Folha de São Paulo, Opinião,
segunda-feira, 24 de julho de 2006
As profissões: I- Os jornalistas
JOÃO SAYAD
SEMPRE muito excitados, cabelo em desalinho, roupa amassada
como se tivessem acabado de assistir à Queda da Bastilha e estivessem atrasados
para cobrir o Grito da Independência.
"E aí?" é a primeira pergunta amigável, à espera de
resposta dramática: o imperador disse que "fica"; ou Getúlio acabou
de dar um tiro no coração. O cotidiano é insuficiente para encher as páginas
diárias dos jornais.
Profissional, o jornalista tem missão sagrada -descobrir a
verdade sob a hipótese que o entrevistado e a versão oficial são mentirosos.
Usam duas estratégias diferentes. O repórter jovem e indignado faz perguntas
ofensivas na coletiva:
"É verdade que o senhor roubou?" Se o entrevistado
reagir ofendido, pergunta e resposta já bastam como
notícia.
O jornalista experiente senta-se humilde e embevecido à frente
do entrevistado: "Ministro, como é que o senhor virou ministro tão
jovem?". O ministro encontrou finalmente um ouvinte
interessado, respeitoso e compreensivo. Abre o coração, fala de
sucessos, fracassos e mágoas. Vira uma matéria espetacular
cheia de furos e de intrigas que se tornam fatos políticos. Como todo
profissional, o jornalista perde um pouco da sua humanidade.
Como os economistas, estão sempre indignados com o governo.
E o uso do dinheiro público, neste imenso país pobre, sempre é
notícia: as despesas com sabonetes do palácio, o preço do vinho servido no
banquete. A partir de Ralph Nader, empresas e
consumidores também viraram notícia. Mas jornalismo é atividade pública desde a
Revolução Francesa e das maldades inventadas sobre Maria Antonieta.
O jornalista é vítima de um sistema. Antes de sair, é pautado
pelas notícias dos outros jornais, às vezes tão importantes quanto o que
acontece de fato na rua. O quarto poder tem autonomia e vive, em parte, como
função de si mesmo.
Não escapa daquilo que comanda todos os sistemas, o dinheiro. A
notícia é uma mercadoria que, apesar da monotonia, tem de ser produzida todos
os dias, como pão francês. No limite, sempre será possível publicar uma
afirmação fora de contexto, fidedigna e falsa ao mesmo tempo, ou um escorregão
psicanalítico do personagem.
Imprensa livre é a parte mais importante da democracia. Seus
defeitos podem ser debitados, em parte, à triste realidade que desliza
silenciosa e calmamente; nosso pendor para maledicência; e ao profissionalismo
obrigado a fazer história onde a história parou. E, mais importante, ao debate
eleitoral de poucas idéias e muitas intrigas.
, JOÃO SAYAD escreve
às segundas-feiras nesta coluna.
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