Estado de São Paulo, https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,elas-entraram-na-universidade-e-contam-como-e,70003466101, 07/10/2020
Elas entraram na universidade e contam como é
Quatro alunas – cada uma de um campo do conhecimento – mostram que a graduação é uma realização possível e recompensadora
Ocimara Balmant e Alex Gomes, Especiais para O Estadão
Quando o estudante senta para assistir à primeira aula de graduação, imagina como será depois de alguns anos, no momento em que for receber o diploma. Terá valido a pena? Será que aquela é a escolha acertada? Dará conta de aprender tudo o que é necessário para o futuro?
Durante o curso, a resposta é que estudar é mesmo um desafio. Mas um desafio repleto de motivações e recompensas que nem esperam o momento da formatura para aparecer.
Veja os depoimentos de Michelle Bonatti, Rafaela Monteiro, Lorena Alcântara e Paula Borges. São quatro graduandas com pesquisas e projetos inovadores, que mostram como a decisão por estudar pode mudar a vida de todos, e de cada um.
Depoimentos
Michelle Bonatti, que cursa Engenharia Civil do Instituto Mauá de Tecnologia: ‘Queremos afetar menos o meio ambiente, com energia renovável’
“Desde pequena me interessava por construções. Pensava sobre como eram feitos os edifícios, as pontes e outras edificações. Lembro de viagens a Campos do Jordão, quando eu reparava na arquitetura, como os detalhes nos telhados e casas em formatos triangulares.
Ainda adolescente, tive a oportunidade de fazer uma viagem de intercâmbio ao Canadá. Lá conheci o projeto Habitat 67, de construções cúbicas e lúdicas. Achei muito interessante e inovador e, logo após, decidi cursar o ensino médio técnico em edificações.
Entrei no curso de Engenharia Civil da Mauá em 2014 e me formo agora em 2020. Durante o curso, me interessei por premiações de projetos realizadas por entidades da área. Neste ano, um grupo de colegas e eu ficamos na terceira colocação de um concurso de ideias para uma nova ponte ligando o Brasil ao Paraguai.
A competição foi organizada pelo Centro Brasileiro da Construção em Aço (CBCA). Nosso projeto teve como diferencial utilizar dois arcos para sobrepor o extenso vão livre de 500 metros entre os dois países, o que traria uma otimização de recursos. O custo total aproximado foi de R$ 113 milhões, montante considerado econômico pela comissão julgadora. Depois do concurso, fomos classificados para participar de um congresso nacional de estruturas de aço, que será realizado agora em outubro.
Enquanto faço a faculdade, trabalho no setor de engenharia em um banco, com manutenção e obras de infraestrutura. Uma das questões mais importantes em meu trabalho é a sustentabilidade, ter certificações nos projetos. A Engenharia Civil sempre demandou muitos recursos naturais e tem problemas com resíduos. Hoje queremos afetar menos o meio ambiente. Fazemos isso ao utilizar energias renováveis e estimular a preservação dos espaços.”
Lorena Kimberly Alcântara, aluna de Farmácia da Faculdade Pitágoras: ‘Com a pandemia, cresceu interesse pelo que faço’
“Desde pequena, meu tio farmacêutico era uma das minhas referências sobre o que eu queria no futuro. Seu trabalho me deixava curiosa sobre os medicamentos, tentando entender do que eram feitos, como conseguem ter efeitos muitas vezes tão extraordinários no corpo humano. Ele me deu um dos livros que até hoje é um dos meus itens mais valiosos.
Por tudo isso, estudar Farmácia sempre esteve em minha mente. Fiz um curso preparatório e, em 2016, prestei o vestibular. Ainda lembro da tensão que sentia durante a prova, não por achar que estivesse despreparada, mas pela responsabilidade de saber que era o momento em que eu dava início à carreira profissional. Hoje tenho certeza de que fiz a escolha certa.
Faço estágio no Núcleo de Assistência Farmacêutica da Superintendência Regional de Saúde do Estado de Minas Gerais. Tenho envolvimento com medicamentos de alto custo, que não ficam disponíveis em drogarias comuns.
