de ações e à resolução de problemas em situações diversas dos ambientes em que circulam e têm domínio, do que com o tanto de conteúdos, tradicionalmente entendidos como acadêmicos, que estão presentes nas atividades.

Quando se considera que o resultado do processo ensino-aprendizagem deve contemplar de forma equilibrada três dimensões – conhecimentos, habilidades e atitudes – fica evidente o papel central do planejamento e proposição de atividades em situações que articulem essas três dimensões de modo que apresentem desafios aos estudantes durante a sua trajetória formativa. Embora possam ser situações desafiantes com resolução de problemas fora de uma “zona de conforto”, o fato de ocorrerem no âmbito da formação acadêmica e sob a supervisão e apoio de professores, garante aos estudantes um ambiente acolhedor e de confiança para essas vivências e experiências.

Nesse contexto, a valorização da extensão universitária e/ou de atividades extensionistas implica a releitura de cada projeto e de cada ação realizada, de forma a atualizar a percepção e o compromisso das instituições de ensino superior (IES) sobre o seu papel na relação com os diferentes e diversos grupos sociais que compõem a sociedade em que as IES estão inseridas.

Na origem das primeiras ações de extensão universitária das IES brasileiras e de forma recorrente ao longo dos anos, houve, predominantemente, alinhamento com as ideias tanto de transmitir/transferir conhecimento produzido pela Universidade às pessoas que não tiveram acesso a esse equipamento social, e que por isso teriam menor possibilidade de produção de soluções para os seus problemas, quanto de prestar serviços para os socialmente desfavorecidos, a partir da qualificação ou expertise adquirida durante a formação universitária, mas sem a pretensão de mudar essencialmente as condições de vida dos grupos sociais para os quais tais ações eram dirigidas. Podem-se reconhecer as influências europeia e estadunidense nessa perspectiva.

De outro lado, tem-se a influência latino-americana, que se opõe à mera ideia de transferência de conhecimento e, entre outras coisas, advoga que o processo de produção de conhecimento ocorre em todos os espaços da sociedade, de forma não linear, e é permeado pelas contradições sociais. E nesta perspectiva há o reconhecimento de que não existe um único e universal conhecimento produzido sob a esfera da universidade ou sobre o que usualmente se entende como evidência científica.

O recente movimento de curricularização da extensão tem impulsionado a reflexão quanto ao caráter da extensão universitária nas suas cinco possíveis modalidades: programa, projeto, curso, eventos e prestação de serviços. E mais do que impulsionado, tem permitido e exigido que tempo e energia sejam dedicados a essa tarefa, até então pouco privilegiada seja no rol de atividades docentes e acadêmicas, seja na sua inclusão com destaque nos projetos político pedagógicos dos cursos de graduação.

Esse momento propício pode ser mais efetivo se garantir continuamente um espaço dinâmico, de liberdade e de criatividade que reconheça e legitime o imbricamento entre os livros técnicos e acadêmicos e as histórias e memórias coletivas, entre as brincadeiras e os experimentos científicos, de forma a permitir um resultado novo e não previsto inicialmente com a atividade extensionista. Isso também significa recuperar um dos sentidos mais genuínos do processo educativo que é arriscar, apostar e acreditar na potência do processo.

É importante ficarmos atentos para que as atividades extensionistas mantenham seu frescor, vigor e flexibilidade de modo a preservar o espírito da curricularização da extensão universitária recém-proposta.

*Jornal da USP, https://jornal.usp.br/articulistas/claudia-maria-bogus/a-importancia-da-participacao-em-projetos-de-extensao-na-formacao-universitaria/, 29/04/2025

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