‘Ganhava R$ 10 mil e virei pobre internacional’: o lado B de ser imigrante

Luciana Spacca, Colaboração para o UOL*

Há três anos, a confeiteira Rafaela Rodrigues Pires, 26, decidiu deixar a vida estável que tinha com o marido, o técnico em mecatrônica Alex da Silva, 33, em Guararapes (SP) e se mudar para a Espanha.

Nas redes sociais, Rafaela explica que nem tudo são flores nessa escolha de ser imigrante. Pelo contrário. Com bom humor, ela mostra o “lado B” da vida longe da terra natal —algo que destoa dos luxos que alguns imigrantes preferem mostrar na internet.

A vida fora do Brasil tem choro de saudades, ralação e qualidade de vida —tudo junto e misturado.

“Eu brinco que deixei uma vida estável no Brasil para ser pobre internacional. Eu sempre digo que ali [o que mostra nas redes sociais] é a minha experiência, as coisas que aconteceram comigo. Sei que nem sempre vai ser igual para todo mundo, mas senti a necessidade de mostrar como as coisas são aqui, tanto para o bem quanto para o mal. Nada é 100% nessa vida.” – Rafaela Rodrigues Pires

‘Tínhamos renda de R$ 10 mil’

Antes de ir para a Espanha, Rafaela tinha uma confeitaria no Brasil. “E pegava muitas encomendas”, lembra.

Já o marido trabalhava como eletricista em uma multinacional. “Juntos, tínhamos uma renda de R$ 10 mil por mês e nossa vida estava bem confortável.”

Além disso, o casal havia acabado de trocar de carro, estava construindo uma casa e também tinha planos de abrir uma padaria. Apesar dos planos, ela conta que, de uma hora para a outra, decidiram vender tudo e partir rumo à Europa em busca de uma vida ainda melhor.

“A gente já tinha conversado sobre mudar para a Europa, mas não era uma coisa concreta. Até o Alex me ligar numa tarde de quinta-feira me perguntando se eu queria ir morar na Espanha. Eu disse que sim. Em um mês, vendemos tudo e viajamos. Foi do nada.” – Rafaela Rodrigues Pires

O destino escolhido foi o Principado das Astúrias, região montanhosa no interior da Espanha, a cerca de 400 quilômetros de Madri. Uma tia de Alex vive no local, o que facilitou para que o casal conseguisse um apartamento para alugar. Mas, já no primeiro dia, Rafaela percebeu que o sonho de morar fora do Brasil não seria tão fácil assim.

“Logo no primeiro dia eu já queria voltar para o Brasil. Eu não sabia falar espanhol, não conseguia me comunicar com as pessoas. Quando cheguei na cidade e vi que tudo era muito antigo, construções antigas, não tinha casa com quintal, montanha para todo o lado, foi um choque de realidade. “ – Rafaela Rodrigues Pires

Alex conta que o primeiro passo para que eles tivessem uma estabilidade, tanto financeira quanto emocional, foi arrumar um trabalho. “A gente sabia que a área mais fácil era a de construção. Eu já tinha experiência, então foi mais tranquilo. Aqui eu já trabalhei como pintor, encanador, eletricista. No setor de construção você faz o que precisar”, explica ele.

‘Tentam dar um jeito de te enrolar’

Atualmente, o casal vive em um apartamento com as duas filhas: Elise, de 7 anos, e Estela, de 2, que nasceu na Espanha. Rafaela conta que demorou um ano para se acostumar com a vida de

“Eu trabalhei muito pouco porque logo engravidei. E o que mais me pegou foi o emocional. Você entender que está começando do zero, em um país em que não conhece ninguém, não tem a sua família, não fala o idioma. Até você se acostumar com isso, ter essa paciência e amadurecer, demora um pouco”, revela.

“Eu trabalhei muito pouco porque logo engravidei. E o que mais me pegou foi o emocional. Você entender que está começando do zero, em um país em que não conhece ninguém, não tem a sua família, não fala o idioma. Até você se acostumar com isso, ter essa paciência e amadurecer, demora um pouco”, revela.

Para aliviar a tristeza que sentia por estar longe da família, a confeiteira passou a compartilhar nas redes sociais as dificuldades e benefícios de viver como imigrante, sempre com muito bom humor.

