Migrar para Portugal ainda vale a pena? Veja onde estão as oportunidades
País tem dado prioridade a profissionais qualificados, investidores ou para quem topa morar no interior, longe da crise dos aluguéis em Lisboa
Por Gian Amato , Lisboa, UOL*
O governo de Portugal promove um freio de arrumação nas regras de imigração, mas mantém abertas oportunidades para brasileiros interessados em viver naquele país. A diferença é que os ventos agora sopram na direção dos profissionais mais qualificados e investidores, mas um ponto é decisivo para todos os que desejam permanecer em Portugal: planejamento.
O aumento do custo de vida na Europa aumenta o risco do chamado turista de imigração, que desembarca como visitante, com pouco dinheiro, e permanece ilegalmente sofrendo para conseguir moradia, trabalho, visto de residência e acesso a serviços públicos. Esse perfil é o alvo das mudanças nas regras de imigração em Portugal, mas o país segue precisando de mão de obra estrangeira e mantém vários canais para atrair os perfis que mais interessam à sua economia.
Segundo consultores ouvidos pelo GLOBO, quem consegue se estabelecer com mais rapidez e segurança em Portugal são empresários e profissionais, qualificados ou não, que se adaptam aos setores que mais contratam —como tecnologia e turismo —, estão dispostos a viver no interior e preparam-se para os prós (economia estável, qualidade de vida e segurança) e os contras (aluguel caro, gargalo na documentação de imigração e aumento da xenofobia).
Até setembro, os brasileiros com autorização de residência eram 400.759, um recorde. Só em 2022, 50 mil receberam. E ainda há 350 mil processos pendentes, a maioria de brasileiros em busca da primeira autorização ou da renovação.
Para escapar da burocracia, o casal de profissionais de tecnologia da informação Caroline Lima e Vinícius Almeida passou quatro anos planejando a troca do Brasil por Portugal neste ano. Contrataram cursos de imigração e consultorias para reposicionamento profissional e busca de imóvel. Deixaram São Paulo com visto de trabalho, apartamento no Porto e empregos garantidos.
— Somos imigrantes com bom senso. Organizamos a vida, quitamos dívidas. Uma consultora avaliou nosso perfil e ajudou nos currículos. Em quatro meses, recebi propostas e aceitei a de uma empresa que atende toda a Europa, com contrato sem prazo definido. É para ficar e construir carreira em Portugal — diz Caroline.
Com o acordo de reciprocidade e mobilidade entre o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) do Brasil e a Ordem de Engenheiros de Portugal, Uiliam Ribeiro conseguiu emprego no setor de construção. O engenheiro eletricista revela que o salário não é baixo, na contramão do que tem sido uma característica do mercado português: salários modestos.
— Vale a pena porque é um mercado totalmente diferente, novas experiências. O salário não é baixo, mas também não é o melhor do mundo. É uma bela porta de entrada, mas se não vier legalizado, o imigrante pode cair no subemprego — diz Ribeiro, que vive em Santarém, a uma hora de carro de Lisboa, que, em tempos de inflação alta, tem o aluguel mais caro da Europa.
Fim da era de aventuras
A dificuldade de achar imóveis e pagar por eles está por trás das dificuldades dos 228 brasileiros que já recorreram ao programa Árvore para regressar. Sem documentos, dinheiro e direitos básicos, muitos foram morar em barracas e na rua. Apesar de pequeno, o número de repatriados nessas condições indica que o tempo de “tentar a sorte” acabou.
— A aventura do turismo da imigração freou. Mudou a percepção das pessoas, que entenderam a necessidade de se estruturar — diz a carioca Patrícia Lemos, da consultoria de imigração Vou Mudar para Portugal, que també atua na área imobiliária.
Cláudia Pinheiro trabalha há cinco anos com profissionais em transição para Portugal. Para ela, começou agora a era do imigrante premium.
— São profissionais altamente qualificados, que vêm com boa colocação no mercado, remuneração competitiva, planejamento, reserva financeira e trabalho. E mesmo os não tão premium assim, e que integram a mão de obra operacional, conseguem ter uma vida melhor que no Brasil — diz.
