Mais Professores não resolverá os problemas da educação brasileira
Thiago Esteves – é Professor de Sociologia, Doutor em Educação e Vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Ciências | 247**
O Programa Mais Professores para o Brasil, apesar de promissor, apresenta diversos pontos que são bastante preocupantes e que podem gerar atritos
17 de fevereiro de 2025, 08:07 h
No último dia 14 de janeiro, com a presença do presidente da República e do ministro da Educação, o governo federal instituiu, por meio do decreto nº 12.358/2025, o Programa Mais Professores para o Brasil. Ao lado do Programa Pé de Meia, que é voltado para combater o abandono escolar no ensino médio, o Mais Professores para o Brasil é um dos pilares das políticas públicas educacionais estabelecidas neste terceiro mandato do presidente Lula, ao menos até o momento.
Após dois governos que tinham como único objetivo desconstruir as políticas públicas educacionais que ambicionavam a inclusão social por meio da oferta de uma educação pública e de qualidade para todos e todas, a instituição de um programa que pretende suprir a carência, ampliar a qualificação e a valorização dos professores e das professoras é, à primeira vista, um alento para o campo educacional. Entretanto, uma análise cuidadosa do decreto nº 12.358/2025, que instituiu o Mais Professores para o Brasil, revela uma série de problemas que podem comprometer a efetividade deste programa e, assim, frustrar tanto os docentes que estão no “chão da sala de aula” como aqueles em processo de formação.
O Programa Mais Professores para o Brasil está estruturado em 5 eixos: (1) Seleção para o ingresso na docência, (2) Atratividade para as licenciaturas, (3) Alocação de professores, (4) Formação docente e (5) Valorização dos professores. No primeiro eixo, seleção para o ingresso na docência, o governo federal apresenta a Prova Nacional Docente, que seria uma avaliação nacional voltada para a seleção de professoras e professores para atuarem nas secretarias estaduais e municipais de educação. A importância deste eixo pode ser medida quando analisamos os dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com base em informações fornecidas pelas secretarias estaduais de educação, que apontam que 15 estados brasileiros possuem mais da metade do seu quadro de docentes composto por professores temporários. Este grupo de estados é liderado por Minas Gerais, onde 80% do corpo docente é formado por professores temporários. A partir de um convênio com o Ministério da Educação, as secretarias estaduais e municipais de educação poderão utilizar as notas obtidas na Prova Nacional Docente como único mecanismo ou parte dos concursos públicos de seleção para ingresso na carreira do magistério. Quando implementada, a Prova Nacional Docente se tornará uma política governamental indutora de currículos, a exemplo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), ou seja, as instituições de ensino que ofertam os cursos de licenciatura serão levadas a adotar um conteúdo curricular que contemple a matriz de referência desta avaliação ou, simplesmente, “a matéria que cai na prova”. Portanto, conforme noticiado pelo Ministério da Educação, a adoção da matriz de referência do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) para a Prova Nacional Docente poderá acarretar um “empobrecimento” dos cursos de licenciatura, em especial, naqueles aspectos relacionados à história e culturas locais e regionais, assim como de teorias e metodologias de ensino não hegemônicas.
No segundo eixo, atratividade para as licenciaturas, o Ministério da Educação apresentou o programa denominado como “Pé-de-Meia Licenciaturas”. Nesta modalidade, está prevista uma bolsa mensal no valor de R$1.050,00 para os estudantes, como forma de incentivar o ingresso, a permanência e a conclusão dos cursos de licenciatura. Este é um dos eixos mais celebrados, mas, ao mesmo tempo, possui grande potencial de gerar desgaste para o governo federal, porque, da forma como estabelecido, este programa exclui uma série de instituições de ensino de reconhecida excelência na formação de professores, a exemplo da Universidade de Brasília (UnB), Universidade Estadual do Ceará (UECE), Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade de São Paulo (USP), dentre outras. Tal exclusão decorre da adoção da nota no Enem como único mecanismo de seleção dos estudantes, e estas instituições de ensino superior adotam modalidades próprias de seleção. Entretanto, não existe nenhuma restrição para instituições de ensino privadas ou de atestada baixa qualidade, desde que adotem o Enem como mecanismo de seleção dos seus estudantes.
