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Folha de São Paulo, Dinheiro, domingo, 25 de novembro de
2007


Consumo contemporâneo é
fetichista e performático

Pessoa vai ao shopping não só para comprar, mas para se mostrar, diz
antropólogo

Italiano considera shopping center como "fábrica da contemporaneidade" e
afirma que tendência ultrapassa mercado de luxo

ISABELLE MOREIRA LIMA, DA REPORTAGEM LOCAL

O consumidor contemporâneo tornou-se performático. Ele
vai a um shopping center não apenas para comprar, mas para consumir comunicação,
para se mostrar, para encontrar as pessoas. Nesse sentido, o shopping center é a
"fábrica da contemporaneidade".

A tese é do italiano Massimo Canevacci, professor de
antropologia cultural da Universidade La Sapienza, de Roma, que esteve no Brasil
neste mês para apresentar palestra sobre a fetichização visual das marcas,
realizada pelo instituto Ipsos em parceria com a Aberje.

O fetiche, diz ele, está presente em quase toda a
publicidade, principalmente na das marcas de luxo. Esse é o tema do último livro
de Canevacci, que será lançado no Brasil no começo do ano que vem, pela Ateliê
Editorial, com o título provisório de "Estética da Comunicação Global". Leia, a
seguir, trechos da entrevista à Folha.  http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif

FOLHA – O sr. defende que o consumo passou por
modificações, fala em "consumo performático". O que isso significa?

MASSIMO CANEVACCI – Uma das diferenças
fundamentais da transição da era industrial para os dias de hoje está justamente
no consumo. Na época industrial, o consumo representava a etapa final da
produção. Hoje, o consumo não existe somente no sentido clássico-modernista de
coisas e mercadorias. Nos últimos 20 anos, o consumo virou produto de valores
econômicos ou de estilo de vida.

O consumidor contemporâneo é protagonista do consumo.
Uma pessoa não vai a um shopping center somente para comprar coisas, mas para
consumir comunicação, para se mostrar, para encontrar outras pessoas. Daí surge
a idéia de um consumo performático. E, nesse sentido, o shopping center assume o
papel de fábrica da contemporaneidade.

FOLHA – Qual o papel do fetiche no consumo
contemporâneo?

CANEVACCI – As empresas, nos últimos anos,
constroem um tipo de comunicação baseada nisso. O logotipo está na
espiritualização do fetiche. O "brand" se baseia em uma identidade fetichizada,
que as marcas mais significativas desenvolvem de maneira múltipla.

Não é uma monomarca. É uma polimarca, um tipo de produto
muito mais subjetivado. O desafio contemporâneo é justamente subjetivar o
produto. A subjetivação é uma fetichização. O produto não é mais um produto, mas
um ser.

FOLHA – De que maneira o fetiche transforma o
produto?

CANEVACCI – O fetiche tem uma enorme
potencialidade para cruzar o que era dividido, unir a dimensão orgânica à
inorgânica. O fetichismo visual contemporâneo faz essa mistura. No momento em
que eu compro uma coisa, essa não é uma coisa somente. É parte de um ser -eu a
coloco na minha identidade e a minha identidade muda. A tendência contemporânea
é ter uma "multiidentidade", o que chamo de multivíduo, isto é, vários "eus" em
um só, o que é diferente de "nós".

FOLHA – O sr. vê uma ligação forte entre fetiche e
consumo de luxo…

CANEVACCI – O consumo de luxo abriu essa
mistura de códigos fetichizados, baseados na arte e no erotismo contemporâneo.

Quando tudo foi misturado, foi aberta, por fim, uma
avenida na qual aparece também o produto aparentemente banal. É o caso da
Parmalat, que colocou no seio de uma modelo sua logomarca, um tipo de
fetichização mais simples, mas que ao mesmo tempo tem sedução erótica forte.

FOLHA – O fetiche é capaz de valorizar um produto?

CANEVACCI – Claramente aumenta o valor do
produto porque a sensibilidade de uma coisa que também é parte constitutiva da
minha corporalidade favorece uma atração forte do consumo contemporâneo. Aumenta
o valor, não necessariamente o preço.

FOLHA – O sr. diz que o fetiche transforma as
coisas em seres. Ele pode transformar também seres em coisas?

CANEVACCI – Sim, claramente. A distinção é
dualista, no fetichismo contemporâneo e também no tradicional. Uma banal
fotografia de um pedaço de mulher [cita anúncio da "Harper s Bazaar" japonesa no
metrô de Tóquio que traz a barriga grávida de Britney Spears] vira um fetiche
visual. Há uma força nesse tipo de fotografia.

FOLHA – O sr. acha que essa fetichização dentro do
mercado acontece em todos os lugares, é um fenômeno mundial?

CANEVACCI – É um fenômeno muito global e
também "glocal". Acho que é uma tendência fortíssima da contemporaneidade. É um
indicador para entender o processo da comunicação contemporânea.

Categorias: Marketing

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