A consultora recomenda um planejamento adequado à realidade portuguesa atual:
Estudar qual é o visto de residência adequado ao perfil, providenciar a documentação e verificar questões de apostilamento de documentos e diplomas. É crucial pesquisar mercado de trabalho e requisitos de sua profissão, cidades e custo de vida, incentivos ou ajuda de custo do governo. E o fundamental: planejamento financeiro, com uma boa reserva para os primeiros meses.
Entre os que chegaram este ano, muitos têm visto de nômades digitais, devido ao mercado de TI aquecido, e trabalham de Portugal para empresas europeias ou americanas. Segundo Cláudia, o D7 segue um visto muito procurado por quem tem capital e investe em algum negócio no país. Outro popular, criado em novembro de 2022, é o visto para procurar trabalho, já concedido para 15 mil estrangeiros. A maioria é de brasileiros, que têm de comprovar meios de subsídios (equivalentes a R$ 12 mil) ou encontrar algum residente em Portugal que assegure a permanência por um período.
É excelente para perfis de contratação mais ágil na indústria, comércio e gastronomia, onde a demanda de vagas é bem alta. Mas a maioria das pessoas não se prepara e muitos chegam sem saber bem onde ir. O processo deve começar ainda no Brasil, mapeando o mercado, entendendo os processos seletivos, quais as empresas alvo e que ações tomar — recomenda Cláudia.
Os brasileiros são a maior força de trabalho estrangeira em Portugal, os maiores contribuintes da Previdência e cerca de 50% dos franqueados em pequenos negócios. O país também atrai capital brasileiro, de grandes companhias como Embraer e CSN a investidores e empreendedores.
R$ 4,2 bi cruzam Atlântico
Aportes de brasileiros em empresas portuguesas geraram, em 2022 o equivalente a R$ 4,2 bilhões em negócios nas áreas de TI, serviços, atacado, indústria e imobiliário, criando quase mil empregos. Na contramão, os brasileiros enviaram mais de R$ 1 bilhão para o Brasil até setembro, 10% a mais que no ano passado. O recorde mensal de 2017 foi batido em março deste ano: € 25,6 milhões (R$ 133 milhões).
Mário de Andrade Neto, o “Mário Maluco”, é um desses investidores. Depois de se instalar em Cascais, abrirá uma segunda versão do seu restaurante Palaphita em Estoril, nos arredores de Lisboa.
— Estamos em crescimento. A estabilidade da economia me deu margem para apostar e abrir outro negócio sem incentivo do governo. O que pesa é o Imposto sobre Valor Acrescentado (similar ao IVA da Reforma Tributária no Brasil), de 23%. Então, tem que ter tudo muito bem calculado — diz ele, que levou o Palaphita da Lagoa, na Zona Sul do Rio, para Lisboa em plena pandemia e hoje o comanda com a mulher, Janaína Milward.
Diante da falta de mão de obra e da crise imobiliária, Mário trouxe funcionários do Brasil, mas perdeu alguns para o alto custo de vida em Cascais. O empresário Maurício Guitarrari também tem dificuldade de contratar em sua empresa Nucon, de logística, que recentemente cresceu com contratos de distribuição com gigantes como Amazon e Zara.
— Trouxe do Brasil um funcionário para ser gerente de gestão e logística. Paguei passagem e ajudei com visto e imóvel, porque aluguel é difícil. Antecipo para alguns funcionários um pacote de transição do Brasil para Portugal. Depois eles devolvem — diz.
Difícil achar casa
A inflação e a escassez de imóveis são os principais fatores contra o imigrante hoje em Portugal. Mesmo quem planejou sofre, como revela um consultor de gastronomia que pede anonimato. Ficou três anos estudando a mudança e, apesar de ter emprego, há um ano vive em um quarto em Lisboa sem conseguir trazer a família.
— Tenho trabalho e minha cidadania está saindo. O problema é o apartamento. Muito difícil. Eu passei três meses procurando e não encontrei, cansei. Vou dar um tempinho e depois eu recomeço, porque é muito complicado — disse.
*O Globo, https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/12/03/migrar-para-portugal-ainda-vale-a-pena-veja-onde-estao-as-oportunidades.ghtml, 03/12/2023