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Folha de São Paulo, Cotidiano,  sábado, 06 de dezembro de 2008


Aluno de escola estadual terá 80 aulas de
história a menos

Gestão Serra mudou grade do ensino médio para incluir sociologia no
currículo

Aula de sociologia é uma exigência prevista em lei federal; São Paulo
alega que não é possível aumentar a jornada dos alunos

FÁBIO TAKAHASHI, DA REPORTAGEM LOCAL

A Secretaria Estadual da Educação de São Paulo decidiu diminuir a carga
horária de história no ensino médio, como forma de compensar a inclusão de
sociologia no currículo e a ampliação de filosofia, exigências previstas em lei
federal.

Com a medida, os alunos do ensino público diurno terão 80 aulas a menos de
história, considerando os três anos letivos (redução de 22,2%). No noturno,
serão 120 aulas a menos (redução de 37,5%). O cálculo da Folha tem base
no mínimo de 200 dias letivos ao ano (40 semanas), previsto em lei.

O acréscimo de sociologia e o aumento de filosofia são exigências de uma
lei sancionada pela gestão Lula (PT) em junho.

Ela prevê que as duas disciplinas sejam dadas nos três anos do ensino médio
(SP não possuía sociologia na grade e não havia filosofia no terceiro ano).

A norma, porém, não estabelece como deve ser feito o acréscimo. O modelo
escolhido pelo governo Serra (PSDB) para o próximo ano letivo foi publicado
quarta-feira da semana passada no "Diário Oficial".

Com o currículo utilizado em 2008, os alunos do ensino médio diurno têm
três aulas semanais de história nos três anos do antigo colegial (360 aulas da
disciplina no período).

Em 2009, o primeiro ano continua igual, mas haverá redução para duas aulas
semanais da matéria no segundo e terceiros anos (total de 280).

Como base de comparação, um aluno do Vértice (apontado no último Enem como
a melhor escola particular do Estado) terá, ao fim do ensino médio, 572 aulas de
história.

Nos dois primeiros anos do ensino médio, o Vértice oferece, por semana,
quatro aulas de história (são 40 semanas de aula). Na terceira série, o aluno
assiste a seis aulas da disciplina por semana (são 42 semanas).

O último ano é integral.

Se de um lado caiu o número de aulas de história na rede estadual, os
estudantes passarão a ter uma aula semanal de sociologia no primeiro e segundo
anos e duas na última série.

A carga horária total do ensino médio não sofreu alteração, só houve
mudança na distribuição das matérias: além de história, houve redução também nas
aulas de educação física e geografia no diurno, e de língua estrangeira (em
geral, inglês ou espanhol) no noturno (que possui a maioria dos alunos).

"Por conta da lei federal, tivemos de nos adaptar, pois não há espaço para
ampliar a jornada.

Estudamos o assunto e entendemos que essa foi a melhor opção", disse à
Folha
a secretária da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro.

"Nossa prioridade foi não diminuir língua portuguesa e matemática, que são
a base para tudo. História tem muitos assuntos transversais com sociologia e
filosofia", disse.

"A intenção era que houvesse uma ampliação do currículo.

O ensino médio não pode ficar emparedado por limitações de horário",
afirmou o presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional da
Educação, Cesar Callegari.

A lei federal, proposta pelo deputado Ribamar Alves (PSB-MA), reforçou uma
resolução do conselho de 2006. A reportagem não conseguiu contato com o
congressista para comentar a opção de São Paulo. Procurado pela Folha, o
Ministério da Educação disse que cabe aos Estados decidir como implementar a
nova regra.


Colaborou FERNANDA CRANCIANINOV, da Redação

Não é
fácil construir escolas, diz secretária

Maria Helena afirma que não
há vagas na rede estadual para ampliar a jornada dos alunos por conta da
inclusão de novas disciplinas

Secretária ainda diz que a
rede escolar não tem número suficiente de professores de sociologia para atender
à demanda

DA REPORTAGEM LOCAL

A secretária da Educação de São
Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro, afirma que não é viável aumentar a
jornada escolar do ensino médio no curto prazo para acomodar as novas
disciplinas. Para a secretária, que é socióloga formada na Unicamp, a inclusão
de matérias por meio de leis deixa o currículo "deformado".

(FÁBIO TAKAHASHI)

 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif

FOLHA – Em vez de
substituir disciplinas, por que o Estado não aumenta a jornada dos alunos?

MARIA HELENA GUIMARÃES DE
CASTRO
– Isso não é viável no curto
prazo. A jornada no ensino médio é de cinco horas e vinte minutos. O turno da
manhã quase emenda com o da tarde, que quase emenda com o da noite.

Em países onde a jornada passa
das seis horas, como a França, os estudantes entram às 9h e saem só depois das
15h, é praticamente um turno só.

Não temos vagas para isso.

FOLHA – O problema não se
resolveria com construção de escolas?

MARIA HELENA
– Não se constrói escolas para dois milhões de
alunos da noite para o dia. Mas podemos pensar em ampliação da jornada no médio
prazo.

FOLHA – A rede possui
número suficiente de professores de sociologia para atender à nova demanda?

MARIA HELENA
– Não. Temos hoje 127 efetivos na rede, creio que
precisaremos de uns 800 aproximadamente. Estamos com um concurso aberto para
temporários.

Pretendemos abrir concurso para
efetivos, mas esse processo demora cerca de sete meses. A lei foi sancionada em
junho. Tivemos de correr para definir a organização do currículo, o que será
dado. Não deu tempo para fazer o concurso.

