Portal Uol, https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2022/03/30/psicologos-tambem-devem-fazer-terapia.htm, 30/03/2022

Psicólogos também devem fazer terapia; saiba por que e como funciona

Flávia Santucci Colaboração para o VivaBem

No primeiro ano da pandemia, a busca por atendimento de saúde mental aumentou. Mas quem cuida da mente dos pacientes também precisa de alguém para cuidar da sua, e é por isso que muitos profissionais também recorrem às terapias. O fato não é novo e nada tem a ver com a pandemia. Psicólogos sempre precisaram de psicólogos para lidar com os próprios sentimentos.

“O psicólogo cuida de pessoas, mas também precisa de cuidado”, diz Andréa Ferrari Carvalho de Agrela, psicóloga da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo. Segundo ela, a prática é tão comum entre os profissionais que é recomendada desde a graduação. “Durante a formação, os futuros psicólogos já são orientados a iniciar a psicoterapia como um processo de autoconhecimento”, afirma.

O psicólogo é um indivíduo que possui suas necessidades como qualquer outro ser humano e, como tal, apresenta seus desafios e questões emocionais, neste sentido torna-se vital o cuidado com a saúde mental, de acordo com Agrela.

Psicólogos precisam estar bem emocionalmente para poder tratar outras pessoas. “Devemos estar bem com as nossas dores para atender e ouvir sem julgamentos. Mais do que isso, estarmos melhores emocionalmente que o paciente, para não ocorrer transferência negativa das queixas”, diz o psicanalista Gregor Osipoff.

A terapia também ajuda os profissionais a evitar misturar a vida pessoal com a do paciente, segundo Luiz Gonzaga Leite, coordenador do Departamento de Psicologia do Hospital Santa Paula, em São Paulo. “O profissional precisa ter uma estrutura bem legal para não misturar ou confundir as situações que ocorrem em sua vida com ocasiões similares trazidas até ele pelos pacientes”, diz.

Por esses motivos, além de a análise pessoal ser obrigatória desde o início da graduação, o ideal é que ela seja feita sempre. “Isso faz parte do tripé do psicanalista, que é a formação em psicanálise, análise pessoal e supervisão. A análise pessoal é muito importante. É onde o profissional vai entendendo o manejo da clínica e, ao mesmo tempo, vai olhando para suas questões pessoais”.

Não existe autocura

Outro ponto importante para um acompanhamento profissional é que não existe autocura e, necessariamente, o psicólogo ou psicanalista precisará de ajuda para tratar suas questões pessoais.

“Cada profissional tem de ter um olhar para suas próprias questões, dores, angústias, ansiedades. Não existe autoanálise, autocura, como se ele conhecesse a teoria e aplicasse em si. Cada ser humano é único e não pode ser enquadrado, mas sim tratado para seguir a vida com conforto e dentro de uma perspectiva de seus desejos”.
Gregor Osipoff, psicanalista.

Gonzaga Leite destaca que o profissional possui fragilidades e dificuldades normais do ser humano e que, obviamente, também precisam ser tratadas. “As pessoas possuem a fantasia de que o psicólogo é um ser resolvido, por exemplo, que ele tem a melhor sexualidade do mundo, casamento maravilhoso, filhos estupendos, mas nem sempre é assim. Muitas vezes o psicólogo recebe um paciente que traz uma vivência ou situação bem parecida com a dele, algo que não foi possível alcançar uma resolução até aquele momento, e o profissional de psicologia precisa saber lidar com isso para não misturar as coisas”.

Psicólogos não têm melhor entendimento de tudo

Engana-se quem pensa que, por saber da teoria, o profissional de psicologia não precisa da prática. Apesar do atendimento entre profissionais ter uma dinâmica um pouco diferente, não quer dizer que o psicólogo, como paciente, assimile melhor o que lhe é passado.

Muitas vezes, os anos de análise vão passando e o profissional pode enxergar alguma coisa em si que não havia percebido e agora isso faz toda a diferença em sua vida, assim como qualquer paciente. “O tempo passa e as questões pessoais também evoluem para outros lugares, para outras demandas. A vida não é estática. Mesmo que não queiramos entrar em contato com coisas do passado, elas emergem aos poucos e, com isso associado à vida cotidiana, pode levar a outras formas de olhar a mesma questão”, destaca Gregor Osipoff.

Quem cuida do psicólogo?

Andrea Agrela explica que psicólogos têm a liberdade de escolher o profissional que realizará a psicoterapia. Segundo ela, geralmente eles optam por fazer o acompanhamento com alguém que siga a mesma abordagem teórica norteadora de seu trabalho. “Mas por uma questão de afinidade, não é uma regra”, diz.

Casos clínicos, em hipótese alguma, são discutidos nas sessões de terapia do psicólogo com o psicólogo dele. O profissional segue um código de ética que prevê o sigilo das informações relatadas e trabalhadas durante os atendimentos.

Conselhos sobre tratamentos e condutas, de acordo com os especialistas, não são o foco da psicoterapia pessoal. Esses assuntos são tratados em supervisão, que, justamente, têm essa finalidade.

Diferente da psicoterapia pessoal, a supervisão serve justamente para discutir casos a partir de um sigilo profissional que deve ser respeitado. “Quando um psicólogo vai discutir um caso de um paciente seu com o supervisor, todos os assuntos são tratados, mas se preserva a identidade”, diz Leite.

Fala-se sobre o caso, os acontecimentos, as fragilidades, sobre tudo o que aconteceu com o paciente, preservando-se o nome dele. O supervisor fornece orientações, mas ele não sabe exatamente quem é o paciente, não tem uma foto dele e não tem acesso à sua identidade de fato.

Leite destaca que cada psicólogo tem o seu supervisor. “Às vezes é um professor, um colega, alguém com mais experiência e essa escolha é feita pelo próprio psicólogo, não é determinado pelo conselho regional ou qualquer outra entidade. Geralmente é alguém que ele tenha afinidade, admiração e vai auxiliá-lo nos casos em que ele está atendendo”, explica.

Categorias: Psicologia

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