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Folha de São Paulo, Ciência, domingo, 18 de março de 2007


  • A matemática da
    beleza
    [Marcelo
    Gleiser]

Marcelo Gleiser

O belo segue princípios que o artista aprende olhando
o mundo

O que conchas de caracóis, galáxias, furacões, os
chifres de um bode e a curva do seu lábio superior têm em comum? Todos seguem a
mesma curva fundamental, a espiral logarítmica. Não, seus lábios não são uma
espiral, mas parte dela. Todas essas formas, além de revelarem uma elegância
única, atestam também uma unidade nos processos criativos que existem no mundo
natural. No caso da espiral, ela surge quando a parte externa de um objeto
cresce mais rapidamente do que a interna.

Observar e apreciar a beleza das espirais equivalem a
olhar para o mundo com os olhos de um artista e de um matemático ao mesmo tempo.
Por trás dessas e muitas outras formas, existe um número mágico, a chamada seção
áurea ou proporção divina, 1,618. O número aparece na famosa série de Fibonacci,
o italiano que em 1202 escreveu um manual de matemática chamado “Livro do
Ábaco”. Nele, Fibonacci examinou a série de números obtidos ao somarmos os dois
anteriores: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144…

Quando dividimos um número pelo seu antecessor, a série
converge para a seção áurea. Por exemplo, 34/21 = 1,6190…, e 144/89 =
1,61798… Aliás, é essa a razão aproximada da sua altura e da altura do seu
umbigo até o chão.

A sessão áurea define as proporções do retângulo áureo
(o lado maior 1,618 vez maior do que o menor). A espiral logarítmica cabe dentro
desse retângulo áureo. Deles surge também o triângulo áureo, um triângulo
isósceles (dois lados iguais) com ângulos de 72-36-72. Essas formas aparecem e
reaparecem na natureza e na organização espacial de inúmeras obras de arte. Por
exemplo, a Mona Lisa, talvez o quadro mais famoso do mundo, pintado por Leonardo
da Vinci e terminado em 1507, respeita várias proporções áureas: a cabeça e o
torso da modelo cabem num retângulo áureo e seu corpo e cabeça, num triângulo
áureo. Seu olho esquerdo divide o quadro ao meio, dando-lhe a dimensão
psicológica que o tornou imortal.

Acabo de ler o livro “Math and the Mona Lisa” (A
Matemática e a Mona Lisa) do físico e ilustrador Bülent Atalay. O livro sairá em
breve no Brasil pela editora Mercúrio Jovem. Nele, o autor explora uma pergunta
essencial, usando Da Vinci como inspiração: Até que ponto é possível integrar os
princípios criativos da arte e da ciência? A escolha de Leonardo não é
acidental. Deixando de lado o furor recente provocado pelo livro “O Código Da
Vinci”, de Dan Brown, Leonardo, mais do que qualquer personagem da história,
encarna a união da razão e da sensibilidade artística. “Olhe para a natureza e
deixe-a ser sua mentora”, afirmou. Para Leonardo, a natureza obedece a regras
estéticas ditadas pela matemática, a matemática da beleza.

Mesmo que não tenha declarado explicitamente que seus
quadros e ilustrações foram criados a partir de proporções baseadas na seção
áurea, ela aparece em várias ocasiões. Seus projetos tecnológicos, como máquinas
voadoras, submarinos, pára-quedas e catapultas, bem como seus quadros e desenhos
anatômicos, são prova de que ele seguia à risca seu próprio conselho, usando as
soluções estéticas encontradas na natureza para criar suas obras. A construção
da beleza segue princípios científicos que o artista aprende olhando para o
mundo. Para Leonardo da Vinci, ciência e arte eram uma coisa só, um veículo de
expressão cuja função era recriar a beleza das formas naturais. A natureza era
sua grande mestra.


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no
Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro “A Harmonia do Mundo”


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