E-mails às 6h, calls seguidos, jornada à noite: bem-vindos ao ‘dia de trabalho infinito’

Pesquisa com dados do Microsoft 365 revela detalhes alarmantes sobre hábitos profissionais adotados atualmente

Luciana Garbin Instagram:@lucianagarbin JORNALISTA DO ESTADÃO, PROFESSORA DA FAAP E MÃE DE GÊMEOS | OESP*
Quantas horas você trabalha por dia?
Antigamente era mais fácil responder a essa questão. Geralmente a carga de trabalho estava relacionada ao tempo em que o funcionário permanecia no local de trabalho. E, se levasse muito trabalho pra casa, geralmente era motivo para parentes e amigos reclamarem.

Com a tecnologia e o trabalho remoto, essa resposta, no entanto, foi ficando mais complexa.

O Work Trend Index Special Report: Breaking down the infinite workday – ou, em tradução livre, Relatório especial do Índice de Tendências de Trabalho: Desconstruindo a jornada de trabalho infinita, divulgado nesta terça, 17, pela Microsoft, dá uma ideia do quão complexa se tornou.

Ela revela que, sem uma jornada com início e fim claros e com cada vez mais demandas, o tempo antes reservado para descanso ou lazer, por exemplo, passou a ser usado para colocar tarefas antigas em dia ou se preparar para outras à vista.

“Nossa pesquisa, baseada em trilhões de sinais de produtividade agregados e anonimizados do Microsoft 365, revela um novo obstáculo desafiador: uma jornada de trabalho aparentemente infinita”, diz o documento. “Essa jornada de trabalho infinita começa cedo, principalmente por e-mail, e rapidamente se transforma em uma enxurrada de mensagens, reuniões e interrupções que drenam o foco.”

O início do trabalho para muita gente se dá ainda na cama. “Às 6h, muitos usuários do Microsoft 365 já estão vasculhando caixas de entrada lotadas na tentativa de se antecipar às demandas do dia”, afirma a pesquisa. “A caixa de e-mail pode ser a porta de entrada para o trabalho, mas muitas vezes ela se abre para uma enxurrada de caos não priorizado.”

A seguir, mais alguns dados computados pela pesquisa:

  • 40% das pessoas online às 6h estão revisando e-mails para definir as prioridades do dia;
  • O trabalhador médio recebe 117 e-mails por dia — e a maioria é apenas visualizada rapidamente, em menos de 60 segundos;
  • E-mails em massa com mais de 20 destinatários aumentaram 7% no último ano, enquanto conversas individuais estão em queda (-5%);
  • Às 8h, o Microsoft Teams ultrapassa o e-mail como principal canal de comunicação;
  • O trabalhador médio recebe 153 mensagens no Teams por dia útil;
  • O volume de mensagens por pessoa aumentou 6% ano a ano globalmente, mais de 15% no Reino Unido e na Coreia do Sul e mais de 20% em regiões como Europa Central e Oriental, Oriente Médio e África;
  • Metade de todas as reuniões ocorre entre 9h – 11h e 13h – 15h, justamente quando, segundo pesquisas, muitas pessoas atingem o pico natural de produtividade, devido ao ritmo circadiano.
  • Terças-feiras concentram a maior carga de reuniões (23%), enquanto nas sextas elas caem para apenas 16%.
  • Às 11h — pico de produtividade para muitos —, a atividade de mensagens dispara, com 54% dos usuários ativos (Segundo dados de telemetria da Microsoft, esse é o horário mais sobrecarregado do dia, quando mensagens em tempo real, reuniões agendadas e trocas constantes de aplicativos convergem, tornando quase impossível focar em uma única tarefa);
  • No meio do dia, mesmo no horário de almoço, aumenta o uso de Word, Excel e PowerPoint, à medida que funcionários tentam realizar trabalhos como redigir textos, analisar dados e criar apresentações;
  • Em média, trabalhadores que usam o Microsoft 365 são interrompidos a cada 2 minutos por reunião, e-mail ou notificação;
  • Reuniões grandes (com 65 ou mais participantes) são o tipo que mais cresce — provavelmente resultado de equipes cada vez mais complexas e multifuncionais;
  • Quase um terço das reuniões agora abrange múltiplos fusos horários — um aumento de 35% desde 2021;
  • Nos 10 minutos finais antes de uma reunião, edições no PowerPoint aumentam 122% — o equivalente digital a estudar de última hora para uma prova.
A pesquisa global do Work Trend Index mostra ainda que quase metade dos funcionários (48%) e mais da metade dos líderes (52%) também dizem que seu trabalho parece caótico e fragmentado. Alguma surpresa sobre isso?

