Portal Uol, https://www.uol.com.br/universa/noticias/bbc/2020/02/28/como-seus-pais-influenciam-a-maneira-como-voce-age-trabalho.htm, 28/02/2020
Como seus pais influenciam a maneira como você age no trabalho
Christian Jarrett, BBC Work Life
Uma série de fatores afeta a maneira como você age no trabalho: a personalidade dos colegas, o tipo de chefe que você tem e a cultura da empresa de uma maneira mais ampla.
No entanto, se você se pegar repetindo os mesmos padrões contraproducentes — como dificuldade em aceitar críticas, receio de pedir ajuda a outras pessoas ou medo de errar —, pode ser que a origem dos seus problemas não seja tão óbvia.
A natureza do relacionamento dos seus pais, e especialmente se eles resolviam os problemas de maneira amigável e construtiva ou partiam para o conflito, pode ter influenciado a maneira como você se relaciona com as outras pessoas. No jargão psicológico, se seus pais estavam sempre discutindo, eles podem ter influenciado seu “estilo de apego”. E isso pode interferir na sua capacidade de estabelecer relacionamentos saudáveis no trabalho.
A teoria do apego, proposta pela primeira vez pelo psicólogo britânico John Bowlby em meados do século passado, sugere que nossos primeiros relacionamentos — especialmente com nossos pais — influenciam como nos relacionamos com outros indivíduos ao longo da vida, ou melhor, o nosso padrão ou “estilo de apego”.
Em linhas gerais, as pessoas podem apresentar um padrão de “apego seguro”, o que significa que são confiantes do seu valor e confiam nos outros; um “apego ansioso (ambivalente)”, em que têm baixa autoestima e temem ser rejeitadas e negligenciadas, buscando segurança constantemente; ou um “apego evitativo”, que significa que também têm baixa autoestima e pouca confiança nos outros, mas enfrentam a situação evitando acima de tudo se aproximar muito das pessoas.
Há muitos fatores que contribuem para o tipo de padrão de apego que desenvolvemos, incluindo a receptividade dos nossos pais, assim como nossa própria personalidade, que é reflexo de uma mistura de fatores ambientais e genéticos. Mas o relacionamento de nossos pais também é relevante.
Para as crianças, os pais oferecem um modelo de como as divergências devem ser resolvidas nos relacionamentos — ou até mesmo se podem ser resolvidas. E pesquisas sugerem que isso tem consequências para o padrão de apego posterior das crianças.
Esses estudos geralmente esbarram em um conflito genético — ou seja, qualquer associação entre o comportamento das crianças e o comportamento dos pais pode ser explicada, pelo menos em parte, pelo fato de terem genes compartilhados.
Apesar desta limitação, um estudo envolvendo 157 casais mostrou que os indivíduos cujos pais se divorciaram na infância eram mais propensos a ter um padrão de apego inseguro na vida adulta. E uma pesquisa de psicólogos da Purdue University, no estado americano de Indiana, pediu para 150 estudantes de graduação recordarem o nível de conflito no relacionamento dos pais e, na sequência, avaliou o perfil de apego de cada um. Os alunos que se lembravam de mais conflitos tendiam a apresentar padrões de apego mais ansiosos e evitativos.
Por muitos anos, a teoria do apego foi usada principalmente para analisar como o estilo de apego dos indivíduos, formado na infância, influencia o comportamento nos relacionamentos românticos na vida adulta — e não surpreende que os dois padrões de apego inseguros estejam associados a relacionamentos de pior qualidade.
Cada vez mais, no entanto, os psicólogos do trabalho estão recorrendo à teoria do apego para ajudar a explicar o comportamento dos funcionários no ambiente de trabalho — o número de artigos que adotam essa abordagem aumentou consideravelmente nos últimos anos.
Estilo pessoal
Há várias maneiras pelas quais seu estilo de apego pode afetar seu comportamento no trabalho. Por exemplo, se você apresenta um padrão de apego ansioso, pode ter mais medo de ser rejeitado por apresentar um desempenho fraco (pelo lado positivo, você também pode estar mais alerta a ameaças, o que talvez faça de você um bom informante).
Se você tem um estilo de apego evitativo, é mais provável que desconfie de seus gestores e colegas. Esses processos psicológicos profundamente arraigados também afetam os chefes — por exemplo, aqueles com um padrão de apego seguro são mais inclinados a delegar.
Tais descobertas são confirmadas por histórias pessoais. Sabrina Ellis, de 32 anos, enfermeira de saúde mental e psicóloga organizacional, relembra a violência verbal e física entre os pais e, mais tarde, entre a mãe e o padrasto.
“Quando cresci… não havia adultos na minha casa em quem eu pudesse confiar, sentia que precisava me proteger mesmo no começo da vida adulta”, diz ela.
Sabrina acredita que isso causou problemas no início da sua carreira, especialmente na hora de recuperar a confiança em colegas do sexo masculino que a decepcionaram.
A consultora de administração Kiran Kaur, de 34 anos, acredita que o relacionamento de seus pais a afetou tanto positiva quanto negativamente. Eles evitavam conflitos entre si e formavam uma frente única (algo que Kaur adotou no trabalho em equipe), mas, ao mesmo tempo, eles afastavam perspectivas alternativas.
“Isso impactou minha abordagem no trabalho com equipes, porque eu também não convidava a discussões abertas”, diz ela.
Mas nosso estilo de apego não é predestinado. Pesquisas recentes mostram que o padrão de apego evolui até certo ponto ao longo da vida em resposta às circunstâncias atuais. Se você tiver a sorte de ter um parceiro confiável e amoroso, isso provavelmente vai aumentar sua confiança nos outros — favorecendo a manifestação de um estilo de apego seguro.
Este é um processo chamado de “paradoxo da dependência”, ou seja, quando depender de alguém aumenta nossa autonomia.
Além disso, ter mais consciência de qual é sua tendência nos relacionamentos, com base em suas experiências de infância, pode permitir que você tome medidas para atenuá-las ou tire proveito das mesmas.
Kaur conta que a atitude de evitar conflitos e a mente fechada, que ela acredita ter herdado dos pais, é algo que ela vem trabalhando há 10 anos, desde que um colega chamou a atenção dela pela primeira vez para esse fato.
“Chamo agora para discussão e tento ser o mais aberta possível”, diz ela.
Ellis também conseguiu se adaptar de forma positiva.
“Ao longo da minha carreira, evitei conflitos e aprendi conscientemente novas maneiras de resolver problemas e lidar profissionalmente com preocupações, mantendo o foco na solução”, diz ela.
“Tem sido muito produtivo e (me ajudou a ser) bem-sucedida como gestora de equipes e como colega de outros profissionais.”
A maneira como você se relaciona com outras pessoas no trabalho pode ter raízes profundas, mas se a psicologia nos ensinou algo, é que o aprendizado é possível ao longo da vida. Isso se aplica ao seu estilo de apego e personalidade, tanto quanto a aprender um novo esporte ou idioma.
Falando como um psicólogo, estar mais ciente desses processos interpessoais e de suas raízes significa que não há razão para que você não consiga se adaptar e se tornar um gestor ou colega de trabalho mais eficiente.