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Folha de São Paulo, QUARTA-FEIRA, 31 DE OUTUBRO DE 2012



FÁBIO PANNUNZIO

TENDÊNCIAS/DEBATES

Contra a avalanche, o jornalista desiste

Em empresas de comunicação, fui processado uma
vez em 31 anos. Já na internet, sozinho, é uma avalanche. Como bancar? Sobra
só a blogosfera “estatal”…

Como jornalista a serviço de empresas de
comunicação, fui processado só uma vez em 31 anos de profissão -a despeito de
ter trabalhado a maior parte desse tempo como repórter investigativo e de ter
feito dezenas de denúncias graves. E ganhei.

Há menos de quatro anos, criei um blog dedicado
à reflexão política e à denúncia de iniciativas visando sufocar a liberdade de
expressão, promover ou justificar a corrupção.

Ao longo de sua existência, tornei-me alvo de
uma avalanche de processos judiciais. Foram oito ao todo, que me obrigaram a
gastar uma fortuna com a contratação de advogados. Como blogueiro, descobri a
condição de vulnerabilidade em que se encontram dezenas de jornalistas que
decidiram atuar independentemente na internet.

Jamais fui condenado, mas é fato inquestionável
que o exercício das garantias constitucionais é excessivamente custoso para quem
não está respaldado por uma estrutura empresarial -ou não vendeu a alma ao
diabo.

Contratar advogados, pagar custas e honorários,
invariavelmente caríssimos, já constitui, em si, uma punição severa, mesmo para
quem fatalmente será absolvido ao final de um processo sofrido e demorado.

Foi o que me levou à decisão de parar de
publicar no blog.

Os dois primeiros processos vieram do Paraná, de
onde uma quadrilha de estelionatários e traficantes de trabalhadores brasileiros
para os EUA conseguiu censurar o blog durante alguns meses. A prisão dos
denunciados fez com que a censura se extinguisse. Não satisfeitos e embora
presos, passaram a pleitear uma indenização por danos morais.

De Mato Grosso chegaram outras quatro ações. O
autor é o deputado estadual José Geraldo Riva, réu em 120 processos por
peculato, corrupção e improbidade administrativa. Seu mandato foi cassado duas
vezes por compra de votos, mas Riva ainda preside a Assembleia Legislativa do
Estado, mesmo proibido de assinar cheques e ordenar despesas.

Boa parte dos textos teve como objeto o repúdio
às práticas que o STF agora condenou como crimes praticados pelos mensaleiros do
PT. O foco era o desvirtuamento ético, e não a questão partidária.

Também critiquei o mata-mata na segurança
pública de São Paulo, Estado governado pelo PSDB. Daí brotaram dois outros
processos.

O primeiro, uma queixa-crime do ex-comandante
Paulo Telhada, que acaba de ser eleito vereador em São Paulo graças à imagem que
ele alimenta de matador implacável. É o mesmo acusado de incitar no Facebook a
campanha que culminou em uma série de ameaças ao repórter André Caramante, desta Folha.

O segundo é uma ação por danos morais movida
pelo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Antônio Ferreira Pinto, que
novamente pôs o blog sob censura.

Não fui o único blogueiro a ter a sua atividade
jornalística impedida por uma sequência de ações judiciais. Outro caso exemplar
é a mato-grossense Adriana Vandoni, do blog “Prosa & Política”. Desde 2009, a
publicação está censurada judicialmente pelo mesmo José Geraldo Riva.

Não defendo prerrogativas de qualquer natureza
para o jornalismo irresponsável. O exercício do jornalismo se torna deletério
quando há deslizes éticos, com prejuízos enormes para quem se vê caluniado,
difamado ou injuriado.

Também não me insurjo contra o direito dos
ofendidos de pleitear reparação diante de distorções e erros da imprensa. O
blog, aliás, sempre criticou o engajamento do jornalismo a soldo de políticos
suspeitos, que atua como uma máquina de destruir reputações. Tal máquina ataca
inclusive jornalistas, como Heraldo Pereira, da TV Globo, e Policarpo Júnior, da
“Veja”, vítimas de uma campanha difamatória hedionda movida pela blogosfera
estatal.

Minha página eletrônica nunca aceitou qualquer
forma de publicidade. Era mantida exclusivamente às expensas da minha renda
pessoal auferida como repórter e apresentador da Rede Bandeirantes de Televisão.
O exercício da liberdade de expressão, no ambiente cultural de uma democracia
que ainda não se habituou à crítica (e a confunde com delitos de opinião),
desafortunadamente, se tornou caro demais.

Mas sou forçado a concordar com os que
entenderam minha atitude como capitulação. Porque o silêncio compulsório, que é
o que desejam os inimigos da liberdade de expressão, só fará agravar o problema.

FÁBIO PANNUNZIO, 51, jornalista, é repórter e apresentador da TV
Bandeirantes

Categorias: Jornalismo

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