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Folha de São Paulo, The New York Times, segunda-feira, 18 de
abril de 2011 

Combustível versus comida

Por ELISABETH ROSENTHAL

Enquanto potências emergentes como a China
buscam novas fontes de energia para manter seus veículos e indústrias
funcionando, uma proporção cada vez maior das colheitas mundiais -mandioca,
milho, açúcar, óleo de palma- é desviada para os biocombustíveis.

Com o forte aumento dos preços dos alimentos,
muitos especialistas pedem que os países reduzam sua corrida vertiginosa para a
produção de combustíveis verdes, argumentando que a combinação de metas
ambiciosas de biocombustíveis e colheitas medíocres de algumas safras cruciais
contribui para o aumento dos preços, a fome e a instabilidade política.

A Organização para Alimentação e Agricultura das
Nações Unidas (FAO) relatou que seu índice de preços de alimentos é o mais alto
em mais de 20 anos de existência. Os preços subiram 15% somente de outubro a
janeiro, possivelmente "atirando na pobreza mais 44 milhões de pessoas em países
de baixa e de média renda", disse o Banco Mundial.

A disparada dos preços dos alimentos causou
tumultos ou contribuiu para revoltas políticas em uma série de países pobres nos
últimos meses, incluindo Argélia, Egito e Bangladesh, onde o óleo de palma, um
ingrediente comum dos biocombustíveis, fornece nutrição vital para uma população
desesperadamente pobre.

No segundo semestre de 2010, o preço do milho
teve aumento acentuado -73% nos EUA-, o que o Programa Mundial de Alimentos da
ONU atribui em parte ao maior uso do milho americano para fabricar bioetanol.

"O fato de a mandioca ser usada para
biocombustível na China, a semente de colza na Europa e a cana-de-açúcar em
outros lugares definitivamente está criando uma mudança nas curvas de demanda",
disse Timothy D. Searchinger, pesquisador da Universidade Princeton, em Nova
Jersey (EUA). "Os biocombustíveis estão contribuindo para aumentos de preços e
para mercados mais apertados."

Nos Estados Unidos, o Congresso decidiu que o
uso de biocombustível deve alcançar 136 bilhões de litros por ano até 2022. A
União Europeia estipulou que 10% dos combustíveis para transporte devem vir de
fontes renováveis até 2020. China, Índia, Indonésia e Tailândia também adotaram
metas de biocombustíveis.

Certamente, muitos fatores ajudam a elevar o
preço dos alimentos, incluindo problemas climáticos e altos preços do petróleo.

"A situação é complexa. Por isso, é difícil
fazer afirmações definitivas, como se os biocombustíveis são bons ou ruins",
disse Olivier Dubois, especialista em bioenergia da FAO, sediada em Roma. "Mas o
que é certo é que os biocombustíveis estão influindo."

Dubois e outros especialistas em alimentação
sugerem que os países deveriam revisar suas políticas para que as diretrizes de
combustíveis possam ser suspensas quando estoques alimentares estiverem baixos
ou preços, altos demais.

"A política tem de priorizar a alimentação",
disse Hans Timmer, diretor do Grupo de Perspectivas de Desenvolvimento do Banco
Mundial. Há uma década, quando a China decidiu fazer bioetanol de milho, o plano
causou escassez do produto e carestia. Em 2007, o governo proibiu o uso de
cereais para fabricar combustíveis. Cientistas chineses tentam aperfeiçoar o
processo de fazer combustível com mandioca.

Embora seja parte das dietas africanas, a
mandioca não é central na alimentação dos asiáticos. Os chineses raciocinaram
que fabricar combustível de mandioca não afetaria os preços dos alimentos, ao
menos internamente.

Mas há probabilidade de impactos distantes. Como
a casca de mandioca é usada como ração animal, a demanda da indústria de
biocombustíveis poderá afetar o custo da carne. Nos países onde a China paga
generosamente pela mandioca, agricultores podem ser tentados a cultivar a planta
em vez de legumes ou arroz.

E se a China recorrer à África como fonte
fornecedora, uma das principais colheitas alimentares do continente poderá ser
ameaçada, embora exportar a mandioca também possa se tornar uma oportunidade
comercial.

"Essa está se tornando uma colheita mais valiosa
em dinheiro", disse Harris. "A terra agrícola é limitada, por isso quanto maior
a área dedicada ao combustível, menor será à alimentação."

A demanda chinesa por mandioca também poderá
prejudicar a produção de biocombustíveis em países asiáticos pobres: nas
Filipinas e no Camboja, empresários tiveram de suspender a construção de usinas
de etanol porque o tubérculo ficou caro demais.

O desenvolvimento de biocombustíveis em países
mais ricos demonstrou ter um efeito poderoso nas colheitas. Quase 40% do milho
plantado nos Estados Unidos vai para a fabricação de combustível. Os preços
desse cereal na Bolsa Mercantil de Chicago aumentaram 73% de junho a dezembro de
2010.

Esses aumentos também têm efeitos distantes,
dizem especialistas em segurança alimentar. O preço do milho em Ruanda aumentou
19% no ano passado. "Esse tipo de aumento coloca o milho fora do alcance das
populações pobres", disse Marie Brill, analista de política da ActionAid. Os
preços mais altos também significam que grupos como o Programa Mundial de
Alimentação poderão encontrar menos alimentos para destinar aos famintos do
mundo.

Os desenvolvedores de biocombustíveis europeus
estão comprando grandes áreas do que chamam de "terras marginais" na África, com
o objetivo de plantar colheitas para biocombustíveis, especialmente o arbusto
lenhoso chamado jatropha. Seus defensores dizem que promover a jatropha para a
produção de biocombustível tem pequeno impacto na oferta de alimentos. Mas parte
dessa terra é usada pela população pobre para agricultura de subsistência.

"Temos de nos afastar completamente da ideia de que
produzir uma colheita energética não compete com a alimentação", afirmou Dubois,
da FAO.


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