Pesquisa mostra que 56,4% das mulheres já foram demitidas ou conhecem outra mulher que foi demitida ao virar mãe

    LUCIANA DYNIEWICZ | OESP*

    Mais da metade das mulheres (56,4%) já foi demitida ou conhece outra mulher que foi desligada após o retorno da licença-maternidade, de acordo com uma pesquisa do portal Empregos.com.br. “É um dado que vai em linha com o de outros levantamentos anteriores”, diz Margareth Goldenberg, gestora executiva do Mulher 360 (movimento empresarial que trabalha pela equidade de gênero).

    Um estudo da economista brasileira Cecilia Machado, feito em parceria com Douglas Almond e Yi Cheng – ambos da Universidade Columbia –, mostra que, nos Estados Unidos, a renda da mulher cai em média 50% após ela se tornar mãe.

    Mulheres que antes eram provedoras da família veem suas receitas recuarem ainda mais: 60%. Os dados indicam que, após a maternidade, as mulheres têm menor probabilidade de mudar para uma empresa com salários mais altos do que os homens e são substancialmente mais propensas a deixar a força de trabalho.

    “As pesquisas indicam que a maternidade é um dos maiores desafios para a permanência e ascensão feminina no mercado de trabalho”, diz a professora do Insper e coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero, Ana Diniz.

    As discussões em torno de discriminação de gênero no ambiente corporativo após a maternidade ganharam repercussão nos últimos dias após a executiva Carolina Ragazzi publicar um vídeo nas redes sociais em que afirma que, antes de ser mãe, estava entre os 1 0% dos prof i s s i onais mais bem pagos de seu nível no banco em que trabalhava. Segundo ela, isso mudou após sua primeira licença-maternidade, quando passou a ser “assediada” e afastada de projetos relevantes.

    No vídeo que publicou, Carolina não cita que trabalhava para a área de investment bank (setor responsável por fusões e aquisições de empresas) do Goldman Sachs, no qual ocupava um cargo de vice-presidente. Mas ela fez quase toda sua carreira no banco americano, onde permaneceu até o ano passado.

    Procurado, o banco afirmou, em nota, que as afirmações de Carolina são falsas. “Contestamos veementemente essas alegações, que são falsas. Não seria apropriado comentar as circunstâncias específicas ou o desempenho de um funcionário em particular.”

    MENSAGENS. Após a divulgação do vídeo, Carolina recebeu mensagens de apoio de outras mulheres do mercado financeiro. Uma delas afirma que foi demitida de um banco após ter tido filho. “Até hoje tenho pesadelos com a empresa”, diz o texto.

    Executiva de outros setores também entraram em contato com Carolina. Mariana (nome fictício), que tinha uma carreira de sucesso na indústria química, foi uma delas. Quando, aos 32 anos, Mariana voltou de um mestrado na Europa e tentou se reinserir no mercado, foi questionada em uma entrevista de emprego se pretendia ter filhos. Conseguiu se realocar com dificuldade. Depois de um período, tirou licença-maternidade. Foi demitida no dia que retornou ao trabalho.

    Gabriela (nome fictício) – que também vem conversando com a ex-vice-presidente do Goldman – foi demitida grávida. Ela tinha uma carreira de 15 anos como executiva de recursos humanos. Precisou tirar licença por ter um sangramento. No retorno ao escritório, informou a um dos executivos da empresa que não poderia fazer uma viagem a trabalho por recomendação médica. A resposta, em tom jocoso, foi: “Verdade, você está incapaz”.

    Na sua terceira licença-maternidade, Carolina foi alvo de comentários no WhatsApp. Um dos profissionais no grupo sugere a criação de um “Prêmio Carol Ragazzi” para aqueles que estão “no banco, mas ninguém lembra”.

    De acordo com Carolina, nos anos de 2010, ela foi a primeira mulher a engravidar na área de IB do Goldman Sachs. Quando ela teve sua primeira filha, em 2018, de uma equipe de cerca de 40 pessoas, 10% eram mulheres, calcula a executiva. Carolina era a única líder feminina, comandando o negócio de compra e venda de empresas da área de varejo. “A gente ( mulheres) sempre foi uma minoria muito irrelevante.”

    MUDANÇA. No caso de Mariana – que trabalhava na indústria química –, seu chefe mudou enquanto ela estava de licençamaternidade. Ao retornar do período de afastamento, o novo executivo não conseguiu explicar por que ela seria a pessoa cortada no processo de reestruturação da equipe. Segundo Mariana, o time havia encolhido e ela havia sido escolhida.

    Assim que foi dispensada, Mariana postou em uma rede social o que havia acontecido. Quase 35 mil pessoas reagiram a seu texto. Ela disse ter ficado surpresa com comentários de mulheres dizendo que conheciam alguém em situação similar.

    Ana Diniz, a professora do Insper, destaca que, além de as mulheres serem responsabilizadas pelo cuidado dos filhos e da casa, o que muitas vezes compromete o desempenho de suas funções no trabalho, as empresas em geral não estão preparadas para receber mães. “As organizações não têm um ambiente receptivo que reinsira as mulheres no trabalho e permita que elas continuem sua jornada profissional.”

    Margareth, do Mulher 360, acrescenta que um dos pontoschave para se ter equidade de gênero no ambiente corporativo é que os homens também assumam a responsabilidade de criar os filhos, o que pode ser incentivado com leis que ampliam a licença-paternidade.

    SEM RESOLUÇÃO. Após os diversos casos que considerou ter sido vítima de assédio moral e discriminação por gênero, Carolina apresentou uma denúncia formal ao Goldman Sachs. O banco, segundo ela, teria 15 dias para dar uma posição. Mas foram necessários três meses e meio para a executiva ter uma resposta. Carolina afirma que, na conversa, o Goldman admitiu ter um problema de falta de diversidade, mas alegou não haver provas das denúncias que ela apresentara. A solução era que a executiva deixasse a empresa de forma amigável.

    No mesmo ano em que o banco recebeu a denúncia de Carolina, ele concordou em pagar US$ 215 milhões para resolver um processo nos EUA de ação coletiva. Nele, profissionais mulheres afirmavam ser vítimas de preconceito no pagamento e nas promoções. •

    “As pesquisas indicam que a maternidade é um dos maiores desafios para a permanência e ascensão feminina” – Ana Diniz – Professora do Insper

    *Estado de São Paulo, https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo, 10/05/2025, pg. B12
    Ser mãe, desafio no mercado de trabalho Após a maternidade, demissões são comuns

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