O problema não é apenas o volume — é a dispersão. Com a mudança nos modos de comunicação, a coordenação ficou mais complexa e cresceu a carga mental. Segundo o estudo, 57% das reuniões são chamadas ad hoc, sem convite no calendário, e 1 em cada 10 reuniões agendadas é marcada de última hora.

“Para muitos, a jornada de trabalho agora parece navegar no caos — reagindo às prioridades dos outros e perdendo o foco no que realmente importa. Em um momento em que cada hora conta, essa dispersão pode silenciosamente drenar energia e atrasar o progresso dos negócios”, aponta o relatório.

Ah, vale lembrar que esse cenário não se restringe ao expediente manhã/tarde nem a dias da semana. Reuniões após as 20h aumentaram 16% ano a ano, de acordo com a pesquisa, principalmente por causa das “equipes globais e flexíveis”. E não só isso: o funcionário médio agora envia ou recebe mais de 50 mensagens fora do horário comercial e, até as 22h, quase um terço (29%) dos trabalhadores ativos volta à caixa de entrada.

“Para alguns, essa pressão se estende até o fim de semana — fazendo com que o domingo pareça apenas mais uma segunda-feira”, continua o relatório. “Quase 20% dos funcionários que trabalham aos fins de semana verificam seus e-mails antes do meio-dia no sábado e no domingo — acordando para trabalhar, mesmo em dias normalmente de folga. E mais de 5% voltam ao e-mail no domingo à noite (após as 18h) — o famoso ‘medo do domingo’ é real e mensurável.”

Embora os padrões de e-mail imitem os dias úteis, nos fins de semana o uso de Word, Excel e PowerPoint supera o das mensagens no Teams – indicando que, para muita gente, esse é o tempo encontrado para realizar trabalhos focados e sem interrupções.
E o que fazer diante desse esquema que tem grandes chances de estar comprometendo a saúde e a vida social de milhões de pessoas?

O relatório defende que a inteligência artificial (IA) pode ser uma alavanca para redesenhar o ritmo do trabalho, redirecionar equipes para tarefas novas e ”consertar” a arapuca da jornada de trabalho aparentemente infinita. A seguir, aponta três pontos de partida para líderes que parecem bem mais fáceis de resolver no mundo das IAs do que no mundo real. A saber:

Seguir a regra 80/20: “Em um mundo de orçamentos apertados e atenção limitada, atividade não é o mesmo que progresso”, diz. Por isso, a meta deve ser focar nos 20% do trabalho que geram 80% dos resultados. “A IA torna isso não apenas possível, mas escalável. Ao implantar IA e agentes para automatizar tarefas de baixo valor — reuniões de status, relatórios rotineiros, tarefas administrativas —, os líderes podem recuperar tempo para o que realmente move o negócio: trabalho profundo, decisões rápidas e execução focada. As empresas que vencerão na era da IA não serão apenas mais trabalhadoras — serão mais inteligentes e precisas.”

Reorganizar: “Hoje as equipes são organizadas por funções estáticas como finanças, marketing e engenharia. Mas, com expertise disponível sob demanda por meio de IA e agentes, estruturas rígidas adicionam fricção desnecessária”, afirma. Sugere então migrar do organograma tradicional para um modelo mais ágil e orientado a resultados, no qual equipes enxutas se formam em torno de um objetivo e usam IA para preencher lacunas de habilidades e avançar.

Virar um chefe de agentes (de IAs): “Uma nova geração de profissionais está emergindo no meio do caos — não por trabalhar mais, mas por trabalhar de forma mais inteligente. Nós os chamamos de chefes de agentes”, afirma. “Esse é o futuro do trabalho: equipes compostas por humanos e agentes criadas para se adaptar e escalar.”

Para quem leu a coluna até aqui e se assustou com algum dos números da pesquisa, vale lembrar que ela se refere apenas a serviços da plataforma da Microsoft. E tem milhões de pessoas que trabalham com ferramentas de outras bigtechs: usam Zoom ou Meet, por exemplo, em vez do Teams, ou fazem do WhatsApp ou Hangout sua forma de comunicação.

E o que isso significa? Entre outras coisas, que o dia de trabalho pode ser ainda mais infinito do que essa pesquisa do Microsoft 365 mostrou.

*Estado de São Paulo, stadao.com.br/cultura/luciana-garbin/seu-dia-de-trabalho-parece-infinito-pesquisa-mostra-dados-impressionantes-de-jornadas-normais/?srsltid=AfmBOoq_Y644VD0zsTM7aa5eHUQfQ42pRePhy41fJOTaLEoV7lBShJ1T, 18/06/2025.

 

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