BBC NEWS – UOL
EDUCAÇÃO
– 24/09/2018 – SÃO PAULO, SP

As lições
para a Educação do país em que
pedreiros
estudam por até 4 anos e ganham salários de R$ 20
mil

MARINA WENTZEL

Empregos
de base despertam grande interesse porque garantem uma boa renda

Adriane
Gischig foi à Suíça há 18
anos, levada pela paixão. No Brasil, ela cursava o
quinto semestre da faculdade de Direito e planejava transferir os
estudos para
a Universidade de Basileia para ficar próxima do namorado.
Os créditos já
cursados, porém, não foram reconhecidos e a
paulista se viu em uma
encruzilhada: recomeçar a faculdade do zero ou buscar uma
nova carreira.
Precisando conquistar sua independência financeira logo, ela
optou por fazer a
chamada `formação de aprendizagem`, mais curta,
com três anos de duração, e
entrar no mercado de trabalho.

Entre
aulas de alemão, tubos de ensaio e microscópios,
ela se reinventou como
assistente de laboratório. O treinamento vocacional exigiu
que ela trabalhasse
e estudasse ao mesmo tempo, sob a tutela do sistema educacional
público e do
empregador, uma multinacional farmacêutica.

Durante
a formação, recebia um salário mensal
de cerca de mil francos suíços (o
equivalente a R$ 4,3 mil). Ao concluir, foi efetivada com ganhos na
faixa de
cinco mil francos suíços (R$ 21,5 mil).

`Aqui
na Suíça, se você fizer um curso
técnico e se empregar, você ganha muito bem em
comparação com o Brasil. Não precisa
ser pós-graduado ou ter mestrado para
viver com conforto`, diz.

A
casa
com jardim, o carro e a possibilidade de viajar nas férias
com os dois filhos
são fatores de qualidade de vida que ela conquistou
inicialmente com a formação
de aprendizagem e depois com aperfeiçoamento.

Após
trabalhar como assistente de laboratório por mais de
três anos, Adriane decidiu
fazer um novo estudo. Com mais quatro anos e meio de
dedicação, ela conseguiu
se formar na Escola Superior de Administração. Ao
longo desse tempo, avançou na
empresa, passando a agente de compras até chegar no
departamento de finanças,
onde já está há seis anos.

`Os
suíços não têm preconceito
se um profissional não tem faculdade. Isso só
existe
no Brasil. Não existe discriminação
justamente porque aqui todo mundo vive bem,
independentemente de como você se formou`, diz, sem lamentar
o sonho abdicado
de se tornar advogada e reafirmando que não se arrepende de
trocar a
universidade pelo aprendizado técnico.

`No
Brasil, tenho vários amigos e colegas formados em Direito
que não trabalham na
área ou estão desempregados`, pondera.

Educação
contínua e porta para mercado

Na
Suíça, o sistema de
formação de aprendizagem é amplamente
estimulado, e cerca
de dois terços dos estudantes optam por esse caminho, que se
segue aos 11 anos
de ensino compulsório, começando no jardim de
infância, passando pela escola
fundamental até a intermediária.

Mais
de
250 profissões estão disponíveis por
meio desse sistema de aprendizado, que
propicia contato desde cedo com o mercado de trabalho. O tempo de
formação
depende da carreira escolhida, mas o mínimo é de
dois anos, podendo chegar a
quatro.

Pelo
sistema de formação de aprendizagem
são ensinadas ocupações como padeiro,
açougueiro, cozinheiro, vendedor, operador de
máquina, enfermeira, pintor,
cabeleireiro, bombeiro e outros postos práticos.

A
formação profissionalizante serve não
só como porta de entrada para o mercado
de trabalho, como também é base para uma
educação contínua que pode se estender
pela vida toda.

As
aulas são intercaladas com treinamento praticado em
construtoras,
supermercados, restaurantes, lojas, hospitais, laboratórios
e fábricas. As
empresas que no futuro contratarão esses profissionais
dividem com os governos
local e nacional a responsabilidade pela
implementação do currículo que foca em
habilidades práticas.

Os
que
concluem com sucesso recebem, normalmente, uma oferta de emprego da
companhia
onde treinaram e um diploma com validade nacional, o que os permite ter
acesso
a novos cursos, avançando na
especialização da área que escolheram.

Se
depois de formados os aprendizes quiserem mudar de profissão
e seguir para um
instituto superior politécnico ou ir à
universidade, é possível, mas é
necessário fazer um rigoroso estudo complementar de
transição.

Profissões
valorizadas e bons salários

Os
empregos de base que estão acessíveis por meio de
aprendizagem despertam grande
interesse porque garantem uma boa renda. Na média, esses
profissionais recebem
por mês algo entre R$ 21.500 e R$ 25.850 (de 5 mil a 6 mil
francos suíços).

