TERRA EDUCAÇÃO – 16/04/2019 – SÃO PAULO, SP

A geração digital muda cursos de economia e bolsa

ALEX GOMES 

Flutuações do câmbio, rentabilidade, liquidez, day trade, commodities. Se até há pouco termos como esses compunham o vocabulário apenas dos profissionais do mercado financeiro, hoje eles fazem parte do repertório de muita gente e são debatidos no transporte público, em happy hour ou nos almoços dominicais em família. Essa `popularização` é resultado principalmente da proliferação das plataformas digitais – em um clique, qualquer pessoa consegue colocar algumas economias no mercado de ações.

Se por um lado a tecnologia instiga o surgimento do `investidor amador`, por outro traz um desafio aos cursos formadores de quadros para a área, como Economia e Contabilidade. Ao atenderem a uma demanda crescente de estudantes que já fizeram uma degustação do mercado financeiro, essas graduações têm de ajustar sua matriz curricular a esse cenário. Isso significa tanto inserir disciplinas ligadas à modernização do sistema financeiro como advertir esses jovens a terem os pés bem fincados no chão. Para garantir uma vaga nesse mercado já concorrido – que deve ficar ainda mais sob a perspectiva de que o avanço da reforma da Previdência leve a bolsa a quebrar recordes -, é preciso mesclar os tradicionais conhecimentos de Matemática às recentes ferramentas de inteligência artificial.

Aos 19 anos, Giulia Stefanie Silva está aprendendo a fazer essa mescla. Após estudar Administração por um ano e ter contato com alguns professores ligados ao mercado financeiro, ela gostou do assunto e migrou para o curso de Economia. Mesmo não tendo sido uma boa aluna nas disciplinas de Exatas durante o ensino médio, ela tem conseguido dar conta. Mas com bastante estudo. Ao mesmo tempo em que faz simulações bem básicas em fundos imobiliários e acompanha as taxas de juros, ela dedica um bom tempo para entender as teorias econômicas e melhorar a performance nas disciplinas básicas, como Matemática.

Tem dado tão certo que a estudante já ousa, com base nas aulas e nas leituras de periódicos econômicos, fazer uma análise do momento nacional. `Acho que 2019 vai ser igual ao ano passado, com o PIB crescendo pouco e sem que a gente alcance a meta que o mercado espera. Vamos ter uma lenta recuperação.`

Operadores

Na lista de docentes do curso do Ibmec, onde Giulia estuda, há tanto acadêmicos dedicados exclusivamente à pesquisa como operadores da Bolsa de Valores, explica Rodrigo Ferreira, coordenador do curso. `Hoje, a escola não pode estar fechada em si mesma. Tem de ser um `hub`.`

É a mesma lógica que norteia o trabalho da Universidade de Brasília (UnB). A instituição está desenvolvendo uma parceria com o CFA Institute, principal associação de profissionais de Finanças no mundo, para incluir, nas disciplinas do curso de graduação em Administração, mais conteúdo teórico e prático adaptado à realidade. A ideia não é construir um currículo capaz de satisfazer o interesse imediato do aluno pelo mercado financeiro, mas propor uma matriz que considere as novas tecnologias, como Ciência de Dados e Inteligência Artificial, como fundamentais na formação do aluno.

Quem olha a matriz curricular da FAAP também observa nomenclaturas bem afins a esse novo cenário de fintechs – startups ligadas ao mercado financeiro. `Inserimos a disciplina de Macroeconomia Financeira, que faz a ligação da parte de macroeconomia com finanças empresariais e alocação de recursos em carteira. O aluno também tem aula de Economia Computacional, para aprender a montar robôs para que deem ordem de compra e venda de acordo com informações coletadas na internet`, exemplifica Paulo Dutra, coordenador do curso.

Outra característica valorizada neste momento é a multidisciplinaridade. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a graduação em Economia é estruturada em três eixos (teoria econômica, políticas públicas e economia de empresas e finanças) e os alunos são estimulados a cursar créditos de outros cursos para aprofundar o conhecimento nos temas que mais lhes interessam. `Pode ir ao Instituto de Matemática para fortalecer a questão quantitativa ou ao de Psicologia para aprofundar o aprendizado sobre comportamento`, explica Carlos Schonerwald, coordenador da Comissão de Graduação em Ciências Econômicas da instituição. Quem se interessa pelo mercado financeiro é logo avisado que operar com solidez requer conhecimento de cálculo, programação e softwares específicos. `Os alunos chegam com certo desejo de operar no mercado financeiro, achando que é simples. Mas não é.`

Mas quando estarei pronto? `Se o currículo não deve atender ao meu interesse imediato, quando é que estarei apto a atuar no mercado acionário?`. A dúvida é recorrente entre os estudantes. E a resposta do coordenador da graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Joelson Sampaio, é taxativa: o mercado não valoriza mais quem chega antes, e tentar atrelar precocemente o curso a um emprego pode atrapalhar a formação. `Sempre digo para investir o máximo na formação, porque a experiência é mais fácil de adquirir do que o conhecimento. O mercado sabe disso. Tanto que, no último ano do nosso curso, quando liberamos os alunos para estágios, temos 20 vagas para cada um.`

Resultado de uma formação, diz Sampaio, que considera como competências fundamentais o raciocínio analítico, a capacidade de resolver problemas complexos e de lidar com pressão, além do domínio de ferramentas quantitativas, do conhecimento de Data Science e de saber trabalhar em grupo e apresentar características de liderança. Não é pouca coisa. E nem é simples.

Bruno Bartholi, que cursa o 8.º semestre do curso, estagia atualmente em um fundo de investimentos. Chegou com o repertório de sala de aula e com a experiência resultante das atividades desenvolvidas na empresa júnior da FGV. `Nela, trabalhei em equipe e tive de analisar muitos dados de mercado e projetos de avaliação de empresas. Sem dúvida, isso me serviu de preparação para o que encaro hoje.`

Quando o professor Nelson Calsavara, do curso de Economia da Universidade Cruzeiro do Sul, é interpelado por algum aluno muito ansioso para estrear no mercado e com a expectativa de ganhar dinheiro rápido, ele pede calma e lembra que `promessas fáceis dificilmente se concretizam`. `Mas, no caso daqueles extremamente focados em mercado acionário, eu indico que façam um curso rápido de Day Trade. Ele vai mostrar casos, métodos de comprar e vender ações, análise de gráfico. Pode satisfazer um interesse pontual.`

De fato, dentre os matriculados no braço educacional da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), há um número considerável de alunos de graduação que buscam acelerar algum aprendizado específico para uso imediato. A oferta de cursos segue a demanda dos quase 90 bancos associados à instituição. No cardápio de cerca de 80 cursos estão temas como IFRS 9 – Instrumentos Financeiros, Hedge Accounting – Gestão do Risco Financeiro e Análise de Balanço de Instituições Bancárias, com ofertas presenciais e a distância. `Vivemos um momento de transformação digital, com um sistema financeiro cada vez mais digitalizado, aberto e integrado e precisamos ter profissionais preparados para essa situação`, diz Cláudio Guimarães, diretor executivo da ABBC.

Categorias: Economia

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