Rafaela diz que passou pelos mais diferentes “perrengues” desde que se mudou do Brasil. “Logo quando eu cheguei e ainda não falava espanhol, fui conversar com o dono do apartamento em que a gente mora para explicar que pagaria o aluguel em uma determinada data. Sem querer, disse que iria ao quarto dele para pagar o valor. Foi uma confusão”, lembra.

O casal também já passou por situações desconfortáveis com os europeus. “As pessoas chegam na gente tocando, falando muito perto, não se importam se você é casada ou não. No começo eu achava muito estranho”, diz Rafaela.

Alex também conta que precisa estar sempre alerta, porque já sofreu com calotes na hora de receber o pagamento pelos serviços de construção que realiza. “Quando descobrem que você é imigrante, muitas vezes tentam dar um jeito de te enrolar na hora de pagar. Hoje, eu já lido melhor, mas no começo foi difícil”, explica.

‘O que é luxo no Brasil aqui é acessível’

Rafaela e a família vivem com pouco mais de um salário mínimo por mês, que é de 1.184,50 euros —o equivalente a R$ 7.691,57.

“Não dá para converter o valor, porque o custo de vida aqui é diferente. Com um salário mínimo se vive muito bem. Nas redes sociais, eu brinco que sou pobre internacional. Mas, na verdade, o que é luxo no Brasil aqui é acessível”, afirma Rafaela.

A confeiteira conta que, como quase não tem custos com coisas como transporte, saúde e educação, é possível ter uma vida confortável com o valor que recebe mensalmente.

“Viver aqui tem suas dificuldades. Só que, na questão pública, tudo funciona. Tem hospital, educação, tudo de boa qualidade e de graça. Então você tem dinheiro para viajar, ir a restaurantes várias vezes ao mês, tomar um café, comprar alimentos de qualidade, roupas para as crianças”, diz.

Apesar disso, a vida está longe dos luxos que alguns preferem mostrar. Nos seus vídeos, Rafaela brinca com a expectativa x realidade sobre a questão financeira. “Me manda um iPhone”, escreveu na legenda de um vídeo, simulando o pedido de alguém no Brasil. Enquanto isso, ela aparece espremendo uma embalagem de xampu para economizar.

Em outro, desabafa, em tom bem humorado: “Achava que, morando na Europa, iria ver neve todos os anos. Três anos morando aqui e não tive tempo, não tive dinheiro e muito menos coragem. No frio de 10ºC já estou tremendo igual vara verde.”

‘Um ano chorando’

Para o futuro, o casal pretende abrir uma empresa de reformas em Astúrias, que é um mercado em que ambos têm conhecimento. “Eu estou finalizando um curso de pedreiro. Assim que terminar, vou poder trabalhar também e começar a juntar dinheiro para abrirmos a nossa empresa”, conta Rafaela.

Ela explica que ela e o marido pretendem ficar mais alguns anos na Europa, principalmente devido à educação das filhas. “Na escola, a minha filha mais velha aprende asturiano, que é o dialeto de Astúrias, além de espanhol e inglês. Ela também tem aula de música. Tudo de graça. Eu nunca conseguiria pagar isso para ela no Brasil”, afirma.

Desde que se mudaram para a Espanha, Rafaela, Alex e as filhas não voltaram mais ao Brasil. A caçula nem conhece os avós. “Aqui, as nossas filhas não sabem o que é ter os avós e isso é muito triste para nós, pois vemos que faz muita falta e elas não sabem o que é isso, esse sentimento”, diz Rafaela.

Eles pretendem visitar a família em breve e, quem sabe um dia, morar novamente no país.

“Eu tenho esse sonho de voltar a viver no Brasil. Quando a gente veio para cá, pensou muito no financeiro, mas o que pega mesmo é o psicológico. Nada vai pagar esse tempo que a gente fica longe da família. Eu fiquei um ano inteiro chorando todo santo dia, de tristeza e saudades. Meu conselho para quem quer se aventurar em outro país é: se prepare psicologicamente, porque a gente fica totalmente sozinho.” – Rafaela Rodrigues Pires
*Portal UOL, https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2025/05/07/virei-pobre-internacional-ela-mostra-o-lado-b-de-ser-uma-imigrante.htm, 07/05/2025

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