Um
pedreiro, por exemplo, ganha por mês na
Suíça, em média, 5,5 mil francos (R$
24
mil), um marceneiro, 5,1 mil francos (R$ 22,2 mil) e um
mecânico, 5,8 mil (R$
24,9 mil). Nessas mesmas profissões, a média
salarial no Brasil é de R$ 1.640
para pedreiros, R$ 1.550 para marceneiros e R$ 1.530 para
mecânicos de
automóveis.

O
curso
básico de aprendizagem de formação
para pedreiro, marceneiro e mecânico dura
dois anos na Suíça. É
possível também estudar por três a
quatro anos e receber
uma qualificação avançada nessas
profissões, o que garante um salário ainda
maior.

O
fato
de os estudantes já estarem inseridos ativamente na economia
faz com que a taxa
de desemprego entre a população jovem da
Suíça seja de apenas 4%. Além disso, a
evasão escolar é baixa, pois mais de 90% dos
inscritos conseguem concluir com
sucesso o programa.

Universidade
para poucos?

Stefan
Wolter, professor de economia na universidade de Berna dedicado ao tema
da
Educação, alerta que o excesso de pessoas com
formação superior leva não apenas
ao desemprego, mas também deprecia o salário dos
que estão ativos no mercado.

Wolter
desaconselha jovens com perfil acadêmico fraco a buscarem
obter um diploma
universitário a qualquer custo, recorrendo a universidades
pagas e sem
credibilidade.

`Nos
Estados Unidos há pesquisas que mostraram que essas
faculdades que só querem
lucrar causam um impacto negativo. Lá, na média
para cada ano a mais que você
estuda, você ganha entre 8% e 10% a mais de
salário. Mas se você for para uma
universidade sem prestígio, o impacto será
negativo mesmo assim. Você acabará
acumulando dívidas do financiamento educacional`, alerta.

O
especialista destaca que a realidade da Suíça
é bem diferente da do Brasil, em
que há muito poucas alternativas à universidade
para o jovem que quer continuar
a estudar, em busca de aprimoramento e melhores salários.

`No
Brasil, a alternativa que se tem a ir à universidade
é zero. Você não recebe
nenhuma educação decente se não for
à universidade`, diz.

O
economista argumenta que os brasileiros menos qualificados, que muitas
vezes acumulam
anos de déficit de aprendizagem ao longo da
educação básica, acabam se formando
com notas sofríveis em instituições
ruins e não conseguem se posicionar na sua
profissão em um mercado de trabalho já saturado e
muito competitivo. Para
esses, teria sido melhor fazer um treinamento vocacional. `É
um desperdício de
capital humano`, lamenta Wolter.

Adultos
qualificados

Na
Suíça, cursam uma aprendizagem profissionalizante
cerca de 220 mil pessoas, a
maior parte delas (205 mil) em currículos de três
ou quatro anos. Segundo a
OCDE (Organização para o Desenvolvimento e
Cooperação Econômica), a
Suíça é um
dos países com maior número de adultos
qualificados por meio de prática
profissionalizante na Europa.

A
força
de trabalho do país (adultos de 25 a 65 anos)
está dividida desta maneira:
12,6% só concluíram o ensino fundamental, 46,2%
tem formação profissionalizante
secundária e 41,2% têm
formação avançada
terciária, que inclui o ensino
superior.

A
diretora do departamento de estatística da UNESCO, a
agência da ONU que lida
com o tema da Educação, explica que o grande
desafio no mundo hoje é, antes de
mais nada, garantir competências de base para que a
educação secundária
vocacional seja uma consequência natural. Segundo ela,
há uma crise global no
ensino primário.

`No
mundo todo, 6 de cada 10 alunos não é capaz de
demonstrar o mínimo de
conhecimentos em leitura e matemática. São 617
milhões de crianças iletradas.
Imagine três vezes a população do
Brasil sendo incapaz de ler e de demonstrar
conhecimentos de matemática`, alerta.

`Esse
desperdício de capital humano nos diz que colocar as
crianças em sala de aula é
apenas metade da luta. Agora o desafio é garantir que toda
criança em sala de
aula esteja aprendendo as habilidades mínimas
necessárias para leitura e matemática`,
diz a diretora do departamento de estatística da UNESCO,
Silvia Montoya.

Pelos
números da UNICEF, no caso do Brasil, há 1,5
milhão de crianças e jovens fora
das escolas. São 772 mil na educação
primária e 740 mil na educação
secundária.
É para esse segundo grupo, os adolescentes em
formação secundária, que o modelo
suíço serviria.

Jovens
sem estudo no Brasil

Segundo
dados do IBGE em 2017, havia cerca de 25,1 milhões de
pessoas de 15 a 29 anos
de idade que não alcançaram o ensino superior
completo e não estavam nem
estudando, nem se qualificando – os chamados `nem-nem`. Desse grupo, a
maioria
era homens (52,5%) e negros (64,2%).

