Folha de São Paulo, Ciência, sexta-feira, 02 de abril de
2010
Aos 10, genoma está longe das clínicas
Uma década após leitura completa do DNA humano, cientistas relatam
dificuldade para usar os dados contra doenças
Desde 1999, custo para ler genoma despencou, mas a interação entre os
genes e as doenças se mostrou mais complexa do que o esperado
REINALDO JOSÉ LOPES, DA REPORTAGEM LOCAL
Os estudos sobre o genoma humano viraram, de certa maneira, vítimas de seu
próprio sucesso. Perto do aniversário de dez anos do anúncio da primeira leitura
completa do DNA humano, cientistas afirmam que a capacidade de soletrar o
material genético alcançou velocidades inéditas, embora ainda seja difícil usar
esses dados para prevenir e tratar doenças.
Por isso mesmo, novos artigos dos americanos Francis Collins e Craig Venter
na revista "Nature" soam como um novo adiamento das promessas médicas da leitura
do genoma.
Collins, hoje diretor dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, chefiou o
Projeto Genoma Humano pago com dinheiro público. Já Venter, agora no Instituto
J. Craig Venter, na Califórnia, liderou o projeto privado que "empatou" com o de
Collins ao produzir uma leitura alternativa do genoma.
Uma década após esse momento de glória, está cada vez mais fácil ler o
genoma humano. Hoje, um genoma humano inteiro sai por US$ 5.000, algo que
facilita a identificação de genes ligados a doenças. "Entre 1999 e 2009, ficou
14 mil vezes mais barato", diz Collins.
"Em 1989, tivemos sucesso na busca pelo gene da fibrose cística, após anos
de trabalho e um investimento de US$ 50 milhões. Hoje, esse projeto poderia ser
feito em poucos dias por um único pós-graduando com acesso à internet, amostras
de DNA, alguns reagentes baratos e um sequenciador."
O problema é que doenças como a fibrose cística, causadas por mutações num
único gene, são raras e pouco importantes para a saúde pública. Muito mais
difícil é esmiúçar a contribuição genética para doenças comuns, como diabetes,
câncer e problemas cardiovasculares.
Nesse ponto, a imensa quantidade de dados oriunda do genoma ainda não está
ajudando muito. "A tecnologia de sequenciamento do DNA avançou muito mais rápido
do que a nossa capacidade de interpretar os dados", diz Lygia da Veiga Pereira,
bióloga da USP.
"Agora é preciso que um exército de cientistas mundo afora estude cada
pedaço dos dados que já temos do genoma, num trabalho menos glamuroso, mas muito
importante."
Complexidade oculta
"Cada vez mais vemos quão complexo é o genoma", diz Emmanuel Dias Neto, do
Centro de Pesquisas do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. Um ponto importante
é a variabilidade entre as pessoas, diz ele, que inclui não apenas trocas de uma
única "letra" de DNA por vez como também o fato de que uma pessoa pode ter
várias cópias de um pedaço de DNA, enquanto outra tem apenas uma. "Como isso se
manifesta nas mutações que levam a um tumor? Não sabemos bem", diz.
Para Eloiza Tajara, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP),
outro esforço para que o genoma chegasse à clínica médica seria criar bancos de
dados dos pacientes com itens como uso de cigarro e álcool, alimentação e
estresse, para saber como genes e ambiente interagem nas doença.
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