Procuram-se gigantes
Projetos como o da pivô Kamilla, 2,01m, buscam jovens super altos. Nem é preciso saber jogar
LEONARDO CATTO | OESP*
Kamilla, de 2m01: começou aos 15 e hoje está na WNBA
A Confederação Brasileira de Basquete (CBB) quer recrutar jovens com potencial de serem novos prodígios do esporte. Projetos permanentes vão receber inscrições de meninos e meninas altos e que ainda não treinam, com objetivo de introduzi-los nas quadras. Os patronos são os atletas Bruno Caboclo e Kamilla Cardoso, ambos com mais de dois metros de altura e integrantes da seleção brasileira. Outros países já desenvolveram ações semelhantes e tiveram bons resultados.
O Brasil espera encontrar o seu Joel Embiid ou um Nikola Jokic, dois astros da NBA atual que começaram tarde no basquete, aos 15 anos.
Os próprios patronos do projeto brasileiro tiveram um início tardio. A pivô Kamilla Cardoso, de 23 anos e 2m01, draftada pelo Chicago Sky, da WNBA, há pouco tempo, começou a carreira já no high school americano, aos 15 anos. Caboclo, hoje com 28 e 2,06m, fez suas primeiras cestas 11 anos atrás, no Pinheiros. Joga no Partizan, da Sérvia.
O Projeto Caboclo é voltado para garotos de 1,82m a 2m. O Projeto Kamilla busca meninas a partir de 1,77m até 1,95m. Nos dois casos, as idades, entre 12 e 16 anos, são correspondentes a uma altura específica.
“A primeira frente de execução foi estabelecer características. O adicional é pegar esses atletas altos, atléticos, com potencial, mas que não jogam ainda, não fazem parte do ecossistema, ou até não tenham contato, e facilitar a entrada em organizações que ensinam basquete”, explica o diretor das seleções masculinas da CBB, Victor Mansure.
Segundo o dirigente, não vai haver prazo final para inscrições. A ideia é que a iniciativa seja permanente. Os inscritos passam por avaliações individuais. Até o começo desta semana, cerca de 400 jovens haviam se cadastrado.
APOIO DAS REDES. Para chegar ao público dessa faixa etária, a CBB apostou no uso das redes sociais. Além de conteúdos institucionais, as páginas da confederação também compartilham curiosidades, falas dos atletas das seleções masculina e feminina e chamadas para os projetos, diz o gerente de comunicação da CBB, Thierry Gozzer: “A garotada hoje está na internet. No Tik Tok, no X, no Instagram. São nesses canais digitais que precisamos fisgá-los. Foi pensando assim que ativamos a primeira fase da campanha”.
Mas os projetos não ficarão restritos à busca online. “Queremos levar para os ginásios onde o Brasil jogar no País. Mais tarde, para escolas públicas, com visita de atletas da seleção, comissões técnicas. E, hoje, ninguém na seleção representa melhor o biotipo de atletas que buscamos do que o Caboclo e a Kamilla”, explica Gozzer. Ele reitera que o programa é “nichado” e com a especificidade de jovens altos, por serem os mais facilmente descobertos pelo basquete.
“Vamos recebendo inscrições, avaliar caso a caso e viabilizar um lugar para o candidato praticar o basquete”, coloca Mansure, que conclui: “Se você consegue ter uma gama de atletas que seguiram, dá para fazer um mapeamento e treinamento desse grupo. Aprender a competir e, depois, a competir para ganhar”.
O dirigente cita França, Argentina e Canadá como países que já tiveram iniciativas semelhantes. Os hermanos não vivem a melhor fase, mas foram campeões olímpicos em Atenas-2004 no masculino. Mais recentemente, vieram o bicampeonato Pan-Americano (2019 e 2023) e o título da Copa América 2022.
“Nós não somos os primeiros”, diz Mansure. “Para jogar a nível internacional, o jogo está muito físico. Se não começar por essa parte, estamos saindo atrás. Bruno e Kamilla são exemplos de atletas dominantes, começando pelo poderio físico”, pondera.
ESPELHOS. Ainda que os projetos da CBB levem os nomes de atletas brasileiros, há dois exemplos de sucesso de estrangeiros que começaram a praticar o basquete tardiamente: o norte-americano Joel Embiid e o sérvio Nikola Jokic, ambos somam 4 prêmios de MVP da NBA.
Nascido em Camarões, Embiid tinha preferência por futebol e vôlei. Somente aos 15 anos o basquete entrou na vida dele. O treinador, na época, entregou-lhe um vídeo com lances de Hakeem Olajuwon, duas vezes campeão da NBA. As jogadas e a história do jogador nascido na Nigéria e campeão olímpico com os EUA em Atlanta inspiraram Embiid. Aos 30 anos e com 2m13, hoje é ele que faz parte do Dream Team de basquete e atua no Philadelphia 76ers desde 2014.
A história de Jokic é diferente. O astro do Denver Nuggets começou incentivado pelo pai, aos 10 anos, mas largou a bola laranja. Queria ser um jóquei e chegou até a limpar celeiros após treinos. Aos 15 anos, porém, Jokic decidiu dar nova chance ao basquete, inspirado por vídeos de Magic Johnson no YouTube.
Dois anos depois de retomar os treinos, o pivô estreou pelo Mega Basket, da Sérvia. Mesmo alto (hoje, aos 29, ele tem 2,11m), era fraco e precisou passar por programa de fortalecimento. Quando foi contratado pelos Nuggets, em 2015, Jokic novamente adaptou-se, mas no sentido de melhorar a alimentação e abdicar do refrigerante para emagrecer. E teve acompanhamento e incentivo, algo que o projeto brasileiro se propõe a dar aos talentos que vier a descobrir.l
Duelo na Olimpíada Embiid e Jokic vão se enfrentar em Paris, pois EUA e Sérvia estão no mesmo grupo nos Jogos
*Estado de São Paulo, https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo, pag A 24, 21/07/2024