Os benefícios que aprender música traz às crianças

Além de divertir, aprender um instrumento alivia a timidez e ajuda a memória, dizem especialistas

DAMY COELHO | OESP*

Estamos nos preparando para entrevistar uma banda. Nada fora do habitual – não fosse o fato de seus integrantes, que tocam de Queen a Black Sabbath, terem no máximo 11 anos de idade.

Todos mostram o mesmo entusiasmo pela música. No estúdio de ensaios, Alice, de 9 anos, posa atrás da bateria, com as baquetas devidamente cruzadas em suas mãos, como se espera de uma rockstar. Pina, a vocalista, usa roupas coloridas e sua performance é inspirada nas divas pop. Na guitarra está Gabriel. Aos 10 anos, ele conta que se sentiu “muito realizado” quando aprendeu a tocar

Killing in the Name, do Rage Against The Machine. “E sou só uma criança!”, ele lembra, apesar da desenvoltura, melhor que a de muitos adultos.

Alice, Pina e Gabriel são alunos de uma escola de música voltada para crianças, na zona oeste de São Paulo. Com a evolução teórica na área musical, muitos pais perceberam que a atividade, quando praticada na infância, ajuda no desenvolvimento pessoal, alivia a timidez e potencializa a memória – além de ser uma opção extracurricular educativa e divertida.

Mas nem sempre o aprendizado musical foi visto com toda essa pompa, especialmente no caso de meninas. Até pouco tempo, aquelas que sonhavam em tocar um instrumento enfrentavam os mais diversos preconceitos. Por isso, olhar para a banda do início da reportagem dá um certo alívio: hoje, elas fazem coro – e tocam guitarra, bateria.

Alice e Pina Arrigoni são irmãs. Na hora de escolher o instrumento, Alice optou pela percussão – “adoro Black Sabbath e Rita Lee” –, enquanto Pina quis imitar a performance de suas cantoras favoritas, “como a Larissa Manoela”, acrescenta ela.

A música foi incentivada pelo pai, o empresário Rodrigo Arrigoni, que percebia uma pequena batucando tudo a sua volta e a outra, cantando pela casa. Vendo o talento e a vontade, decidiu matriculá-las no curso.

“O que mais gosto, ao tocar bateria, é de poder bater nas coisas sem ficar de castigo”, diz Alice. Além das vantagens cognitivas, a música aproxima esses pais e filhos. A empolgação das meninas com as aulas inspirou Rodrigo, que decidiu aprender guitarra para acompanhar as duas.

O mesmo aconteceu com o pai de Gabriel, Ricardo Riedo Coutinho, que resolveu tomar aulas de baixo após ver a evolução do filho. A escolha do instrumento foi estratégica. Enquanto ouviam juntos bandas como Guns N’ Roses e AC/DC, Ricardo notava o interesse de Gabriel pelo instrumento, mas também percebia a insegurança do filho.

“Eu achava legal guitarra”, conta Gabriel, “mas pensava que era melhor ‘deixar para os profissionais’. Foi meu pai que me incentivou a aprender”. Hoje, o cenário é outro: “O Gabriel já tira de ouvido as músicas que quer tocar”, conta Ricardo, orgulhoso. Para eles, a música é mais que um hobby, é também escape para a timidez. Subir no palco vira diversão: “Desde a adolescência, a música me ajuda. E agora está ajudando o Gabriel”, observa Ricardo.

QUANDO COMEÇAR. Tendo em vista as vantagens, é hora da parte prática: qual o melhor momento para iniciar o aprendizado musical? Para especialistas ouvidos pelo Estadão, quanto mais cedo, melhor. “A música ativa de forma única os dois hemisférios do cérebro. Quanto antes forem estimulados, mais se desenvolverão”, explica Sylvia Leticia Guida Lima, analista da Gerência de Cultura do Sesc.

