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Revista Veja  »  Edição
2150 / 3 de fevereiro de 2010



Negócios


A classe C vai ao paraíso



Com a ascensão de uma nova classe média, surge também 



um novo tipo de turista, que muda a cara do setor no Brasil

Benedito Sverberi



CHEGOU MINHA VEZ


O setor de turismo no Brasil vive uma revolução que só não pode
ser chamada de silenciosa. Basta observar os cruzeiros e aeroportos lotados de
ruidosos clientes – ou atentar para as estatísticas. Uma pesquisa divulgada pelo
Ministério do Turismo, no fim de 2009, revelou que subiu para 58,8% o porcentual
de brasileiros que viajaram, ao menos uma vez, nos últimos dois anos. No
levantamento anterior, de 2007, a parcela era de 32%. Como tantas outras coisas
no país, esse aumento está atrelado à ascensão de uma nova classe média.
Estima-se que, em breve, o contingente de turistas das classes C e D vai superar
o das classes mais abastadas. Em dois anos, a população de menor renda deverá
responder por mais da metade dos viajantes. São pessoas como a secretária
Andréia Pereira, de 36 anos, que tem renda domiciliar em torno de 2 000 reais e
fez com o marido seu primeiro passeio turístico no ano passado, de São Paulo
para o Rio Grande do Norte. "Nunca tinha feito uma viagem tão longa, quanto mais
de avião", diz ela.


Das companhias aéreas às operadoras de viagens, todo o setor de
turismo arma estratégias para seduzir os novos clientes. Um exemplo de empresa
que rapidamente se voltou a esse público é a CVC, a maior companhia de viagens
da América Latina. Sua estratégia está calcada em preços agressivos, boas
condições de parcelamento e qualidade dos serviços. A atenção dispensada à
classe C foi um dos atrativos para que o fundo americano de investimentos
Carlyle adquirisse o controle da empresa (63,6% de seu capital), no começo de
janeiro. O antigo acionista majoritário, Guilherme Paulus, seguirá na empresa
como presidente do conselho. Aliás, o lema do grupo americano é que nada muda na
gestão da CVC. Ficará mais fácil, contudo, ter acesso a recursos no exterior. A
Carlyle também promete transmitir sua expertise financeira para ajudá-la a
aumentar ainda mais a escala do negócio. A CVC visa a conseguir, com isso,
negociar maiores descontos com hotéis e companhias áreas, entre outros serviços,
e oferecer pacotes ainda mais acessíveis, sem prescindir da qualidade. "A CVC é
líder em vários segmentos, inclusive alguns típicos de alta renda. Contudo, quem
quiser crescer com força nos próximos anos não poderá perder de vista os
clientes da nova classe média", afirma Valter Patriani, presidente da empresa.


As companhias aéreas também partiram para a briga nesse novo
filão de negócio. A redução média de 34% nos preços das passagens nos últimos
dez anos foi suficiente para torná-las competitivas ante o transporte
rodoviário. Mesmo assim, o parcelamento a perder de vista virou uma importante
arma na conquista dos turistas das classes C e D. A Trip Linhas Aéreas, que
atende cidades menos atrativas para as grandes do setor de aviação, oferece uma
linha de crédito do Banco do Brasil que permite ao cliente pagar em até sessenta
vezes. A TAM, em parceria com o Itaú, trabalha com até 48 parcelas. Já a Gol
oferece crédito com recursos próprios, por meio do cartão VoeFácil, e
parcelamento em até 36 vezes. "Muitos clientes da classe C gostam de viajar com
a família, que, não raro, é numerosa. Por isso, é importante trabalhar com
muitas prestações", explica o diretor comercial da Gol, Eduardo Bernardes.


LIDERANÇA


Valter Patriani, presidente da CVC,
 que
foi vendida ao fundo Carlyle:
 preços
agressivos e parcelamentos


A Gol também desenvolveu um novo formato de loja para atender um
público que mal começou a descobrir o prazer de viajar. Instalada numa área de
comércio popular em São Paulo, o Largo Treze, a loja não quer só ser mais
acessível ao seu público-alvo, mas também lhe dar atendimento diferenciado – o
que inclui informações básicas sobre voos e aeroportos. "Na loja de sapatos onde
trabalho, as pessoas comentavam que a passagem estava barata. No começo, tinha
um pouco de receio de entrar num aeroporto e pegar um avião. Aí, criei coragem e
vim conferir", comenta a estoquista Deivimar Borges, 23 anos, piauiense de
Paulistana. O receio da cliente, que viajará de avião pela primeira vez em 23 de
março, encontra respaldo numa pesquisa feita pelo instituto Data Popular. A
consultoria constatou que 75% das pessoas das classes C e D que nunca viajaram
de avião afirmam que não se sentiriam à vontade num aeroporto. "As pessoas têm
receio porque simplesmente não sabem como agir. Elas associam o serviço a algo
de luxo e se sentem intimidadas com o excesso de palavras estrangeiras. Há quem
pergunte se check-in é o mesmo que chequinho", relata o sócio-diretor do Data
Popular, Renato Meirelles. Por tudo isso, as pessoas são presenteadas, na loja
popular da Gol, com um manual sobre como funcionam aeroportos e aviões, no qual
se explica, por exemplo, que é preciso despachar as malas antes de embarcar.


Outro segmento do turismo que tem recebido muitos clientes da
nova classe média é o de cruzeiros marítimos – que movimentou, na temporada
2008/09, 350 milhões de dólares, transportando 500 000 turistas em dezesseis
navios pela costa brasileira. Como os preços dos pacotes são fixados em dólar, a
valorização do real em anos recentes fez com que tudo ficasse mais barato. Além
disso, a facilidade de pagamento e, principalmente, o sistema "tudo incluído" –
entenda-se fartura de comida e bebidas – fizeram com que o número de viajantes
da classe C crescesse 32% na última temporada. As companhias de navegação foram
além e criaram viagens temáticas, em homenagem a times de futebol, religiosos,
sertanejos, e por aí afora. "Uma consequência desse fenômeno é que o público
tradicional, das classes A e B, praticamente desapareceu dos navios", diz o
diretor comercial da operadora Pomptur, Salomão Barros Costa. A saída para as
famílias abastadas tem sido viajar mais para o exterior, visitar hotéis e
pousadas "de charme" – estabelecimentos menores, mais caros e mais refinados – e
ficar em resorts. Vale também explorar os chamados "novos destinos". São
endereços até recentemente inexplorados, como Ponta dos Ganchos, em Santa
Catarina. Nessa bela praia, ergueu-se em 2008 um luxuoso empreendimento
hoteleiro. São paraísos que os novos turistas ainda devem demorar a descobrir.


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