Inteligência artificial é uma ferramenta para aprimorar o trabalho dos médicos, não para substituí-los
Com mais de um século de existência, Hospital Sírio-Libanês avança na transformação digital
“É importante trazer os médicos para esse contexto, em que a IA trabalha sobre uma base de qualidade gerada por humanos”, Fabio Costa, Salesforce
Paulo Nigro e Fabio Costa conversam sobre a adaptação dos profissionais da Medicina às inovações tecnológicas
A inteligência artificial está cada vez mais sendo vista como uma grande aliada em potencial dos médicos. “É um recurso que, somado à capacidade humana, poderá levar a avanços incríveis”, diz Paulo Nigro, CEO do Hospital Sírio-Libanês. Acompanhe trechos da conversa dele com o general manager da Salesforce, Fabio Costa, sobre a transformação digital na Medicina e o case do tradicional hospital, que continua em constante expansão ao completar 103 anos.
A pandemia impulsionou a transformação digital em diversos setores, incluindo a Medicina. Como esse processo se deu no Sírio-Libanês?
Paulo Nigro – A tecnologia certamente ajudou a encurtar processos e dar fluxo à população que chegou aqui em busca de atendimento. Colocamos estruturas de fast track em todas as áreas, desde o estacionamento. Conseguíamos fazer ali uma pré-triagem, confirmar se a pessoa tinha o vírus e se seria encaminhada à nossa ala especial para pacientes de covid. Foi a aceleração de um processo iniciado há sete, oito anos, quando começamos por coisas bem simples, como planilhas, a adoção de um novo software e a montagem de um ou outro squad. Fabio Costa – Muitas vezes, a dificuldade do processo de transformação digital nem é orçamentária, mas convencer as pessoas a trabalhar de forma diferente. O Sírio-Libanês demonstra ter essa capacidade de desenvolver novas formas de trabalhar, o que é um ponto superpositivo. Como o Paulo relatou, a transformação digital do hospital foi acelerada durante a pandemia não como consequência direta das tecnologias que estavam sendo incorporadas, mas pelas adaptações na forma de trabalhar.
Paulo, como funciona, dentro do Sírio-Libanês, a definição das tecnologias que serão adotadas?
Paulo Nigro – Talvez o fato de sermos uma instituição muito orientada para processos facilite tudo. Temos amadurecido esse perfil ao longo de 103 anos de existência. A pandemia foi um momento em que aqueles que podiam fazer a aceleração dos processos tiveram mais voz. Passada a emergência, fizemos uma grande avaliação. Identificamos problemas como a falta de interoperacionalidade entre as unidades e de padronização na enorme quantidade de dados que geramos, o que não nos permitia fazer muita coisa com esses dados. Iniciamos então um esforço para padronizar os dados que estávamos gerando, ao mesmo tempo que passamos a treinar nossas equipes para ter a capacidade de utilizar esses dados. Isso está nos levando a fazer coisas que não imaginávamos. Um exemplo: não só estamos gerenciando a fila com mais eficiência, mas conseguindo também fazer a predição de fila. A partir do cruzamento de informações como profissão e idade, sabemos quem tem alta chance de não aparecer num exame marcado, o que nos permite fazer um trabalho mais cuidadoso de confirmação. Isso é usar a tecnologia com inteligência, em nome do aumento de eficiência.
Fabio, ter um banco de dados com uma mesma formatação é um passo crucial para usar com eficiência a inteligência artificial, não é?
Fabio Costa – Sem dúvida. As empresas cultivam informações em silos, sem integração entre os departamentos. E faziam isso por não ter as soluções que existem hoje para organizar os dados de uma companhia. Esse é um traço da Salesforce: montar um sistema de informações organizadas para o uso de pessoas que não necessariamente têm experiência em Tecnologia da Informação. O HSL ter se atentado a isso é muito importante para que o hospital venha a usar a inteligência artificial com eficiência cada vez maior.
Estamos perto de ter inteligência artificial fazendo diagnóstico melhor que os médicos?
Paulo Nigro – Não acredito nisso. Não usamos inteligência artificial nos exames, e sim nos laudos médicos. No caso de mamografias, por exemplo, estamos aplicando IA para identificar palavras-chave que estão no laudo e, com isso, identificar pacientes com maior chance de agravamento do quadro. É outra camada de inteligência, que é a inteligência humana somada à inteligência artificial. Juntos, esses dois tipos de inteligência podem fazer descobertas que não seriam feitas isoladamente, nem pelo olho humano, nem pela máquina. O que precisamos fazer é dar condições ao nosso corpo clínico para se desenvolver a acessar as ferramentas.
Fabio Costa – Vemos muitos médicos dedicando tempo a aprender como interagir de forma correta com essas ferramentas, o que é extremamente positivo. É importante trazer os médicos para esse contexto, em que a IA trabalha sobre uma base de qualidade gerada por humanos.
*Estado de São Paulo, https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo, p. A11, 26/07/2024