Nova pagina 3

Revista Isto É, |  N° Edição:  2318 |  25.Abr.14 – 20:50 |
 Atualizado em 28.Abr.14 – 16:31



COMPORTAMENTO

A classe média se rende ao emprego público



Antes preferidos por mais velhos e por profissionais em final de carreira, hoje
os concursos são disputados, em sua maioria, por jovens de até 35 anos, com boa
formação acadêmica, que buscam estabilidade e bons salários

Camila
Brandalise (camila@istoe.com.br)


Salários competitivos,
estabilidade, plano de carreira, ótimos benefícios e aposentadoria garantida.
Não é de hoje que o serviço público atrai profissionais graduados, seduzidos por
todos esses atrativos e cansados da insegurança do mercado de trabalho. A
novidade é que o setor deixou de ser apenas o plano B de homens e mulheres
próximos da meia-idade, ávidos por garantir uma velhice sem sobressaltos, para
se tornar a primeira opção de jovens de até 35 anos, muitos ainda cursando a
universidade. Eles formam um grupo grande entre os 12 milhões de brasileiros que
estão se preparando neste momento para conseguir uma das 130 mil vagas previstas
para 2014 – em 2015 serão mais 180 mil. Destes, 90% vêm da classe média, segundo
Francisco Fontenele, especialista em concursos públicos. Para aquecer ainda mais
essa indústria, que movimenta R$ 30 bilhões por ano, 2014 está recheado de boas
oportunidades na área, com salários que podem ultrapassar R$ 20 mil. No topo da
lista de desejos dos concurseiros estão as provas para agente da Polícia
Federal, técnico e analista do Banco Central e técnico e analista do Ministério
Público da União. Para se ter uma ideia, esse último exame registrou 69 mil
inscritos, que concorreram a 263 vagas na última edição, em 2013, com uma
relação candidato/vaga de 260.


Dayana Alves Silva
Lopes, 25 anos, é um exemplo do novo perfil de candidato. Formada em
administração de empresas, ela trabalhou quatro anos na área. Mas demissões,
promoções que não aconteceram e outras frustrações fizeram a jovem mudar
completamente o rumo de sua trajetória profissional. Desde setembro de 2013, a
administradora acorda cedo e dedica oito horas do seu dia para estudar para
concursos públicos. Seu plano já está traçado. Dayana vai prestar as próximas
provas para escrevente e oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo,
que exigem nível médio e pagam, respectivamente, R$ 4.190,37 e R$ 4.921. “Vou
estudar até passar”, afirma. Mas a administradora não quer parar na primeira
aprovação. Empossada, ela deve começar a estudar para outra prova, repetindo um
hábito comum entre aqueles que entram no setor público. “Tentarei um concurso
para nível superior, mais difícil ainda, por causa da concorrência.”



A indústria dos concursos é um mercado bilionário, que movimenta cerca de R$ 30
bilhões por ano


O serviço público se
torna ainda mais atraente em tempos de vulnerabilidade econômica. “Como vivemos
momentos de altos e baixos, se o lucro e a produção caem no setor privado, as
vagas fecham e os salários diminuem. Isso não acontece no setor público”, diz
Ernani Pimentel, um dos fundadores da Associação Nacional de Proteção e Apoio
aos Concursos (Anpac). “Por isso acredito que a procura tem aumentado tanto.” A
mesma percepção permeou a decisão de Dayana de entrar no setor. “Não quero
chegar a uma certa idade em um cargo alto e ser demitida para que no meu lugar
coloquem alguém mais novo e com um salário menor do que o meu. E é isso o que
vejo acontecer ao meu redor”, diz.



LEIS



Especialista em concursos, Francisco Fontenele apóia a Lei Geral dos Concursos,
em discussão na Câmara, para que todos os candidatos tenham direitos iguais


Os valores dos salários,
claro, também atraem. A remuneração pode ir desde o salário mínimo até uma média
de R$ 15 mil, como é o caso da vaga para fiscal da Receita Federal, e chegar a
R$ 23 mil, nos cargos do Poder Judiciário. Mas há um grande número de candidatos
que também têm interesse pela função em si, contrariando o estereótipo do
servidor público que quer um salário razoável para ocupar um cargo que não lhe
exija muito esforço. O advogado Maurício de Farias Castro, 25 anos, está nesse
time. Formado desde 2011, ele estuda para entrar no Ministério Público. “Desde a
faculdade tenho esse objetivo, pois é uma instituição que admiro muito”, diz. A
rotina de Castro é muito rígida. “Trabalho no meu escritório das 7h45 às 17h30.
Até 18h40, estudo antes de ir para o curso preparatório. Tenho aula por quatro
horas e, quando volto para casa, estudo de novo até a 1h.” O advogado teve ainda
mais certeza do que queria quando sofreu um baque na família. Sua mãe foi
assassinada e até hoje não se sabe quem foi o autor do crime nem há qualquer
resposta sobre o caso, que foi arquivado pela polícia.



