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VEJA,
Televisão,
Edição 2006, 2 de
maio de 2007

A ordem é suar a
camisa

Quanto mais criativa fica
a TV americana, mais difícil é para seus astros cravar um cachê milionário

Isabela Boscov

Até o início
desta década, ser um ator de sucesso na televisão americana podia render
dinheiro em quantidade suficiente para fazer história. O comediante Ray Romano,
da série Everybody Loves Raymond, cravou um recorde: 1,8 milhão de dólares por
episódio. A uma média de 24 episódios por temporada, isso significa que ele
chegou a ganhar mais de 43 milhões de dólares ao ano – coisa de que só uma meia
dúzia de astros de cinema poderia se gabar. Kelsey Grammer, de Frasier, chegou
perto dele: 1,6 milhão de dólares por capítulo. Esses salários astronômicos,
porém, são coisa do passado. A explosão criativa que a TV americana vive de uns
seis anos para cá gerou efeitos colaterais inesperados: aumentou a concorrência
por papéis (muita gente vinda do cinema entrou na parada), colocou mais força (e
dinheiro) nas mãos de produtores e roteiristas e, como resultado, achatou o
cachê dos atores principais. Até a década passada, nenhum executivo de emissora
se sentiria seguro no emprego sem recrutar um nome vistoso para encabeçar o
elenco de uma nova atração. Hoje, embora atores conhecidos ainda sejam um
ingrediente desejável da receita, está mais ou menos combinado que o que
realmente importa é o roteiro – como Dick Wolf, produtor da franquia Law & Order
e o mais duro negociador do pedaço, vinha ensinando desde os anos 90.

Neste
momento, o salário mais alto pago a um ator de TV é o de James Gandolfini, o
capo de Família Soprano. A cada capítulo, ele engorda sua conta bancária em
800.000 dólares. Para chegar a essa marca, entretanto, o ator teve de jogar
pesado e quase se retirou da atração. Ganhos assim mais, digamos, sensatos são
hoje regra, não exceção. Veja-se Kiefer Sutherland, o agente Jack Bauer de 24
Horas. Sutherland já tinha uma carreira no cinema e, além de ser produtor
executivo de 24 Horas, é o pivô de toda a ação da série, que atinge ótimas
médias de ibope. Mas ele ganha 400.000 dólares por episódio. Com essas
credenciais, é provável que, nos anos 90, o mesmo trabalho lhe rendesse três
vezes mais. A questão é que, no cenário atual, Sutherland não está competindo
com outros nomes de igual ou maior calibre: está competindo com outros enredos.
Séries como C.S.I., Lost, Heroes, Desperate Housewives e Grey s Anatomy se
firmaram como campeãs de audiência sem ostentar nenhum nome que fosse, em si, um
chamariz. Ou seja: desde que a trama continue funcionando, qualquer ator ou
atriz pode, a rigor, ser considerado dispensável e/ou substituível – outra
máxima que Dick Wolf já pregava havia muito tempo.

Num artigo
publicado há poucas semanas, a revista Entertainment Weekly revelou que ainda há
executivos que não perderam os velhos hábitos. A publicação apurou que Zach
Braff, de Scrubs, passará a ganhar 350.000 dólares por episódio, embora sua
série ocupe um longínquo 94º lugar no ranking de audiência. Motivo: a televisão
americana está fervilhando de tal maneira que os produtores temem vir a ficar
sem talentos suficientes para preencher todas as atrações que querem tirar do
papel. Outro motivo: hoje, não só o ibope entra na equação. Vendas de reprises a
outras emissoras (que deu a Seinfeld estimados 225 milhões de dólares), vendas
para exibição no exterior (para se ter uma idéia, cada episódio de Desperate
Housewives negociado no mercado europeu vale 2 milhões de dólares) e rendimentos
em DVD (fatia considerável do faturamento de redes como a HBO) são variáveis
cada vez mais importantes na hora de acertar um salário. Por sua série ter
ótimas notas em todos esses quesitos é que o elenco de Grey s Anatomy, por
exemplo, está prestes a conseguir aumentos vultosos, da ordem de até 125.000
dólares, antes mesmo que finde seu contrato – pelo qual a maioria dos atores
ganha de 30.000 a 50.000 dólares por episódio. No geral, porém, a briga de um
ator por seu cachê anda mais encarniçada do que nunca. Agora só resta esperar
que também o cinema americano aprenda essa lição.


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