No curso (na Faculdade Pitágoras de Ipatinga), eu acabei de publicar uma pesquisa com meu amigo Luiz Felipe, do 6.º semestre, sobre o uso de polpas de cupuaçu, seriguela e umbu contra bactérias causadoras da infecção do trato urinário (ITU). Nosso artigo foi publicado na revista científica Biointerface Research in Applied Chemistry, periódico vinculado à Universidade Politécnica de Bucareste, na Romênia. Iremos também ministrar uma palestra no Congresso Internacional de Ciências Farmacêuticas, que será realizado agora no mês de outubro.
Meus planos futuros incluem fazer mestrado e doutorado. Quero dar aulas e também continuar trabalhando com pesquisas. Abordar microbiologia, produtos naturais e farmacologia, entre outros temas. Com a pandemia, sinto um aumento do interesse das pessoas pelo que faço, querem saber mais sobre o vírus e as possíveis vacinas. Vejo que muitas entendem como é árduo o trabalho dos pesquisadores e de certa forma passam a dar mais apoio.”
Rafaela Monteiro, estudante de Jornalismo na Unesp: ‘Pretendo ajudar as pessoas a entender o mundo’
“O motivo principal para eu escolher meu curso foi a vontade de mostrar uma realidade sem estereótipos da minha região. Sou do Jardim da Conquista, na zona leste de São Paulo, local muitas vezes retratado como violento e degradado. Mas na realidade também tem muita cultura, e várias coisas boas que acontecem lá.
Meus pais tinham poucos recursos, mas se propuseram a investir por um ano em um cursinho para que eu conseguisse estudar em uma universidade pública. Foram meses tão intensos de estudos que eu desenvolvi uma miopia. Só consegui ter dinheiro para comprar óculos na época em que os processos seletivos estavam sendo realizados. Assim, nas primeiras fases dos exames, que fiz ainda sem óculos, mal conseguia ler as questões das provas.
Em 2018, consegui passar na Unesp tendo como inspiração o jornalismo investigativo. Gosto muito do trabalho do Caco Barcelos, do Roberto Cabrini e de outros repórteres com esse tipo de atuação. Estar em campo, entrevistar as pessoas, conhecer suas realidades, apurar, tudo isso me anima e me faz querer atuar na área, bem como expandir o conhecimento.
Alguns colegas de curso e eu atuamos em uma revista chamada Torta, que busca levar a ciência para fora do meio acadêmico. Ela tem acesso totalmente gratuito, pois nestes tempos de fake news e desinformação precisamos facilitar a disseminação de conhecimento ao máximo, sem barreiras de cobranças.
Com a pandemia, a convivência acadêmica está mais difícil. Algumas repúblicas de universitários em Bauru (onde fica o câmpus de Jornalismo da Unesp) estão se desfazendo e os apartamentos sendo devolvidos. A minha, por enquanto, se mantém. Sinto que a inserção no mercado está complicada. Temos muitas ofertas de estágios em marketing e publicidade, mas jornalismo não é isso. Quero muito trabalhar em redação, veículos de imprensa. Quero fazer um bom jornalismo, fazer com que as pessoas possam entender o mundo, porque antes eu também não entendia.”
Paula da Silva Borges, que faz Pedagogia na Universidade Mackenzie: ‘A educação muda a sociedade. E desejo fazer parte disso’
“Quando dizia às pessoas que pretendia fazer Pedagogia, a reação em geral era de desestímulo, dizendo que professor não é valorizado. Porém, acho que o mais importante é fazer o que se acredita, ainda mais nos tempos atuais em que faltam pessoas que se interessem pelo coletivo.
Entrei em Pedagogia no meio de 2019 e acabo de concluir uma pesquisa com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) na qual analiso a contribuição de princípios cristãos na Pedagogia, com paralelos em autores como Paulo Freire e outros. Trato de um ensino humanista que contemple a pessoa como um todo, sua história e seus anseios, algo que pode ser especialmente útil no ensino de jovens e adultos, em que a relação entre educação e vida é mais clara.
Ser professora é um sonho que tenho desde a infância. Foi um projeto adiado por causa da maternidade. Tenho dois filhos, uma adolescente que acaba de concluir o ensino médio e o mais novo no 1.º ano do médio. Até agora são inúmeros os desafios que tenho para conciliar os estudos com minhas atividades diárias. Além de estudar, tenho também o trabalho de babá que me ajuda a manter a renda. Sinto, porém, que o amanhã é muito importante para ser deixado de lado. A educação é o caminho para transformar a sociedade. E eu quero fazer parte dessa mudança.