IA mata postos de trabalho e cria novos, mas desigualdade pode ser enorme
Diogo Cortiz | UOL*
Estamos na porta de entrada para um mundo novo. Um mundo em que a inteligência artificial (IA) promete dar um salto na produtividade e estimular o crescimento mundial. Para termos uma ideia, o Goldman Sachs estima que a IA generativa pode aumentar o PIB global em 7% no período de 10 anos.
Esta é uma promessa tentadora, mas preciso lembrar que nem tudo são flores.
Esse avanço também tira do armário o fantasma de uma possível intensificação de desigualdades sociais e substituição de postos de trabalho.
A pergunta que sempre temos que fazer é: os ganhos com a IA serão compartilhados entre todas as regiões do mundo e, principalmente, entre pessoas de diferentes níveis de escolaridade e experiência?
Existe uma ideia de que o aumento de produtividade sempre produzirá salários mais altos e uma sociedade mais igualitária, mas não é isso que a história econômica nos conta.
Dados compilados pelo “Economic Policy Institute” mostram que, entre 1980 e 2022, a produtividade aumentou 64,7% puxada por uma forte automação, enquanto os salários subiram apenas 14,8% no mesmo período.
Ou seja, a produtividade cresceu 4,4 vezes mais do que os salários. Qual o efeito disso na sociedade? Uma concentração ainda maior.
É inegável que o processo de automação causa disrupções e tensões no mercado de trabalho, mas sempre tem um argumento que tenta simplificar as coisas. Certamente você já deve ter ouvido que ao mesmo tempo em que uma nova tecnologia mata postos de trabalhos, ela cria novas posições.
De fato, isso acontece, mas nem sempre na mesma velocidade, nem no mesmo período, nem na mesma magnitude. E é isso que pode fazer com que a desigualdade cresça com o processo de inovação.
Daron Acemoglu e Simon Johnson, em seu ótimo livro “Poder e Progresso” (editora Objetiva), argumentam que, em um mundo ideal, o crescimento da produtividade deveria aumentar a demanda por mais trabalhadores à medida que as empresas busquem expandir a produção contratando mais pessoas.
O problema é que isso nem sempre acontece.
Os autores são didáticos ao explicar que, contrário à crença popular, o aumento da produtividade não se traduz obrigatoriamente em uma maior demanda por trabalhadores. Para entender esse processo é importante reconhecermos que existem diferentes maneiras de se medir a produtividade.
A definição padrão assume a produtividade como a produção média por trabalhador. Neste caso, basta pegar a produção total e dividir pela quantidade de empregados.
Mas para uma empresa avaliar se vale a pena contratar mais funcionários, o que importa é uma outra medida, a produtividade marginal, que mede a contribuição adicional de um novo funcionário no aumento da produção.
Este é um conceito complicado, então cabe um exemplo para facilitar. Imagine uma padaria com apenas um funcionário que produz 10 pães por hora. Se o dono contratar um segundo empregado, e a produção total passar para 18 pães por hora, isso quer dizer que a produtividade marginal do segundo padeiro é de 8 pães.
Uma das hipóteses com o avanço da IA é que a produtividade seja impulsionada mais pelo uso das tecnologias do que pelo aumento da quantidade de trabalhadores.
Neste caso, a produtividade padrão aumentaria ainda que a produtividade marginal se mantivesse constante ou até diminuísse, o que não é um incentivo para as empresas contratarem mais.
Um estudo do FMI (Fundo Monetário Internacional) mostrou que com as capacidades dos sistemas de IA, 40% dos postos de trabalho estão expostos ao uso da tecnologia.
Muita gente entendeu esse dado como se 40% dos empregos globais já estivessem em risco de extinção, mas o que o relatório indica é que boa parte pode utilizar a tecnologia para melhorar a qualidade de suas atividades, enquanto, sim, o restante está sujeito a substituição.
Eu não tenho dúvida que a IA já começou a trazer melhorias para atividades nas mais diferentes profissões.
Um artigo de pesquisadores de Harvard, MIT e Wharton mostrou o potencial que a IA tem para o ganho de produtividade em empresas de consultoria, por exemplo.
A partir de uma pesquisa experimental, foi demonstrado que os profissionais que estão utilizando ferramentas de IA generativa conseguem completar em média 12% a mais de tarefas, 25% mais rápido e com 40% mais qualidade.
A IA está se tornando uma ferramenta básica e essencial para qualquer profissão, assim como foi o Word e o Excel décadas atrás.
Quem não saber usá-la, está deixando de lado uma habilidade importantíssima para o futuro imediato.
Como o Brasil deve preparar sua população para essa mudança radical?
Quando li a projeção sobre o aumento do PIB global do Goldman Sachs, eu me perguntei se todo esse crescimento estaria igualmente distribuído?
Então encontrei um estudo da consultoria PwC que mostra com mais detalhes quais são as regiões do mundo que têm mais a ganhar com a IA.
Estados Unidos e China estão na frente, como era de se esperar, mas o que mais me surpreendeu é a América Latina estar na última posição, atrás mesmo do que o relatório classificou como “resto do mundo”, que contempla países da África e Oriente Médio.
É uma situação assustadora que precisa ser imediatamente revertida.
As ações precisam acontecer em diferentes frentes, com políticas públicas que fomentem a pesquisa e o desenvolvimento de IA no nosso país, mas que também promovam o uso e adoção da tecnologia.
Esses são alguns dos pontos que estão sendo discutidos na atualização da Estratégia Brasileira de IA (EBIA) que, apesar do atraso, parece estar começando a caminhar.
Mas, precisamos conversar também sobre o mercado de trabalho por aqui. O que vamos fazer para mitigar o impacto imediato da IA nos empregos e promover uma melhor adequação do perfil dos profissionais? Haverá tempo hábil?
O FMI acabou de publicar um novo artigo avisando aos governos que essa transição da IA vai demandar uma rede de segurança social mais forte e investimentos em educação que apoiem os trabalhadores para amortecer o impacto das transformações tecnológicas.
Precisamos de um projeto de alfabetização digital para que a população brasileira aprenda como interagir com as ferramentas de IA, compreenda suas limitações e desenvolva habilidades e pensamento crítico para tomar a melhor decisão enquanto interage com sistemas inteligentes.
É a proposta de “upskilling” e “reskilling” que muitos outros países estão começando a colocar em prática.
O problema é que a criação de políticas públicas está sempre muito atrás das inovações.
É hora de agir, investir em nosso potencial humano e garantir que o país não fique à margem da revolução tecnológica que está remodelando o mundo.
Sem mão de obra qualificada em IA, o Brasil estará preso no pior dos mundos: um lugar sem qualquer tipo de produtividade.
*Portal UOL, , https://www.uol.com.br/tilt/colunas/diogo-cortiz/2024/06/29/desafios-economicos-da-ia–brasil-precisa-preparar-a-sua-economia-para-a-ia.htm, 29/06/2024