Portal G1, https://g1.globo.com/educacao/noticia/2022/03/06/passei-em-medicina-sendo-preta-pobre-e-de-escola-publica-video-mostra-reacao-de-jovem-ao-descobrir-que-foi-aprovada-na-ufrj.ghtml, 06,03/2022
‘Passei em medicina sendo preta, pobre e de escola pública’: VÍDEO mostra reação de jovem ao descobrir que foi aprovada na UFRJ
Mayara Cardoso, de 22 anos, inscreveu-se no Sisu em uma das modalidades de cotas. Ela estava pleiteando uma vaga no ensino superior desde 2018.
Por Luiza Tenente, g1
Aprovada em medicina na UFRJ grava a própria reação ao ver o resultado do Sisu
Em Belo Horizonte, no quarto de Mayara Cardoso, de 22 anos, uma frase de seu filme favorito, “Alice no País das Maravilhas”, está escrita na parede:
“A única forma de alcançar o impossível é acreditar que é possível”.
É uma citação escolhida por representar a perseverança. A jovem, recém-aprovada em medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tentava entrar no ensino superior desde 2018.
“Sou preta, pobre e vinda de escola pública. As pessoas me perguntam por que escolhi a medicina, e eu respondo: por que não escolher a medicina?”, diz.
“Por muito tempo, gente como eu não teve essa possibilidade de querer coisas boas para si. Essa vitória é uma conquista do meu povo, que venceu a escravidão.”
Mayara foi uma das aprovadas (veja vídeo acima) no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) 2022, na modalidade de cotas para autodeclarados pretos, pardos ou indígenas que sejam ex-alunos da rede pública e que tenham renda familiar per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo.
“A política de cotas é uma forma de compensar o racismo estrutural que afasta pessoas como eu desse curso, majoritariamente branco. É por isso que quero ser uma luz para outras meninas pretas –desejo que elas terminem o ensino médio, olhem para mim e falem: ‘vou ser aquela médica’”, afirma Mayara.
Depois de três anos estudando para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – lidando com ansiedade, problemas financeiros, mortes na família e medos na pandemia –, finalmente parecia ter chegado a hora de a jovem ver seu nome na lista de aprovados da UFRJ. A última nota de corte divulgada no Sisu 2022 indicava que as chances de “passar” eram significativas.
“Eu só ia acreditar quando saísse o resultado. Por isso, quis filmar minha reação”, conta. “Foi aquela festa: é um sonho se realizando.”
No vídeo-selfie (no início da reportagem), Mayara aparece ao lado da irmã, Maria Clara, e da cachorrinha da família, Blue. Na legenda, o grito de alívio: “Mãe, sou medicina na UFRJ!”.
É claro que o post viralizou nas redes sociais.
Da privação total de redes sociais ao modo mais ‘relax’ de estudo
Mayara tinha uma imagem do candidato que costuma ser aprovado em medicina: aquele jovem que passa mais de 7 horas por dia estudando sem parar.
E foi isso que ela tentou reproduzir em 2018, no seu primeiro ano de estudos para o Enem. A família conseguiu se organizar financeiramente para pagar um cursinho pré-vestibular barato, que prestasse um apoio pedagógico à aluna.
“Eu me esforcei muito: parei de trabalhar e larguei as redes sociais. Só falava com os meus amigos por e-mail. Foi extremamente pesado. No fim do ano, estava completamente exausta, só chorava”, relata.
No segundo dia do Enem 2018, a avó de Mayara faleceu. “Fui fazer o exame desolada. Tirei uma nota baixíssima, mas aprendi que não adianta querer ter controle da realidade.”
No ano seguinte, mais uma tentativa – dessa vez, estudando em casa, para os “pais não se apertarem financeiramente de novo”.
“Tentei fazer mais pausas e praticar exercícios físicos. Mas, de novo, no fim do ano, comecei a ter crises de ansiedade e a ficar muito depressiva. Decidi que, em 2020, continuaria estudando, mas com acompanhamento psicológico.”
O que ela não esperava, obviamente, era enfrentar uma pandemia.
“Passei uma semana deitada na cama. Não via mais objetivo em acordar e estudar, enquanto as pessoas estavam morrendo”, afirma.
Mayara encontrou o “tom” em 2021: conciliou os estudos com terapia, exercícios físicos e boas noites de sono.
“Pela primeira vez, fui fazer a prova sem chorar, sem estar ansiosa. E o resultado valeu a pena. Tirei 980 na redação”, relata.
Mudança para o Rio de Janeiro
O desafio de Mayara agora é levantar fundos para se mudar de Belo Horizonte para Macaé, perto do campus da UFRJ.
Ela já lançou uma vaquinha on-line para pagar uma passagem de ônibus ou de avião, e decidiu que pedirá auxílio estudantil na instituição de ensino.
“Meus pais não estão acreditando ainda. Eles têm uma filha [estudando] na federal!”