PREPARAÇÃO



Aline Dias vai se formar em direito em 2015, mas já está estudando para prestar
concurso público. "A concorrência é muito grande"


Apesar de a mentalidade
em relação ao servidor público estar começando a mudar, ainda há um longo
caminho a ser percorrido para padronizar legalmente a execução das provas.
Estima-se que, anualmente, cerca de 20% delas apresentem problemas, que vão
desde questões sem resposta a inconstitucionalidades nos editais. “É fundamental
que existam regras claras”, afirma o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF),
relator do substitutivo ao Projeto de Lei 74/2010, aprovado em julho de 2013 no
Senado, que prevê a regulamentação de algumas normas para aplicação de concursos
em âmbito federal. Entre outras mudanças, está previsto o fim dos exames feitos
somente para o chamado cadastro de reserva, aqueles em que existe a
possibilidade de ninguém ser convocado. “Essa prática parece ter virado uma
máquina de fazer dinheiro”, diz Rollemberg. O texto também prevê que os editais
sejam lançados com antecedência mínima de 90 dias, as inscrições estejam
disponíveis na internet, a taxa de inscrição seja, no máximo, de 3% do valor da
remuneração inicial do cargo e que todos os resultados das provas sejam objetiva
e tecnicamente fundamentados, entre outras mudanças. Na Câmara dos Deputados,
para onde seguiu o projeto, o relator da Lei Geral dos Concursos é o deputado
Paes Landim (PTB-PI). A expectativa é que a matéria seja aprovada na Casa no
começo do segundo semestre para depois retornar ao Senado.



DIREITOS



Apesar de aprovado em primeiro lugar em um concurso, Paulo Victor Pereira não
foi convocado e agora briga na Justiça para ocupar a vaga


A legislação é um passo
fundamental para firmar a credibilidade de alguns concursos, questionada
justamente pela falta de transparência. “Já vi situações em que a banca abre um
período de inscrição muito curto; assim, aqueles que já teriam sido escolhidos
para a vaga saberiam dos concursos antes e poderiam se preparar”, diz Ernani
Pimentel, da Anpac. Há também denúncias de bancas que incluem novos conteúdos a
poucos dias do exame, fazendo com que muitos cheguem despreparados, enquanto
outros recebem a informação antes da divulgação da mudança. Espera-se que, após
aprovada, a Lei Geral dos Concursos possa nortear nova legislação também nos
Estados e municípios brasileiros. “Para dotarmos a máquina pública com bons
servidores é preciso seguir o princípio da isonomia, possibilitando oferta igual
para todos”, afirma Francisco Fontenele, que também é diretor pedagógico da rede
de cursos preparatórios LFG. Muitos profissionais de alto nível saem
prejudicados pela falta de normatização. Para Alessandro Dantas, coautor do
livro “Concurso Público – Direitos Fundamentais dos Candidatos” com Fontele e
consultor jurídico da Associação Nacional de Defesa e Apoio ao Concurseiro
(Andacon), não é só porque um item consta no edital que ele é válido. “Há muita
ilegalidade. O concurseiro precisa buscar a lei existente ao notar qualquer
injustiça” (leia quadro na pág. 58).


Foi o que fez Paulo
Victor Mendes Pereira, 27 anos. Em 2010, ele foi aprovado em primeiro lugar como
analista de arquivologia em Porto Velho (RO). Mesmo sabendo que era o caso de
cadastro de reserva, Pereira ficou animado. Se chamassem alguém, seria ele. Mas
dois anos se passaram e nenhuma vaga foi aberta. “Decidi entrar na Justiça com
um grupo de 50 pessoas, todas candidatos aprovados em primeiro lugar no mesmo
concurso, só que para postos diferentes.” Até agora, não há sinal do tão sonhado
cargo, que na época tinha remuneração de R$ 7 mil. “Cheguei a entrar em contato
com a Procuradoria em Rondônia. Eles solicitaram minha vaga, mas, mesmo assim,
não fui chamado.” Decepcionado, ele não pensa em prestar outro concurso tão
cedo. “É frustrante.” Mais otimista, Anderson Carlos dos Santos, 29 anos, ainda
espera ser convocado na segunda chamada, embora nem a lista da primeira tenha
saído, para uma cadeira no Banco do Brasil, cujo resultado foi divulgado no
começo deste ano. “Estudei num curso de três meses, mas fiz a prova antes mesmo
de concluí-lo”, diz Santos, que também é músico e pretende manter as carreiras
paralelamente.



