A Grande Evasão nos Cursos Superiores: o Exemplo da Engenharia Civil
Roberto Lobo* | OESP**
A baixa mobilidade interna no ensino superior brasileiro — exemplificada neste texto pelos cursos de Engenharia Civil — decorrente da ausência de uma política institucional voltada à recuperação dos alunos menos preparados, talvez seja uma das principais razões para os elevados índices de evasão e, consequentemente, para as reduzidas taxas de titulação dos cursos superiores.
Embora ilustrado aqui pela Engenharia Civil, trata-se de um problema que reflete uma tendência generalizada no ensino superior do país.
Para você
Muitas instituições aceitam estudantes sem a devida preparação e não oferecem programas de nivelamento paralelos às aulas regulares. Como resultado, os alunos com maiores dificuldades acumulam defasagens até que a evasão se torne, para muitos, a única saída possível.
Para mensurar a eficiência dos cursos superiores no Brasil — expressa pelas taxas de titulação — utilizamos os “Indicadores de Trajetória” do INEP, que acompanham individualmente os estudantes desde o ingresso no curso até sua conclusão, ou abandono.
Este estudo baseia-se nos dados do fluxo estudantil entre 2017 e 2023, consistentes com levantamentos anteriores, como o de 2010 a 2017 do INEP.
A partir do estudo do INEP consideraremos como concluintes os estudantes que finalizam o curso até dois anos após o tempo previsto de integralização — no caso da Engenharia Civil, sete anos (cinco mais dois) — prática alinhada com estudos internacionais.
A análise dos dados revela uma tendência alarmante de evasão nos cursos de Engenharia Civil, evidenciando alto grau de ineficiência institucional e desperdício de recursos — especialmente nas instituições públicas, onde o investimento é estatal e o retorno comprometido. Os dados da Engenharia Civil pouco diferem do panorama geral dos cursos de Engenharia.
As estatísticas mais recentes sobre titulação na Engenharia Civil são preocupantes:
1) 20% dos cursos apresentam taxas de titulação abaixo de 25%;
2) 50% registram taxas abaixo de 40%;
3) 80% não alcançam 55%.
Nos Estados Unidos — que também enfrentam desafios relacionados à evasão — apenas 10% dos cursos de Engenharia formam menos de 25% dos ingressantes, e metade forma mais de 47%. Mesmo em um cenário adverso, o desempenho norte-americano é superior ao brasileiro.
Falando da Europa, a taxa de graduação em Engenharia varia entre 70% e 80% no Reino Unido – resultado da alta retenção nas universidades tradicionais, do apoio acadêmico estruturado, do sistema de monitoramento individual (“tracking”) e da forte conexão dos cursos com a empregabilidade. Na França, os índices variam entre 50% e 65%.
NO Brasil, as maiores taxas de evasão ocorrem nos três primeiros anos, tanto em instituições públicas quanto privadas. Entre os ingressantes de 2016:
- Em 2017, apenas 85% permaneciam matriculados ou haviam concluído o curso;
- Em 2019, esse número caiu para 52%;
- Em 2021, chegou a 34%.
Para verificar se essa tendência era exclusiva da Engenharia Civil, ampliamos a análise para todos os cursos de Engenharia, com resultados semelhantes:
- 86% em 2017
- 53% em 2019
- 37% em 2021
Na análise da evasão acumulada por tipo de instituição, as públicas se saem melhor, mas não há muito a comemorar:
o Setor privado: 16,5% no primeiro ano, 48,8% no terceiro, 62,5% no quinto e 68,2% no sétimo.
o Setor público: 8,9% no primeiro ano, 25,6% no terceiro e 32,6% no quinto e 40,7% no sétimo.
A explicação mais plausível para essa diferença está no desempenho médio dos ingressantes: enquanto apenas 1,5% dos alunos do setor público entram com notas 1 ou 2 no ENEM, esse percentual salta para 17,3% no setor privado.
