A primeira turma de uma faculdade de IA – Grupo tem 15 alunos de Goiás

ALICE LABATE | OESP*

Em 2019, quando a inteligência artificial (IA) soava mais como papo de maluco para a maioria das pessoas, um grupo de jovens decidiu que correria exatamente atrás desse diploma universitário – a Universidade Federal de Goiás (UFG) tinha acabado de inaugurar o primeiro curso de graduação de IA do País. Agora, os 15 recém-formados acabam de chegar ao mercado com o sucesso do ChatGPT e esperam encontrar emprego, dinheiro e uma alta dose de responsabilidade.

Nem sempre, porém, a trajetória parecia ser dourada. “Quando eu escolhi cursar IA, fui conversar com alguns professores, que me disseram: ‘Se eu fosse você, não escolheria esse curso’. Era algo ainda muito novo, um assunto mais de mestrado ou doutorado”, disse o recém-formado Gabriel Jhordan Gomes, de 23 anos. “Mas agora, já formado, eu vejo que esse curso foi a escolha certa.”

De fato, o timing não poderia ser melhor. Após o lançamento do ChatGPT pela OpenAI, em novembro de 2022, houve uma corrida global para investimentos na área. Apenas o “G-7 da tecnologia” – composto por Apple, Amazon, Google, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla – se valorizou em 74%, e seu valor de mercado chega a US$ 12 trilhões (por volta de R$ 61,4 trilhões).

As cifras superlativas refletem a expectativa do impacto econômico da tecnologia. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), cerca de 40% de todas as ocupações do mundo vão ficar expostas aos efeitos da inteligência artificial positivamente e negativamente. Nos casos negativos, o cenário pode ser de redução de mão de obra, achatamento dos salários e redução de contratações — e até de desaparecimento de ocupações. Mas nos cenários positivos, pode existir aumento de eficiência e renda.

O panorama hoje é bastante atraente e já gerou uma onda de cursos, workshops e especialistas no tema. Mesmo assim, para alguns dos formandos a escolha traçou caminhos quase aleatórios.

“Descobri esse curso na colação de grau da minha irmã na UFG. Ouvi o reitor falando que iam criar essa graduação nova. Minha primeira opção era Medicina, mas não alcancei a nota de corte”, afirmou Heloisy Rodrigues, de 24 anos, primeira e única mulher a se formar em IA até agora. “Faltando dois dias para o Sisu fechar, eu lembrei do curso, fui pesquisar e vi que o mercado era muito bom. Eu não sabia o que esperar, não conhecia a área de tecnologia, mas eu sempre tive facilidade com exatas, então, resolvi tentar. Foi o tiro no escuro mais certeiro.”

Mesmo assim, ingressar no curso está longe de ser tarefa fácil. Ele tem uma das maiores notas de corte pelo Sisu: o aluno deve alcançar pelo menos 778,81 no Enem, ficando atrás apenas das notas de corte de Engenharia de Software (791,84) e Medicina (795,83).

COMO FUNCIONA. Mas como foi possível nascer em uma universidade pública, bem antes da moda da IA, uma graduação focada na tecnologia? “Temos o Centro de Excelência em Inteligência Artificial na UFG, onde fazemos projetos de inovação de IA para empresas, e vemos esse movimento na indústria desde 2012. Observamos as demandas

dessas empresas para projetar o curso, principalmente porque vimos que faltava gente para executar esses projetos”, afirmou Anderson Soares, coordenador do curso.

“Para estruturar o curso, a gente buscou elencar tudo aquilo que a gente via que estava acontecendo nas empresas”, disse Soares. “A área de exatas tem uma evasão infelizmente muito alta. Então, resolvemos mudar algumas coisas, aproveitando esse novo cenário da tecnologia, para fazer com que os alunos tivessem experiências práticas e efetivas durante a formação.”

O curso tem duração de quatro anos e possui 34 matérias na grade curricular total. Ao longo da graduação, a universidade também oferece a oportunidade de os alunos realizarem projetos para empresas, sob supervisão – que funciona como uma espécie de estágio.