FOLHA – E o que ocorrerá
com os professores de história, disciplina que será reduzida em 2009?

MARIA HELENA
– Hoje temos um déficit, trabalhamos com
temporários. Com a mudança, esse número diminuirá.

FOLHA – O que a sra. acha
de incluir disciplinas por meio de leis?

MARIA HELENA
– Acho complicado. Cada hora é uma coisa para
colocar. É sociologia, filosofia, música. Me parece que tramitam outras
propostas, como empreendedorismo. O currículo fica deformado.

FOLHA – E o que a sra.
acha da lei que incluiu a sociologia?

MARIA HELENA
– A sociologia traz uma visão de problemas
sociais, que podem ajudar o aluno a entender a história, por exemplo, e a
melhorar a relação dele com a sociedade.

Na nossa proposta, haverá desde
temas mais conceituais, com o uso de textos clássicos, até aspectos como a
organização política brasileira.

entrevista

Para
filósofo, o pensamento crítico pode ser formado pelas duas matérias

TALITA BEDINELLI, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Coordenador de graduação do
curso de filosofia da USP, Marco Aurélio Werle acredita que o ideal seria haver
um equilíbrio entre história e filosofia.

No entanto, ele considera que a
diminuição das aulas de história no currículo será suprida pela inclusão da
filosofia, já que ambas levam o pensamento crítico ao aluno.

FOLHA – O que achou da
inclusão das duas disciplinas?

MARCO AURÉLIO WERLE
– Acho importante que haja filosofia no
ensino médio. A filosofia e a sociologia têm o objetivo de propiciar uma
formação humanista para os adolescentes. É importante que elas estejam
presentes, mas não necessariamente implicando a saída de outras disciplinas das
humanas. O ideal seria conciliar, de modo que cada uma esteja bem representada.

FOLHA – A filosofia não
supriria a falta da história?

WERLE
– Acho que sim. Inclusive, a filosofia não pode ser
estudada sem a própria história da filosofia. O estudo da filosofia remete
necessariamente ao estudo do pensamento histórico.

Tanto é que em nosso curso da
graduação temos cinco histórias da filosofia. Supõe-se que o aluno [da
graduação] que vai dar aula no ensino médio também enfoque a filosofia do ponto
de vista histórico. As duas estão próximas. O importante é que se leve o
pensamento crítico ao aluno. E esse pensamento está nas duas disciplinas.

FOLHA – No que a falta de
filosofia prejudicou os alunos?

WERLE
– Prejudicou na formação do pensamento crítico.

Nessas últimas décadas se tem
insistido muito que o aluno tem que ter informação, mas não se procura fazer com
que ele pense, analise tudo isso. Na nossa sociedade, nos últimos dez anos, tem
se dado uma especial atenção a profissionais que saibam analisar. Por isso a
filosofia voltou à grade.

FOLHA – Existem
professores suficientes para a mudança?

WERLE
– Temos poucos cursos que formam licenciados em
filosofia. E o aluno, muitas vezes, acaba havendo outras chances profissionais.
O magistério não é muito atraente, porque o salário é muito baixo. No início vai
ter falta de professores.

entrevista

Retirar
disciplina da grade curricular é um "erro crasso", diz historiadora

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Para a historiadora Maria
Aparecida de Aquino, professora do Departamento de História da USP, a retirada
de aulas de história da grade curricular é um "erro crasso", que mostra que,
para a Secretaria da Educação de São Paulo, a disciplina é menos importante. O
ideal seria a ampliação da grade horária, inclusive com um ano de ensino médio a
mais no período noturno.

(TB)

FOLHA – O que a sra. achou
da inclusão das duas disciplinas?

MARIA APARECIDA DE AQUINO
– Sou favorável à existência de
filosofia e sociologia dentro dos currículos. Estudei em uma época em que
tínhamos uma modalidade de ensino mais clássico, com filosofia em todos os anos.

Foi uma herança do regime
militar tirar essas aulas. Foram absurdos cometidos ao longo dos anos que,
evidentemente, precisam ser corrigidos.

FOLHA – E o que achou de
reduzir as aulas de história?

MARIA APARECIDA
– Não se pode fazer essa continha de somar e
extrair. São retiradas normalmente disciplinas consideradas menos importantes.
Então, teoricamente, história acaba sendo considerada menos importante no
currículo, o que é um absurdo completo e total.

FOLHA – E como resolver?

MARIA APARECIDA
– Poderia ser colocada mais uma aula por dia
ou ampliar o curso noturno em um ano.

FOLHA – No que a medida
prejudica o aluno?

MARIA APARECIDA
– História é a ciência que localiza o homem
dentro da temporalidade. Faz com que ele tenha noção de se perceber no mundo em
que vive, [ensina a] fazer comparações com outros tempos, trazer o passado para
o presente e criar ensinamentos para o futuro. É, portanto, uma disciplina
fundamental para a formação de qualquer cidadão em qualquer lugar do mundo.
Tirar aulas de história é tirar a formação do espírito crítico.

FOLHA – Aulas de filosofia
e sociologia não supririam isso?

MARIA APARECIDA
– São coisas diferentes. A aula de história
tem uma outra finalidade. Cada qual tem seu espaço no pensamento e na formação
do conhecimento do aluno. Retirando uma, retira-se um espaço da formação.

Categorias: História

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