Entrevista por escrito para uma jornalista de um grande jornal sobre as Pós-Graduações e remuneração.

Como o que respondi não era o que se esperava, o artigo publicado utilizou duas frases apenas das respostas que enviei. Por isso decidi publicar minhas respostas na página do nace.

1) Pesquisas com profissionais e ex-alunos relacionam diretamente a pós-graduação a um aumento de salário.

– Qual a sua avaliação sobre essa correlação? Afinal, nem sempre uma pós-graduação no currículo é garantia de sucesso profissional nem de retorno financeiro, certo?

Silvio Bock – A lógica do mercado de trabalho nem sempre corresponde as reais necessidades para o desempenho das funções oferecidos pelas empresas empregadoras. Os fatores de seleção podem ser alterados de acordo com a relação entre a oferta de empregos e trabalhos e a procura de trabalhadores. Quando a economia vive um estágio de crescimento, pode acontecer, devido a falta de mão de obra, um rebaixamento de requisitos para acesso aos cargos. Infelizmente não é isso que vem ocorrendo já há algum tempo. Ao contrário, em um tempo de mercado saturado há um aumento de requisitos para os mesmos cargos que antes não apresentavam tais exigências, e aí entra o papel dos cursos de pós-graduação.

A partir das políticas educacionais que estimulam o acesso e a manutenção de um maior número de brasileiros nas graduações universitárias, a oferta de cursos de pós-graduação, principalmente de lato sensu, crescem de importância de forma exponencial, principalmente na rede privada de ensino superior.

Trabalhando com jovens do ensino médio em orientação profissional, venho percebendo cada vez mais a preocupação deles em relação aos cursos de pós que farão após a conclusão da graduação (isto antes de escolherem a profissão e o curso que farão na graduação). Tal fato demonstra que eles já sabem que o mercado não mais considera suficiente uma formação em nível de bacharelado para conquistarem empregos.

 

2) Qual o perigo em escolher uma pós-graduação com esse objetivo? Perder tempo – e dinheiro – em um curso que vai agregar pouca coisa em sua carreira?

Silvio Bock – O perigo é jogar tempo e dinheiro fora (rsrsrsrs).
Vou contar uma historinha que ocorreu comigo. Eu trabalhava na área de treinamento de uma grande empresa que tinha um plano de cargos e salários definido. Depois de uns dois anos de trabalho, sempre bem avaliado, conseguindo crescer nas letras do plano salarial fui chamado pela minha chefe que me disse que não poderia mais indicar avanços na minha carreira dentro da empresa pois eu não havia participado de nenhum curso extra empresa. Ela me disse que a empresa pagaria um curso para mim e me dispensaria do trabalho para tal fim. Fiz o curso indicado, a chefe pode então continuar a recomendar avanços na carreira para mim, mas afirmo que o que aprendi nele não serviu para nada e nunca apliquei o ensinado no meu trabalho.

Na época, a empresa avaliava se eu estaria investindo em minha carreira e se eu estava focado na área que trabalhava, por meio dos cursos e congressos que participava.

Acredito que fazer uma Pós, sirva muito mais para isso: indicar para quem emprega ou contrata ou vai contratar o interesse e o foco na área de trabalho da pessoa. Assim, mesmo que o curso não sirva para nada, ele estaria cumprindo esta função de demonstrar interesse e foco.

Portanto, não é universal de que uma pós-graduação garanta bons postos de trabalho e salários elevados, mas é do espirito do tempo de que ter uma pós-graduação se faz necessário para que o currículo da pessoa, no mínimo, seja analisado quando da procura de um emprego.

As pós-graduações tem uma outra função ainda que é de propiciar mudanças de área de trabalho e até de profissões, isso quando a profissão não é regulamentada.

3) O que deve ser analisado na escolha de um bom curso?

Silvio Bock – A primeira coisa a verificar é se a instituição está devidamente habilitada e autorizada a ofertar o curso.

O prestigio da instituição que oferece o curso é importante. Exagerando, uma pós em Harvard vale mais do que quaisquer pós no Brasil.

A titularidade dos professores também deve ser analisada assim como a experiência dos docentes na área que o curso foca.

Os testemunhos dos egressos também são uma forma de conhecer a qualidade dos cursos.

