Quais são os trabalhadores que correm mais risco de perder o emprego para a IA
Avanços tecnológicos afetava as ocupações de ‘colarinho azul’, mas agora os trabalhadores de colarinho branco podem sentir o impacto das mudanças
Por Claire Caim Miller e Courtney Cox | OESP*
THE NEW YORK TIMES – Os trabalhadores americanos que viram suas carreiras serem interrompidas pela automação nas últimas décadas foram, em sua maioria, menos educados, especialmente os homens na manufatura.
Mas o novo tipo de automação — sistemas de inteligência artificial (IA) chamados de grandes modelos de linguagem (LLM, na sigla em inglês), como o ChatGPT e o Bard do Google — está mudando isso. Essas ferramentas podem processar e sintetizar informações rapidamente e gerar novo conteúdo.
Os trabalhos mais expostos à automação agora são os de escritório, aqueles que exigem mais habilidades cognitivas, criatividade e níveis elevados de educação. É mais provável que os trabalhadores afetados sejam bem remunerados e há uma ligeira tendência para serem mulheres, de acordo com várias pesquisas.
“Isso surpreendeu a maioria das pessoas, inclusive a mim”, disse Erik Brynjolfsson, professor do Stanford Institute for Human-Centered AI, nos EUA, que havia previsto que a criatividade e as habilidades tecnológicas protegeriam as pessoas dos efeitos da automação. “Sendo honesto, tínhamos uma hierarquia do que a tecnologia poderia fazer, e nos sentíamos confortáveis dizendo que coisas como trabalho criativo, trabalho profissional e inteligência emocional seriam difíceis para as máquinas fazerem. Agora isso foi revirado.”
Novas pesquisas analisaram as tarefas dos trabalhadores americanos usando uma base de dados do Departamento de Trabalho dos EUA e hipotetizaram quais deles os grandes modelos de linguagem poderiam fazer. Descobriu-se que esses modelos poderiam ajudar significativamente com tarefas em um quinto a um quarto das ocupações.
Em uma maioria dos trabalhos, os modelos poderiam fazer algumas das tarefas, de acordo com as análises, incluindo aquelas do Pew Research Center e Goldman Sachs.
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Empregos certamente vão desaparecer, sem dúvidas Sam Altman, presidente executivo e fundador da OpenAI
Por enquanto, os modelos ainda produzem informações incorretas de vez em quando, e são mais propensos a servir de auxílio aos trabalhadores do que a substituí-los, disseram Pamela Mishkin e Tyna Eloundou, pesquisadoras da OpenAI, empresa e laboratório de pesquisa por trás do ChatGPT. Elas realizaram um estudo semelhante, analisando as 19.265 tarefas realizadas em 923 ocupações, e descobriram que os grandes modelos de linguagem poderiam realizar algumas das tarefas que 80% dos trabalhadores americanos fazem.
No entanto, elas também encontraram razões para alguns trabalhadores temerem que os grandes modelos de linguagem pudessem substituí-los, em linha com o que Sam Altman, CEO da OpenAI, disse à revista The Atlantic no mês passado: “Empregos certamente vão desaparecer, sem dúvidas.”
Impacto da IA no trabalho
As pesquisadoras pediram a um modelo avançado do ChatGPT para analisar os dados do mercado de trabalho e determinar quais tarefas os grandes modelos de linguagem poderiam realizar. Ele descobriu que 86 empregos estavam totalmente expostos (o que significa que todas as tarefas poderiam ser assistidas pela ferramenta). Os pesquisadores humanos disseram que 15 empregos estavam. O emprego que tanto os humanos quanto a IA concordaram como o mais exposto foi o de matemático.
Apenas 4% dos empregos não tinham tarefas que poderiam ser assistidas pela tecnologia, segundo a análise. Eles incluíam atletas, lavadores de pratos e aqueles que auxiliavam carpinteiros, telhadores ou pintores. No entanto, até os trabalhadores desses ofícios poderiam usar a IA para partes de seus trabalhos, como agendamento, atendimento ao cliente e otimização de rotas, disse Mike Bidwell, CEO da Neighborly, uma empresa de serviços domésticos.
Embora a OpenAI tenha um interesse comercial em promover sua tecnologia como uma benção para os trabalhadores, outros pesquisadores afirmam que ainda existem capacidades humanas únicas que ainda não podem ser automatizadas – como habilidades sociais, trabalho em equipe, cuidados e as habilidades dos trabalhadores manuais. “Não vamos ficar sem coisas para os humanos fazerem tão cedo”, disse Brynjolfsson. “Mas as coisas são diferentes: aprender a fazer as perguntas certas, realmente interagir com as pessoas, trabalho físico que requer destreza.”
Por enquanto, os grandes modelos de linguagem provavelmente ajudarão muitos trabalhadores a serem mais produtivos em seus trabalhos atuais, dizem os pesquisadores, como se estivessem dando a trabalhadores de escritório, mesmo os de nível inicial, um chefe de gabinete ou um assistente de pesquisa (embora isso possa sinalizar problemas para assistentes humanos).