Essa integração com a iniciativa privada se mostrou fundamental para a existência e estruturação do curso. Soares disse que, atualmente, a UFG tem contrato com 63 companhias, entre elas, startups e empresas de grande porte, e que os alunos recebem para realizar esses projetos conforme seu desempenho. “Até o momento, esse se mostrou um modelo muito assertivo para essa geração tão ansiosa; teve aluno que chegou a ganhar pouco mais de R$ 200 mil durante a formação”, disse o coordenador.

No total, os 15 alunos receberam juntos ao longo da graduação R$ 1,5 milhão só realizando projetos, segundo Anderson. Além disso, para o desenvolvimento dessas propostas, a universidade arrecadou R$ 50 milhões das empresas no ano passado, em comparação com R$ 30 milhões em 2022. E a previsão é de arrecadar R$ 60 milhões até o fim deste ano.

“A empresa, basicamente, contrata a universidade para desenvolver uma tecnologia e, então, eu, como sênior do assunto, seleciono alunos para desenvolverem esse projeto comigo”, explicou o orientador. “Então, o aluno participa de um projeto onde ele vai aplicar o que aprendeu nas aulas, enquanto é pago por isso, e estando sob tutela da universidade.”

“Essa abordagem prática, em conjunto com o projeto de pesquisa, acaba agregando muito valor, porque no ambiente universitário a gente aprende as teorias, e depois vê como elas funcionam quando vamos realizar projetos para as empresas. Isso é muito bacana, você aprende, de fato, aquele conteúdo”, diz o recém-formado Heinz Felipe, de 22 anos.

FUTURO. Com poucos profissionais do segmento no Brasil, o futuro parece bastante promissor para a turma. “Nessa área, há demanda no mercado de trabalho, mas há também baixa de profissionais qualificados. Então, acaba que se torna mais atrativa financeiramente”, disse Leonardo Berto, gerente da consultoria Robert Half.

SALÁRIOS. No Brasil, a faixa salarial de carreiras associadas à IA fica entre R$ 5 mil e R$ 16 mil, com média de R$ 10.632, segundo o site Glassdoor. “Em relação a salário, eu sei que uns quatro ou cinco dos recém-formados estão ganhando na faixa dos R$ 10 mil, e em uma das turmas que ainda estão se formando já temos alunos que trabalham para empresas internacionais e que estão recebendo por volta de US$ 7 mil (R$ 36 mil) ou US$ 8 mil (R$ 41 mil)”, disse Soares.

As áreas de atuação dentro da carreira de IA são variadas, podendo ir de marketing, varejo, telecomunicação e até saúde. “Eu tenho a felicidade de trabalhar e projetar minha carreira internacionalmente. Desenvolvo um trabalho em uma empresa canadense em que auxiliamos o tratamento de pacientes com o auxílo da IA”, disse Felipe.

Gomes também trabalha para uma empresa internacional: “Atualmente, eu trabalho na Artificial Dynamics, que é uma empresa mexicana de geoprocessamento, e eu trabalho realizando projetos para criar rotas, seja rotas para vendedores, rotas de caminhões.”

Heloisy, por sua vez, pretende empreender: “Quero aplicar no mercado de call center, teleatendimento.” As possibilidades de dinheiro e carreira, claro, encantam. Mas para ela, a IA pode ir além. “A IA vem para ajudar o ser humano a voltar a ser mais humano, a não ter que ficar fazendo tarefas repetitivas. Precisamos nos adaptar e buscar uma nova atuação partindo para um lado criativo.”

“A área de exatas tem uma evasão infelizmente muito alta. Então, resolvemos mudar algumas coisas, aproveitando esse novo cenário da tecnologia, para fazer com que os alunos tivessem experiências práticas e efetivas durante a formação”

Anderson Soares Coordenador do curso de IA da Universidade Federal de Goiás

*Estado de São Paulo, https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo, 14/04/2024

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