O terceiro eixo deste programa, e que é inspirado no Programa Mais Médicos, trata da alocação de professores em áreas com carência desses profissionais. Esta é mais uma boa iniciativa, que necessita de muitos ajustes para que possa surtir o resultado esperado. A meu ver, a comparação com o Programa Mais Médicos é inadequada e só destaca a desvalorização profissional que os professores e as professoras sofrem em nosso país. Enquanto um médico recebe uma bolsa de R$ 12.500,80 por mês de trabalho, o valor proposto para os professores é de R$ 2.100,00 para o mesmo período trabalhado. Outro problema neste eixo é que não está claro como os professores serão contratados e lotados, nem os critérios para definir quais as áreas que apresentam carência de profissionais. Neste ponto, destaco que muitos governos estaduais e municipais simplesmente não realizam concursos públicos para docentes, o que acaba tendo impacto direto na disponibilidade de professores em determinadas áreas.
O quarto eixo trata da formação docente e prevê a criação de um portal na internet que pretende reunir cursos de diferentes níveis oferecidos pelo Ministério da Educação e pelas secretarias estaduais e municipais de educação. De fato, concentrar em uma única página centenas de informações que estão dispersas em dezenas de sites é uma boa iniciativa, mas este eixo não aborda os principais gargalos observados, sobretudo, na formação continuada, que é extremamente necessária para os profissionais que estão nas salas de aula. A ampliação do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), com foco na formação em nível de licenciatura e nos cursos de especialização na área de ensino. O estímulo a parcerias do Ministério da Educação e das Secretarias estaduais e municipais com as instituições de ensino públicas, que dispõem de estrutura e corpo docente qualificado, além da expansão dos Programas de Mestrado e Doutorado Profissionais (Prof), voltados prioritariamente para a capacitação de professoras e professores da educação básica com atuação nas redes públicas de ensino, são outros exemplos de iniciativas que poderiam ser exploradas neste eixo. Além disso, a concessão de licença total ou liberação parcial das atividades docentes, sem perda ou diminuição de salário, é uma condição fundamental para que os professores possam cursar e obter aproveitamento adequado nestes cursos.
O quinto eixo, que trata da valorização dos professores e das professoras, é talvez o que esteja produzindo mais polêmica entre os docentes. Isto porque o Ministério da Educação anunciou que a valorização dos professores seria realizada por meio de parcerias com outros ministérios e órgãos públicos, a exemplo de descontos em hotéis, eventos, anuidades de cartões e o estabelecimento de linhas de crédito. Nem uma única palavra sobre algumas demandas históricas da categoria, como, por exemplo, plano de cargos e salários, remuneração pela obtenção de títulos acadêmicos (Especialização, Mestrado e Doutorado) ou o pagamento obrigatório do piso nacional docente.
Como exemplificado, o Programa Mais Professores para o Brasil, apesar de promissor, apresenta diversos pontos que são bastante preocupantes e que podem gerar atritos entre o governo federal e uma das categorias profissionais que mais amplamente apoiou a sua eleição, que são os professores e as professoras. Por isso, considero fundamental que o Ministério da Educação reveja este programa, dialogando com a comunidade educacional, e que invista não apenas na formação e valorização profissional dos professores e professoras, mas também na melhoria da infraestrutura das escolas. O que demanda um planejamento estratégico que demanda mais do que os dois anos de previsão deste programa. Não podemos deixar que o Programa Mais Professores para o Brasil siga o mesmo roteiro que observamos anteriormente com o Programa Universidade para Todos – Prouni, isto é, repassar o dinheiro público direto, e com altas taxas de lucro, para o bolso das instituições privadas, fundações e institutos que, apesar do belo discurso, trabalham como inimigos da educação pública. Só assim será possível garantir uma educação de qualidade para todos os brasileiros.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
**Portal 247, https://www.brasil247.com/blog/mais-professores-nao-resolvera-os-problemas-da-educacao-brasileira#goog_rewarded, 17/02/2025