Exposição à IA pode não ser ruim
“Existe um equívoco de que a exposição é necessariamente algo ruim”, disse Mishkin. Após ler descrições de todas as ocupações para o estudo, ela e seus colegas aprenderam “uma lição importante”, disse ela: “Não há como um modelo fazer tudo isso.”
Os grandes modelos de linguagem poderiam ajudar a redigir legislação, por exemplo, mas não poderiam aprovar leis. Eles poderiam atuar como terapeutas — as pessoas poderiam compartilhar seus pensamentos, e os modelos poderiam responder com ideias baseadas em regimes comprovados —, mas eles não têm empatia humana ou a capacidade de ler diferentes situações.
A versão do ChatGPT aberta ao público tem riscos para os trabalhadores e, frequentemente, comete erros, pode refletir vieses humanos e não é segura o suficiente para que empresas confiem com informações confidenciais. Empresas que a utilizam contornam esses obstáculos com ferramentas que aproveitam sua tecnologia em um chamado domínio fechado — o que significa que treinam o modelo apenas em determinados conteúdos e mantêm todas as entradas privadas.
O banco Morgan Stanley usa uma versão do modelo da OpenAI feita para o seu negócio que foi alimentada com cerca de 100 mil documentos internos, mais de um milhão de páginas. Assessores financeiros a utilizam para ajudá-los a encontrar informações para responder perguntas dos clientes rapidamente, como se devem investir em uma determinada empresa. (Anteriormente, isso exigia encontrar e ler vários relatórios).
Isso dá aos assessores mais tempo para conversar com os clientes, disse Jeff McMillan, que lidera análise de dados e gestão de patrimônio na empresa. A ferramenta não sabe sobre clientes individuais e qualquer toque humano que possa ser necessário, como se eles estão passando por um divórcio ou doença.
A Aquent Talent, empresa de recrutamento, está usando uma versão empresarial do Bard. Geralmente, seres humanos leem os currículos e portfólios dos trabalhadores para encontrar uma correspondência para uma vaga de emprego; a ferramenta pode fazer isso muito mais eficientemente. Seu trabalho ainda requer uma auditoria humana, no entanto, especialmente na contratação, porque os vieses humanos estão incorporados, disse Rohshann Pilla, presidente da Aquent Talent.
Harvey, financiada pela OpenAI, é uma startup que vende uma ferramenta assim para escritórios de advocacia. Sócios seniores a utilizam para estratégia, como elaborar 10 perguntas para fazer em um depoimento ou resumir como a empresa negociou acordos similares.
“Não é, ‘Aqui está o conselho que eu daria a um cliente’”, disse Winston Weinberg, cofundador da Harvey. “É, ‘Como posso filtrar essa informação rapidamente para que eu possa chegar ao nível de aconselhamento?’ Você ainda precisa do tomador de decisão.”
Ele diz que é especialmente útil para paralegais ou associados. Eles a usam para aprender (fazendo perguntas como: Para que serve este tipo de contrato e por que foi escrito assim?) ou para escrever rascunhos iniciais, como resumir um demonstrativo financeiro.
“Agora, de repente, eles têm um assistente”, disse ele. “As pessoas poderão realizar trabalhos em um nível mais alto mais rapidamente em suas carreiras.”
Inteligência artificial fecha as lacunas entre trabalhadores iniciantes e superestrelas Robert Seamans, da Stern School of Business da NYU
Outras pessoas que estudam como os locais de trabalho utilizam modelos de linguagem grande encontraram um padrão semelhante: Eles ajudam mais os empregados juniores. Um estudo sobre agentes de atendimento ao cliente feito por Brynjolfsson e colegas descobriu que o uso de IA aumentou a produtividade em 14% no geral e 35% para os trabalhadores menos qualificados, que aceleraram a curva de aprendizado com sua assistência.
“Isso fecha as lacunas entre trabalhadores iniciantes e superestrelas”, disse Robert Seamans da Stern School of Business da Universidade de Nova York, que coescreveu um artigo concluindo que as ocupações mais expostas a modelos de linguagem grande eram telemarketing e certos professores.
Minha esperança é que realmente permita que pessoas com menos educação formal façam mais coisas. David Autor, economista do trabalho no MIT
A última onda de automação, afetando empregos de manufatura, aumentou a desigualdade de renda ao privar trabalhadores sem formação superior de empregos bem remunerados, mostraram pesquisas.
Alguns estudiosos dizem que modelos de linguagem grande podem fazer o oposto — diminuindo a desigualdade entre os trabalhadores mais bem pagos e todos os outros.
“Minha esperança é que realmente permita que pessoas com menos educação formal façam mais coisas”, disse David Autor, economista do trabalho no MIT, “ao reduzir barreiras de entrada para empregos mais elitizados que são bem remunerados.” / TRADUÇÃO POR ALICE LABATE
*Estado de São Paulo, https://www.estadao.com.br/link/cultura-digital/ia-coloca-em-risco-os-empregos-de-escritorio-depois-de-impacto-da-automacao-nas-fabricas/, 25/08/2023