Considerando o intervalo de notas entre 1 e 3, a diferença é ainda mais expressiva: 17,1% no setor público e 73,1% no privado. Esse desnível inicial raramente é compensado por programas de recuperação, o que contribui fortemente para a evasão precoce.
As causas da evasão são múltiplas: desencanto com a profissão, dificuldades acadêmicas, deficiências na formação básica, desmotivação provocada por currículos pouco atrativos nos primeiros anos, entre outras. A falta de mobilidade interna e o baixo estímulo ao engajamento inicial são também fatores críticos, já identificados por diversos estudiosos da área.
Outros dados sobre as taxas de titulação na Engenharia Civil mostram que:
- Apenas 18% dos estudantes concluem o curso em cinco anos;
- Em sete anos, o índice sobe para 30%;
- No setor público: 15,5% se formam em cinco anos; 42,3% em sete;
- No setor privado: 18,5% se formam em cinco anos; apenas 28,5% em sete.
Ou seja, dos alunos que ingressaram em 2017, apenas três em cada dez haviam se formado até 2024.
São números preocupantes, especialmente em um país que precisa expandir urgentemente sua base de profissionais qualificados para sustentar o crescimento econômico e a competitividade internacional.
O Instituto Lobo tem trabalhado há anos com a análise da evasão no ensino superior e, também, com a formação nas engenharias, contribuindo com estudos e análises das necessidades dessa área tão importante para qualquer país.
Mais uma vez afirmamos que os dados sinalizam desafios futuros, especialmente se o Brasil quiser retomar taxas de crescimento semelhantes às de décadas anteriores — o que exigirá engenheiros em quantidade e qualidade adequadas.
Nos Estados Unidos, embora as taxas de evasão também sejam elevadas, diversas instituições utilizam o SAT (equivalente ao ENEM) como ferramenta preditiva. Há evidência sólida de correlação negativa entre o desempenho no SAT e a evasão: quanto menor a nota, maior a probabilidade de abandono, especialmente entre o primeiro e o segundo ano.
O SAT tem se mostrado relevante também em programas de apoio acadêmico e retenção, implementados em diversas instituições.
Um exemplo é o estudo de Rohr (2012-2013), publicado no Journal of College Student Retention, que analisou a relação entre as notas do SAT e o GPA (média escolar) na retenção de alunos das áreas de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) e Administração. Com base em dados de 803 alunos, o estudo aplicou regressão logística e concluiu que essas duas variáveis previam com boa precisão os índices de permanência nos cursos.
A modernização curricular — com a introdução de novas práticas e competências, projetos motivadores nos primeiros anos e estímulo à inovação — pode mitigar esse quadro.
Essas propostas são tratadas no nosso livro “Engenheiros, Para Quê?”, publicado que mostra meus estudos sobre o tema e conta com a colaboração de diversos especialistas, que publicado pela EDUSP em 2018.
Também estão presentes no relatório de Ruth Graham para o MIT, “The Global State of the Art in Engineering Education, também de 2018, que apresenta experiências internacionais de transformação no ensino de Engenharia.
No Brasil, estudos semelhantes são escassos — mas extremamente necessários. A compreensão das causas do sucesso, ou fracasso estudantil, inclusive da própria definição desses termos, requer investigação mais profunda, sistemática e contínua.
Lembrando que, ao contrário do que muitos pensam, ou defendem a questão financeira do estudante não está, na maioria dos estudos realizados no mundo e pelo Instituto Lobo, no topo das principais causas da evasão, o que deveria levar os gestores públicos e privados, assim como os professores, a uma reflexão mais acadêmica e científica desse fenômeno que tanto prejudica acadêmica, social e financeiramente os alunos, as instituições e os países.
*Roberto Lobo é PhD em física e doutor honoris causa pela Purdue University, foi reitor da USP e é presidente do Instituto Lobo
**Estado de São Paulo, https://www.estadao.com.br/educacao/roberto-lobo/a-grande-evasao-nos-cursos-superiores-o-exemplo-da-engenharia-civil/, 14/07/2025