Folha de São Paulo, Mercado, quinta-feira, 22 de março de 2012


ALEXANDRE HOHAGEN

Competência “glocal”

Latinos têm dificuldade de lidar com a
forma direta e muitas vezes com aspecto rude dos anglo-saxões

Dia desses conheci um candidato excelente para
ocupar uma de nossas vagas. Como nosso processo seletivo é bastante completo, as
entrevistas acontecem com várias pessoas de diferentes funções e locais para
garantir maior amplitude nas avaliações.

Ao receber os comentários dos demais
entrevistadores, observei que, pela segunda vez, um dos executivos nos Estados
Unidos gongou o excelente candidato friamente.

Nas palavras do meu colega, o candidato não
estava alinhado à cultura da empresa, pois o havia interrompido algumas vezes na
entrevista. Nossa cultura prega colaboração, transparência e respeito. E isso
parecia ser um sinal contrário ao que estávamos buscando.

Estabelecer uma companhia internacional em país
estrangeiro demanda, entre outras competências, o conhecimento das
características e culturas locais.

Muitos se lembram do desastre pelo qual passou
um provedor de internet que lançou suas operações no Brasil no início dos anos
2000 com a distribuição de CDs de instalação infectados por vírus virtuais.

Ou do restaurante que tentou repetir o sucesso
internacional com uma fórmula de frango frito que nada tinha de comum com o
gosto e a cultura do nosso país.

O avanço das empresas com plataformas globais
está obrigando os executivos a somar às suas competências de gestão o
conhecimento das diferenças culturais dos países onde querem atuar. O produto
pode ser global, a execução deve respeitar o local.

Muitas vezes, o sonho de paraíso
desburocratizado, impostos simplificados, cultura de inovação e produtividade e
mão de obra superqualificada não se aplica a diversos países. A experiência em
lugares como Dublin e Cingapura infelizmente não se aplica à nossa região. Aqui,
a complexidade é muito maior.

Para contestar o comentário do meu colega em
relação ao candidato -e para educar as equipes que participam dos nossos
processos de contratação-, preparei um relatório baseado num estudo do professor
Jan M. Ulijn, Ph.D. na Universidade de Eindhoven, na Holanda, que trata das
diferenças culturais na forma de comunicação entre os povos latinos e
anglo-saxões.

Nesse estudo, ele diz que, enquanto americanos,
alemães e holandeses consideram a interrupção um ato deselegante, os latinos
consideram essa uma maneira de lidar com vários temas em pouco tempo, o que leva
a constantes interrupções. Por outro lado, os latinos têm dificuldade de lidar
com a forma direta e muitas vezes com aspecto rude dos anglo-saxões. Em nenhum
dos casos há a intenção do desrespeito.

Não foi a primeira vez que tive que explicar
como funciona a cultura latina para evitar interpretações incorretas. Durante a
mais recente Copa do Mundo, alguns executivos norte-americanos insistiam em
agendar reuniões durante os jogos da seleção. Fotografei as ruas de São Paulo 15
minutos antes e 15 minutos depois do início dos jogos para mostrar a realidade
do país.

Todas as reuniões com o time do Brasil foram
canceladas durante os jogos e nem por isso os compromissos foram prejudicados.

Contratar pessoas é sem dúvida uma das
atividades mais importantes para o crescimento ou o estabelecimento de uma
operação de sucesso. A qualidade do time que se monta desde o início tem grande
impacto no futuro da organização.

Na HBO, há dez anos, minha função foi
reestruturar a operação de negócios e envolveu a contratação de uma série de
profissionais, muitos vindos de diferentes setores, com características e
competências complementares.

No Google, durante quase seis anos, calculo ter
entrevistado mais de mil candidatos para todas as funções da empresa.

Há cerca de um ano, na empreitada à frente do
Facebook, gasto grande parte do meu tempo conhecendo e entrevistando pessoas
para diferentes posições. Em todos os casos, o objetivo inclui montar um time
para fazer a operação crescer.

Isso só é possível com dedicação e envolvimento
das equipes. E, acima de tudo, um processo criterioso para buscar sempre os
melhores profissionais. Principalmente no momento inicial de uma empresa.

ALEXANDRE HOHAGEN, 44, jornalista e publicitário, é responsável
pelas operações do Facebook na América Latina. Em 2005, fundou a operação do
Google no Brasil e liderou a empresa por quase seis anos. Escreve às
quintas-feiras, a cada quatro semanas, nesta coluna.

 

 


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