O Estado de São Paulo, CADERNO 2, Quarta-feira, 9 agosto de 2006

A pintura brasileira que
se reinventou

Em Pincelada, é possível conhecer a produção de
nomes-chave dessa arte.

Camila Molina

Quando o russo Kasimir Malevich (1878-1935) criou a série suprematista
Branco sobre Branco, entre 1917 e 1918, ele sinceramente pensou que a pintura
se esgotaria, como diz o curador Paulo Herkenhoff.
“Rompi a barreira azul das fronteiras da cor e desemboquei no branco. Atrás de
mim meus colegas pilotos nadam na brancura”, declarou o artista, porque
delinear quadrados brancos sobre um fundo branco foi um ato que criou um
impasse na pintura – depois disso, o que mais poderia ser feito? “A pintura
teve de se reinventar”, diz ainda Herkenhoff e,
claro, ela não morreu, assim como há tempos, desde o surgimento da fotografia,
sua morte vem sendo especulada.

Mas a pintura se reinventou, se reinventa, num processo natural
e gradual. Foi ela a escolhida para ser a estrela única da mostra Pincelada,
que será inaugurada hoje no Instituto Tomie Ohtake. Com curadoria de Herkenhoff,
a exposição trata desse gênero complexo, carregado de “inatualidade
– termo usado pelo curador para dizer que a pintura “independe de um começo,
existe estruturalmente, se projeta para o futuro” -, focando a produção
brasileira a partir da década de 1950 até a década seguinte. “É o momento do
pós-guerra, que o artista brasileiro se liberta do compromisso nacionalista do
modernismo, faz pintura com autonomia”, afirma o curador. A partir desse dado
mais histórico, o que salta aos olhos, em conjunto, é a própria pintura mesmo
como meio: através do fazer do artista, nos vemos imersos no processo de cada
criador – estão nas obras toda a carga de materialidade, cores, efeitos de
luminosidade e gestos.

Pincelada ocupa as três grandes salas do Instituto Tomie Ohtake. Reúne
mais de uma centena de obras
para tratar a pintura realizada no Brasil
de uma forma ampla. Sim, a pintura, esse meio tão caro a Herkenhoff,
como ele mesmo diz, é um meio complexo, mas o público leigo, garante o curador,
terá disponível textos muito didáticos nos espaços
expositivos.

Na primeira sala dão boas-vindas aos visitantes obras em que os
artistas adentraram o campo da abstração – mas não o campo da abstração
geométrica, concretista. “São artistas que fazem a passagem gradual para o
abstrato”, diz o curador, ou que, quando voltam para a figuração, fazem uma
“figuração fantasmagórica”. Herkenhoff mostra uma
tela de Manabu Mabe, da
década de 1960: “Seu gesto de pintar se faz como a escritura de um ideograma no
espaço”, diz o curador sobre a pintura abstrata informal do artista. Depois,
aponta outra de Yolanda Mohalyi, “especializada em
cor”; uma pintura construída com terra de Arthur Luiz Piza;
obras de Antonio Bandeira, artista que “pinta através da gravidade”; e as
“pinturas cegas” de Tomie Ohtake,
feitas de olhos vendados. São exemplos de modos de fazer até se chegar ao
centro da sala, onde dialogam pinturas de Iberê
Camargo, Ivan Serpa e uma obra de Alberto da Veiga Guignard (a mostra é pontuada
pela participação de quatro modernistas que estiveram para além do chamado
“regionalismo” do movimento moderno – além de Guignard, Flávio de Carvalho,
Cícero Dias e Lasar Segall).

Em cada uma das salas o curador faz espécies de “salas
especiais” de alguns artistas-chave (leia quadro ao
lado). Na primeira, o escolhido é Iberê, representado
por um conjunto de oito telas da década de 1960, do período de sua “potência,
quando atinge a maturidade”, diz Herkenhoff. “É o Iberê material, gestual, que frente a frente
com a tela quer pintar, descarnar um ser vivo
.” Ao lado de Iberê estão duas grandes telas da Fase Negra de Serpa, de
1964 – desde a década de 1960, elas não eram exibidas.

Na segunda sala estão os concretistas, da
abstração geométrica realizada pelos integrantes do paulista Grupo Ruptura

(da objetividade absoluta) e do carioca Grupo Frente, cujos integrantes
caminharam para o chamado neoconcretismo, que
“reivindica a participação do sujeito”. Um objeto ativo de Willys
de Castro faz o espectador se movimentar para ver todas as suas faces; ao mesmo
tempo, da pintura para a criação dos Bolides, Hélio
Oiticica incita que o visitante “olhe com todos os sentidos” – pode manusear a
obra.

Na terceira sala, por fim, está a “geometria sem manifesto”
presente na obra de artistas que “renovam a tradição clássica da pintura”.
Maria Leontina faz paisagens geométricas; Rubem
Valentim “converte a herança africana numa escrita simbólica abstrata”; Milton Dacosta cria naturezas-mortas apenas com linhas ou castelos
com o empilhamento de pequenos quadrados.

(SERVIÇO)Serviço Pincelada – Pintura e
Método, Projeções da Década de 50. Instituto Tomie Ohtake. Av. Faria Lima, 201,
2245-1900. 3.ª a dom., 11 h às 20 h. Até 24/9. Abertura hoje, às 20 h, para
convidados


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