A psicanalista Clarissa Sodano Ribeiro acrescenta que bebês já têm os sentidos aguçados por meio dos sons. Eles já produzem movimentos espontâneos em resposta à música, mas não apresentam regularidade e precisão – o que começa no segundo ano de vida, como aponta Margareth Darezzo, arte-educadora, escritora e professora de música.

Ela acrescenta que as brincadeiras de roda também servem de inspiração lúdica para as atividades com bebês.

O importante, para os especialistas, é que o ensino se apoie em metodologias consolidadas. Isso porque música também ensina noções de responsabilidade, memória, desperta as emoções e ajuda na cooperação entre o grupo.

Sobre a instrumentalização, os profissionais concordam que a atividade pode esperar um pouco mais – especialmente a partir dos 7 anos. “Nessa idade, a criança já apresenta uma melhora gradativa na sincronização motora”, aponta Margareth. Além disso, os pais devem ficar atentos para a anatomia das crianças e o tamanho dos instrumentos.

O professor titular da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos Kater alerta para métodos que prometem “milagres” no aprendizado, pois podem apressar um processo que exige paciência e repetição, não trazendo os resultados desejados – e, às vezes, até desestimulando os alunos. “As crianças merecem desenvolver essas habilidades com respeito, vivenciando a música.”

O músico e professor Robson Sidrim acrescenta que é preciso mostrar aos responsáveis que o aprendizado é um processo: “Exige continuidade e pode demorar um pouco”.

ESPAÇOS. Para pais que queiram investir em um curso, há instituições que oferecem ensino para crianças, como a School of Rock e o Sesc, com aulas voltadas para crianças a partir de 3 anos. O Instituto Baccarelli, na Cidade Nova Heliópolis, em São Paulo, oferece ensino musical para jovens vulneráveis. E o Projeto Guri, criado em 1995, atende crianças e adolescentes em 323 polos no Estado de São Paulo. O número de escolas com aulas voltadas para bebês também vem crescendo. Kater lembra que não é preciso um investimento alto para o aprendizado musical: garrafas d’água e canos de PVC podem tirar um som e colocar a criança em contato com ritmos.

Além dos “rockstars”, a lista de músicos mirins também inclui aqueles que se encontraram nos instrumentos eruditos. O mato-grossense Bento Aredes, de 11 anos, toca flauta na Orquestra Jovem do Sesc, em um projeto voltado para jovens socialmente vulneráveis. “O que eu mais gosto das aulas é ver minha evolução e o som que consigo fazer com o instrumento”, conta. Para esses alunos, o ensino de música vai além da diversão, e se torna oportunidade para o desenvolvimento social.

Bento já vê seu futuro na música: quer ser professor de choro. Apaixonado por MPB, tem em Luiz Gonzaga sua maior inspiração. “Se eu pudesse voltar ao passado, teria o maior prazer em tocar para o Gonzagão”, diz. Independentemente do instrumento, o importante é ter música como auxiliar no processo de aprendizagem, ajudando a despertar um olhar inicial para a arte e – por que não? – a realizar sonhos.

Gabriel, que hoje toca as músicas favoritas na guitarra, finaliza o papo com um conselho: “Se você quer muito, vai pra cima e tenta. Se não conseguir, tenta de novo!”. Um recado que vale para a música, mas também para qualquer sonho que habite a mente de uma criança. •

“O que mais gosto, ao tocar bateria, é de poder bater nas coisas sem ficar de castigo” – Alice Arrigoni Percussionista, 9 anos

“A música ativa os dois hemisférios do cérebro. Quanto antes forem estimulados, mais se desenvolverão” – Sylvia Letícia Lima Gerente musical do Sesc

“Nas aulas, gosto de ver minha evolução e o som que consigo fazer com o instrumento” – Bento Aredes De 11 anos, toca flauta na Orquestra Jovem do Sesc

“As crianças merecem desenvolver essas habilidades com respeito” – Carlos Kater Professor

*Estado de São Paulo, https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo, 26/04/2024, p.11

Categorias: Música

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