Os
motivos mais frequentemente alegados para estarem longe dos estudos
eram porque
trabalhavam, procuravam trabalho ou conseguiram trabalho e
começariam em breve
(39,7%); não tinham interesse em estudar (20,1%); e tinham
que cuidar dos
afazeres domésticos ou de pessoas (11,9%).

O
professor Wolter acredita que esses jovens deveriam melhorar suas
capacidades
sem abrir mão do trabalho, mas há uma `falta de
coordenação` entre o mercado e
as instituições de estudo. `É um
problema `ovo-galinha“, que impede que o
Brasil acumule mão de obra de base com excelência.


uma
falta de empresas com disponibilidade para investir e que poderiam
sustentar um
programa de treinamento qualificado ambicioso como o modelo
suíço, diagnostica
Wolter. Ele recomenda que o governo atraia investidores da iniciativa
privada
internacional para tentar estimular uma
transformação.

No
Brasil, o sistema de parceria entre empresas e governo existe dentro do
programa Pronatec (Programa Nacional para o Acesso ao Ensino
Técnico e Emprego)
e dos cursos FIC (Formação Inicial Continuada).
Para se formar em um curso de
formação continuada, o aluno brasileiro precisa
atender apenas 350 horas de
aulas, e no curso técnico, 800 horas.

Na
Suíça, o mínimo é de dois
anos de estudo.

Qualidade
e acesso a todos

Se no
Brasil existe a preocupação em evitar que o
acesso ao ensino superior fique
restrito à elite, na Suíça isso
não é um problema. Lá, a qualidade da
educação
básica é boa e rigorosa para ricos e pobres, que
estudam nas mesmas escolas
públicas, explicam os especialistas.

E
é
durante os anos do ensino básico, com base em exames na
6ª série, que ocorre a
seleção entre os que irão à
universidade. O sistema de avaliação premia
não só
os alunos brillhantes, mas também os muito disciplinados.

Além
disso, o ensino técnico não é o fim
dos estudos. Quem se forma em educação
técnica pode mais tarde fazer um curso que leva de um a dois
anos, chamado de
`passarela`, para o ensino superior. Muitos optam por não
fazer, no entanto,
porque já têm um bom retorno financeiro com a
profissão técnica.

`Justamente
porque o treinamento vocacional na Suíça
é tão bom, não há uma
grande
discrepância salarial frente aos que possuem diplomas
universitários. É uma
alternativa viável, porque a qualidade do ensino
é praticamente quase tão boa
quanto de uma faculdade`, diz.

A
brasileira Adriane concorda: `é uma
formação que me deu muito pra vida toda. Eu
aprendi demais`.

Preparando
profissionais do futuro?

Por
outro lado, se o Brasil estimular excessivamente os cursos de
aprendizado,
poderia vir a sofrer um `apagão` de
universitários? O advogado e político
argentino Gustavo Beliz, que estuda o fenômeno da Quarta
Revolução Industrial,
diz que é indispensável seguir investindo em
profissões de nível universitário.

`A
inteligência artificial permitirá a
criação de muitos empregos que ainda
não
existem, como especialistas em agricultura vertical, antropologistas do
cyberespaço, auditores da economia compartilhada. Temos que
preparar as
próximas gerações para esse novo
mercado de trabalho.`

Mas,
segundo ele, as mudanças tecnológicas recentes
geraram uma tendência que é
justamente a intensificação dos extremos, com
ausência de capacitação em
nível
intermediário.

`As
mudanças no mercado de trabalho deram origem aos
fenômenos de esvaziamento e
polarização, um processo através do
qual o número de empregos de alta e baixa
qualificação cresce com o tempo, enquanto o
emprego de média qualificação
diminui devido aos diferentes impactos das mudanças
tecnológicas`, explica.

`Isso
aponta para duas necessidades: primeiro, o sistema educacional precisa
dar aos
jovens as ferramentas necessárias para entrar em um mercado
de trabalho cada
vez mais sofisticado. Segundo, ele precisa funcionar como um nivelador
social,
para evitar que a desigualdade e a fragmentação
social se tornem ainda mais
intensas.`

Beliz
ressalta que os trabalhadores do futuro terão de focar
principalmente nas `habilidades
interpessoais` para não perder o emprego para as
máquinas, investindo em
habilidades como a `inteligência emocional, a empatia e a
criatividade`.

Justamente
as profissões menos valorizadas no Brasil poderiam ganhar
destaque no futuro da
Quarta Revolução Industrial. `A
América Latina precisa começar a apostar no
fator humano, no talento. Paixão, comprometimento,
sacrifício, trabalho em
equipe e criatividade. Essas são as áreas que
superamos as máquinas`, afirma.

`Precisamos
preparar as novas gerações para esse novo mercado
de trabalho que poderá
demandar tanto treinamento vocacional, quanto acadêmico,
porque nós precisamos
de ambos`, conclui.



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