4) Que soft skills o aluno deve buscar em uma pós para aumentar a chance de alcançar cargos melhores e obter um bom retorno financeiro? Colaboração? Orientação para resultados? Flexibilidade? Raciocínio lógico? Comunicação assertiva?

Silvio Bock – No período compreendido entre 1970 e 1985 o Sesi em parceria com o Jornal o Globo promoviam um concurso denominado “Operário Padrão”, que seria o trabalhador modelo exemplar a ser seguido por todos os trabalhadores.

Segundo DANIELA DE CAMPOS (2014), em sua tese de doutorado “A Campanha Operário Padrão: como tornar-se um modelo de trabalhador (1970-1985)”, as virtudes do operário padrão poderiam ser definidas a partir dos currículos dos candidatos enviados para o concurso, aliás currículos burilados por funcionários graduados das empresas participantes do concurso.

“É verdadeiramente impressionante a multiplicidade de méritos e virtudes, citadas e ressaltadas nos currículos dos operários padrão. ….: perseverança e constância nas dificuldades, em altos e baixos; exatidão em tarefas de precisão; compenetração e segurança em operações perigosas, entusiasmo mesmo no treinamento de estagiários; capacidade para decisões; tranquilidade em situações de aprêmio [sic]; criatividade em ideias novas e soluções; amizade, trato cordial e alegre; cuidado na prevenção de acidentes; pontualidade sem falhas; espírito pacificador e conciliador; zelo pela conservação de materiais;, amor à vida; respeito às normas; espírito aberto à evolução; prontidão para emergências ou empreitadas difíceis; coragem ante perigos; equilíbrio emocional; versatilidade, ou seja, capacidade para o exercício de várias funções; vontade de aprender aperfeiçoar-se; dotes de liderança; solicitude para com necessitados; honestidade nas atitudes; espírito de poupança; civismo; prudência e humildade; religiosidade esclarecida e atuante.” (Campos, 2014, pag. 76)

 

Um artigo publicado no site da FIA (2019) elenca os 10 principais ¨soft skills” requisitados pelo mercado.

  1. Comunicação

2. Liderança

3. Flexibilidade e resiliência

4. Trabalho em equipe

5. Criatividade

6. Proatividade

7. Empatia

8. Ética no trabalho

9. Pensamento crítico

10. Atitude positiva

 

Se compararmos as “virtudes” com as soft skills de hoje verificaremos grandes congruências:

“Virtudes” “Softs-kills”
perseverança e constância nas dificuldades Resiliência
criatividade em ideias novas e soluções Pensamento criativo
Amizade, trato cordial e alegre Empatia
espírito pacificador e conciliador

Atitude positiva

espírito comunicativo Comunicação eficaz
equilíbrio emocional Liderança
dotes de liderança Liderança
Versatilidade, ou seja, capacidade para o exercício de várias funções
espírito aberto à evolução
Flexibilidade
honestidade nas atitudes Ética no trabalho
prontidão para emergências ou empreitadas difíceis

Proatividade

 

Como é fácil verificar há grande congruência entre as virtudes de um “bom operário” das décadas de 70 e 80 e de um “bom” trabalhador do século XXI. Os temos são atualizados, mas seus sentidos são bastantes próximos.

Um bom trabalhador é aquele que além do conhecimento técnico deve ter comportamentos e atitudes adequadas no ambiente de trabalho, para que a produção, qualquer que seja, não seja afetada pelos “humores” de quem carrega os hard-skills. Afinal, máquinas, computadores, algoritmos não precisam aprender nada em termos de comportamentos enquanto executam suas funções.

Agora os soft-skills serão ensinados nas escolas. A reformulação do ensino médio prevê como um de seus objetivos o desenvolvimento de competências socioemocionais que nada mais são do que os comportamentos e atitudes que os trabalhadores deverão apresentar como competências quando forem procurar trabalho.

 

 

Campos, Daniela de – A CAMPANHA OPERÁRIO PADRÃO: COMO TORNAR-SE UM MODELO DE TRABALHADOR (1970-1985), 2014, disponível em http://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/tede/2495/1/457185.pdf,  acessado em 10/01/2020

FIA, 2019 – Soft Skills: O que são, Tipos Principais e Como Desenvolver, 30/04/2019, disponível em https://fia.com.br/blog/soft-skills/, acessado em 10/01/2020

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