Sete passos para ensinar bem
Um professor é um anúncio prévio das belezas e densidades de um saber
LEANDRO KARNAL – É HISTORIADOR, ESCRITOR, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS E AUTOR DE ‘A CORAGEM DA ESPERANÇA’, ENTRE OUTROS | OESP*
Todas as pessoas que estão lendo esta crônica e que possuem o ensino médio completo tiveram 11 (se mais velhas) ou 12 (se jovens) anos de aulas de Português. Há a chance de terem tido igual tempo de aulas de Matemática. Vamos pensar só nos dois campos citados.
Se você tivesse colocado seu filho em um curso de inglês por 12 anos, com aulas diárias, livros e provas, e, ao final, ele ainda não soubesse algumas coisas básicas, é provável que você duvidasse da eficácia do ensino.
Desafio: sublinhe na crônica que você está lendo os adjuntos adnominais. É algo básico, repassado desde o ensino fundamental. Mesmo caso da matemática: some duas frações com denominador diferente. Não estou pedindo algo mais sofisticado como análise sintática ou gramática histórica. Não demando trigonometria avançada ou binômio de Newton. Quem não for da área de Letras ou de Exatas, provavelmente, não saberá responder. O que fizemos durante doze anos?
Temos de perguntar o que é ensinar. Todos aprendemos muitas coisas. Algo ficou, mas infinitamente menor do que foi ensinado. Como melhorar?
O primeiro passo de ensinar é seduzir. Um professor ou professora é um anúncio prévio das belezas e densidades de um saber. Exemplo, se eu dou aula de educação física, meu corpo já anuncia um domínio do sentido físico que deve mostrar o que se ganha na dedicação à atividade consciente do esporte. Um professor de literatura deve ter uma maneira de ver o mundo e de falar/escrever que sirva como o vestíbulo das belezas da área. O olhar de um filósofo deveria indicar aos alunos que há um universo fascinante quando pensamos de forma crítica e ficamos pessoas melhores por aprender a fazer boas perguntas. O primeiro patamar do ensino é a sedução que já se torna premonitória do caminho que ensino. Sou o cartão de visitas de um conhecimento, o portaestandarte de um saber. Aqui, muitas vezes, nós professores falhamos. Por que irei ler e pensar se quem me ensina é azedo, chato, amargo ou pessimista? A sedução do saber perde força quando empaca em alguém derrotado.
O segundo passo é o domínio de conceitos básicos de cada área. Talvez o conceito de energia em Física ou de espaço em Geografia. Dei exemplos
que poderiam ser multiplicados. Um aluno deve entender que cada nova aula repassa alguns temas de outra forma. Assim, não se perde em uma infinidade de casos e de exceções, porém percebe que existe um todo que dialoga com conceitos básicos. É fundamental ter tal consciência dentro de cada matéria. Se for diferente, os alunos se afogam em um mar de informações desconexas e monótonas.
O terceiro passo de ensinar é criar mecanismos de retenção. Isso é fundamental para jovens. Jogos, palavras mnemônicas, humor, músicas, rimas: tudo é válido para garantir tramas na rede que vai capturar dados e organizá-los.
O quarto passo é a hierarquia de conhecimentos, do mais simples ao mais comple
Um professor é um aluno permanente. Ele estuda todo dia, lê e aprende. Se parar, deixa de poder ensinar
O quinto passo é a virtude da repetição. Educar é repetir.
Paciência é a virtude central daquele que ensina e também de quem aprende. Como tocar um trecho difícil de uma peça de piano? Começamos pela mão direita lentamente, umas 50 vezes. Depois, aumentamos a velocidade até chegar ao ponto ideal. Em seguida, treina-se a mão esquerda lentamente, dezenas de vezes, crescendo a velocidade quando houver segurança. Por fim as duas juntas, lentamente. Após algumas horas, o trecho de quatro compassos estará bem treinado. Educar é repetir. No dia seguinte, repassar o pedaço muitas vezes e seguir para as linhas de baixo. Assim se aprende uma música. Do método lento, surge um pianista. Quantas vezes? Depende de
muitos fatores. Há pessoas mais rápidas do que outras. Todos podem aprender. O professor de piano é o que escuta um mesmo trecho muitas vezes com atenção.
Por fim, um sexto passo. Só pode dar aula quem não se comportar como um aluno mais avançado. Um discípulo antigo é irônico com os iniciantes. Como navega no campo há mais tempo, ataca quem começou há pouco. O faixa-preta respeita o faixa-branca, mas o faixa-azul ri do golpe errado. O professor nunca pode ser um aluno avançado. Ele pertence a outra categoria: é professor.
Sétimo e último: um professor é um aluno permanente. Ele estuda todo dia, lê e aprende. Se parar, deixa de poder ensinar. Quem não aprende não ensina, quem parou não lidera para o progresso, quem perdeu a vontade de saber não transmite conhecimento. Minha esperança é, um dia, tornar-me o professor descrito nos conselhos anteriores… Após 42 anos de magistério, comecei a intuir agora o que seja ensinar. Estou apto a começar de verdade.
*Estado de São Paulo, https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20250907, 07/09/2025, pg c12