Entre as mudanças da nova lei de concursos



está previsto o fim do cadastro de reserva


Se para alguns alunos um
curso preparatório de três meses é suficiente, para a maioria alcançar a vaga
pretendida pode exigir muito mais tempo e dedicação. Por isso, para as provas
mais concorridas, a recomendação dos especialistas é começar a se preparar o
quanto antes. No geral, e principalmente para os cargos que exigem formação em
direito, o tempo de estudo para passar em um concurso vai de dois a três anos.
Com isso em mente, muitos jovens universitários decidem começar a estudar antes
mesmo da formatura. A estudante Aline da Silva Dias, 21 anos, concluirá a
graduação em direito em 2015, mas já acompanha aulas do curso preparatório.
“Quero seguir carreira na Promotoria”, diz. Aline chegou a tentar um cargo de
assistente administrativa no Banco Central no fim do ano passado, mas não foi
aprovada. “Não é fácil assim. É preciso conhecer alguns macetes das provas”,
diz.



DEDICAÇÃO



Há sete meses, Dayana Lopes deixou o cargo de assistente administrativa em uma
empresa privada para estudar para concursos públicos


Para os concursos que
exigem somente o nível médio, a procura tem começado ainda mais cedo.
Adolescentes prestes a entrar na universidade ou no início do curso já tentam um
posto no serviço público para garantir o emprego. Andreluci de Oliveira Barbosa
Figueiredo, 24 anos, é hoje oficial administrativa da Procuradoria-Geral do
Estado de São Paulo, mas se tornou servidora pública mais cedo, aos 19, quando
ainda estudava direito. Na época, ela conseguiu uma vaga de inspetora de alunos
em uma escola. Depois, prestou outro concurso e entrou em um estágio numa
procuradoria. Andreluci tem certeza de que essa fase foi essencial para definir
seu atual sonho de se tornar procuradora. “Ainda não há edital aberto, mas já
comecei a pegar firme nos estudos para me preparar”, diz. “Dedicação diária é
imprescindível. E, no meu caso, estudar em casa não dá muito certo, preciso de
uma rotina de cursinho.” No atual cargo, que exige nível médio, a jovem tem
remuneração de R$ 1,5 mil. Quando atingir o objetivo, poderá ganhar cerca de dez
vezes mais.



CARREIRA



Servidora pública desde os 19 anos, Andreluci Figueiredo, hoje com 24, sonha em
se tornar procuradora. "Dedicação diária é imprescindível"


Com uma maior oferta de
vagas e mais interessados a cada ano, a área dos concursos públicos forma um
mercado bilionário, envolvendo publicações específicas, cursos preparatórios,
livros com dicas e jornais direcionados. Calcula-se que o gasto anual dos
candidatos em fase de preparação, incluindo material didático, inscrições e
mensalidades de cursos, seja de R$ 8 mil a R$ 10 mil. Dependendo do cargo, esse
investimento se torna imprescindível, em razão do número de candidatos
preparados para enfrentar as provas. E eles estão por dentro não só do conteúdo,
mas também dos macetes para se dar bem nos testes, em um esquema parecido com o
das provas do vestibular. “Dou aulas há 20 anos e nunca vi um nível de
preparação tão alto como o de hoje em dia”, afirma o professor Julio Cesar
Hidalgo, da Central de Concursos. E a cada novo edital o número de interessados
só cresce. “Brinco que quando abre um precisamos colocar carteira beliche, de
tanta gente nova que aparece.”



Para os especialistas, as provas precisam ser mais transparentes e os editais
devem ser lançados com antecedência mínima de 90 dias


Um dos problemas dos
novos concurseiros, para Hidalgo, é não ter um objetivo específico. “Não dá para
pular de prova em prova só porque abriu um edital. É preciso mirar em um cargo e
estudar para ele”, diz. Para quem pensa em ser auditor fiscal da Receita
Federal, por exemplo, um dos postos mais visados do serviço público, é
necessário começar a se preparar o quanto antes, mesmo quando não há um novo
edital. Essa é uma das regras de ouro dos concurseiros. Outra orientação dos
especialistas na área é entender que o serviço público, pelo menos nas vagas com
salários de dois dígitos, é um projeto de médio a longo prazo. Por isso, é
essencial ter paciência até conseguir alcançar o posto e o holerite almejados. E
de nada adianta seguir as duas orientações se não houver disciplina nos estudos.
“Fazendo cursinho ou estudando sozinho, é preciso estabelecer uma rotina fixa de
dedicação”, diz Hidalgo. Os milhões de pessoas que brigam pela tão sonhada
carreira pública, e aquelas que já conseguiram entrar nela, garantem que seguir
essas orientações vale a pena.



Para entrar num concurso muito disputado, cujo salário ultrapassa os dois
dígitos, o tempo de preparação ultrapassa dois anos


1 comentário

Os comentários estão fechados.

× clique aqui e fale conosco pelo whatsapp