Estudo de larvas e moscas em laboratório da Unicamp ajuda a solucionar crimes
Pistas em insetos determinam, por exemplo, hora, local e causa de morte; grupo é acionado por polícias do País todo
ROBERTA JANSEN | OESP*
PATRICIA THYSSEN/UNICAMP – Patrícia coordena o Laboratório de Entomologia Integrativa, na Unicamp; local é referência em entomologia forense, ramo da biologia que estuda os insetos necrófagos
“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver, dedico como saudosa lembrança essas memórias póstumas”. Uma das dedicatórias mais famosas da literatura brasileira, a escrita por Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 1881, já trazia bem clara a noção de que a decomposição de um cadáver começa com a deposição das larvas de algumas espécies de moscas no tecido morto.
A ideia central dessa dedicatória é a mesma que norteia a entomologia forense – ramo da biologia que estuda os insetos responsáveis pela decomposição de cadáveres. No caso de assassinato, por exemplo, o estágio das larvas e o grau de infestação podem determinar a data da morte. “O corpo atrai insetos decompositores, os chamados necrófagos, que comem alimentos em decomposição”, diz a bióloga Patrícia Jacqueline Thyssen, coordenadora do Laboratório de Entomologia Integrativa do Instituto de Biologia da Unicamp. “A partir do cálculo do tempo de vida de uma larva podemos ajudar o perito na determinação da data da morte da vítima.”
Para obter tais informações, os cientistas analisam as larvas mais velhas resultantes de ovos depositados nos cadáveres humanos por insetos, principalmente moscas. Dependendo do tamanho e do peso delas, o entomologista determina seu estágio de desenvolvimento e, portanto, sua idade. Em geral, as moscas aparecem no 2.º dia, atraídas pelo odor da decomposição. Se os cientistas concluírem, por exemplo, que as larvas mais velhas encontradas têm 3 dias de vida, é possível dizer que a vítima está morta há pelo menos 5 dias. No laboratório, os cientistas registram a velocidade de desenvolvimento das larvas em diferentes ambientes e temperaturas. Mas essa não é a única informação que as moscas podem fornecer.
OUTRAS PISTAS. As espécies que colonizam os corpos variam de região para região, o que ajuda a determinar se o corpo foi movido de lugar, por exemplo. A análise dos insetos pode, até mesmo, indicar a causa da morte.
Isso é mais comum em casos que envolvem o consumo de drogas. Por exemplo, no caso de uma morte por overdose de cocaína, a droga será certamente encontrada no organismo dos artrópodes.
Morte por overdose No caso de a vítima ter usado cocaína, a droga certamente será detectada no inseto
Embora mais comum em países desenvolvidos e nas séries de TV do tipo CSI, a entomologia forense tem um laboratório de referência no Brasil, no Instituto de Biologia da Unicamp. O grupo costuma ser acionado pelas polícias de todo o País para consultas e produção de relatórios de análise de cena de crime. Em mais de 90% das investigações, o principal inseto utilizado é a mosca e suas larvas. Em alguns casos, os pesquisadores usam também besouros.
*Estado de São Paulo, https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20250309 09/03/2025, pg.A216