O Estado de São Paulo, ECONOMIA & NEGÓCIOS , Domingo, 13 agosto de 2006

Afinal, o que é
globalização?

Alberto Tamer*

Sim, afinal, o que é globalização que tantos criticam sem
conhecer, e quais são os seus efeitos sobre a soberania nacional, o Estado?

O Prêmio Jabuti de Economia, Administração, Negócios e Direito
deste ano contemplou um livro que, decididamente, vai se constituir num
clássico na área do Direito e das relações internacionais: A humanidade e suas
fronteiras – do Estado soberano à sociedade global de Eduardo Felipe Pérez
Matias, doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo e mestre
pela Universidade de Paris II.

São 556 páginas em que, numa linguagem acessível, o autor
divide bem os temas jurídicos, como o conceito de Estado soberano e os
relativos à economia internacional, com especial destaque – daí a sua
importância atual para o Brasil – ao papel das organizações internacionais.
Tudo com históricos e exemplos que servirão para professores, estudantes e quem
quiser entender o que lêem hoje nos jornais.

"A globalização não deve ser analisada pelo que é – um
fato -, mas pelos efeitos que produz sobre os Estados e a sociedade. Não é nem
má, nem boa. É uma oportunidade, que os países podem aproveitar ou não. Mas,
para tirar proveito da globalização, há um trinômio fundamental: comércio
exterior, segurança jurídica e educação", responde ele já derrubando
preconceitos generalizados e exaustivamente divulgados que provocam
manifestações, às vezes, corretas, mas em sua maioria absurdas.

COMÉRCIO E ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

O livre comércio tem, sem dúvida, seus benefícios. "No
entanto, tanto o multilateralismo comercial quanto a
integração regional exigem instituições fortes capazes de fazer valer as regras
dos acordos firmados entre os Estados." Quanto ao comércio multilateral,
lembra Matias, temos o exemplo da Organização Mundial do Comércio (OMC).

E ESTA DOHA ETERNA?

"Apesar das dificuldades enfrentadas na Rodada Doha", afirma Matias, "o multilateralismo
comercial continua sendo o melhor caminho. Permite os melhores resultados para
os países membros, pois eles podem sempre recorrer ao sistema de solução de
controvérsias da OMC. Para mim, o Brasil precisa
insistir nesse caminho, sem, no entanto, correr o risco de ser deixado para
trás pela proliferação de acordos bilaterais entre os países do mundo,
principalmente, entre os EUA e outros países da América Latina, como é hoje o
caso do Uruguai, que se sente prejudicado no Mercosul. Na verdade, todos perdem
com a fragmentação do comércio mundial."

MERCOSUL E VENEZUELA

Em segundo lugar, temos a integração regional. E, também nesse
caso, é fundamental haver instituições sólidas para obter bons resultados. Mas
aqui, pergunta a coluna, o sistema não é mais frágil,
falho?

"Sim, o processo de integração, no caso do Mercosul, é
marcado pela incerteza, resultante muitas vezes do próprio modelo escolhido. A
entrada da Venezuela, embora comercialmente possa ser encarada como um fator
positivo, contribui para o aumento dessa incerteza. Por quê? Ao insistir em um
modelo predominantemente intergovernamental, o
Mercosul avança ou recua de acordo com a vontade imediata dos governantes dos
países membros. Nesse modelo, as disputas tendem a ser
resolvidas
por negociação, embora seja possível instaurar uma arbitragem
cujo resultado, após o Protocolo de Olivos, pode ser
submetido à revisão de um Tribunal Permanente. É talvez essa certa insegurança
institucional que traz o medo de que, com a entrada da Venezuela, o Mercosul se
politize e deixe de ser economicamente interessante; e isso, principalmente, se
vier a abandonar o modelo de regionalismo aberto que seguiu até hoje."

Nesse aspecto, Matias é muito claro: "A posição anti-EUA e antiglobalização
de Hugo Chávez só contribui para esse receio, essa
insegurança, principalmente, tendo em vista os movimentos recentes de
aproximação do Mercosul com outros blocos, como a União Européia. Veja,
curiosamente a Venezuela retirou-se de um bloco – a Comunidade Andina das
Nações, cuja proposta de integração era mais aprofundada do que a do
Mercosul".

PODE SER UM RISCO

Eduardo Matias adverte que a globalização pode representar
também um risco quando o enfraquecimento do Estado abre oportunidade para que
interesses privados prevaleçam sobre os interesses públicos. É isso que explica,
em parte, a resistência e os protestos que esse processo enfrenta.

Ele explica que, embora a globalização tenha raízes no passado,
alcançou intensidade inédita, graças em grande parte à revolução tecnológica. E
esta, por sua vez, reduz a efetividade do poder estatal. Quando os Estados não
conseguem, por exemplo, proibir atividades ilegais na internet,
diminui o seu controle sobre seu território e sua população.

A revolução tecnológica contribui também para o fortalecimento
das empresas transnacionais e dos mercados financeiros, reduzindo o poder de
controle dos Estados que, lembre-se, sempre tiveram o papel de reguladores da
atividade econômica dentro de seu território.

Além disso, acrescenta Matias, "a globalização produz
conseqüências sobre a autonomia do poder estatal. A necessidade dos Estados de
atrair capital leva a que investidores possuam enorme poder de pressão. Isso
pode impedir a adoção, pelos Estados, de certas políticas econômicas condenadas
por esses atores privados. O custo de oportunidade de fechar as portas para a
globalização é muito alto – e, por isso, não participar desse processo deixa de
ser encarado como uma opção viável."

Nesse contexto, afirma Eduardo Matias, "compreender os
reais efeitos da globalização e imaginar mecanismos institucionais que permitam
que o interesse da maioria prevaleça e que o poder seja exercido de forma
efetiva e legítima é um dos maiores desafios da sociedade global que está
surgindo".

Resumindo, sem entender efetivamente o que é a globalização e
seus efeitos, o que vem acontecendo no mundo todo, o governo brasileiro corre o
risco de cair na onda do ceticismo e perder uma grande oportunidade que outros
países estão aproveitando.

*Email: at@attglobal.net


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