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> Hoje em
Dia, 23/06/2009 – Belo Horizonte MG


Diploma de
jornalista

Antônio
Álvares da Silva

A recente
decisão do STF, tornando desnecessária a exigência de diploma para o
exercício do jornalismo, contém um erro de análise do mundo e das coisas que
nele existem. A Constituição garante o exercício de qualquer profissão –
art. 5º, XIII, mas ressalva que a lei pode impor condições. Esta restrição
leva em conta o interesse público da profissão, as exigências técnicas para
seu exercício e o significado que tem para a sociedade. Para algumas
profissões, estas exigências são óbvias: não se poderia conceber que um
prático operasse o cérebro de uma pessoa ou que um pedreiro fizesse o
cálculo estrutural de um edifício. Outras vezes, as restrições não se ligam
a impedimentos imediatos. Têm um objetivo mais amplo que diz respeito a
interesses morais, políticos e sociais da vida comunitária. Exige-se então
que a pessoa tenha formação que envolva valores mais altos e refinados, cuja
exatidão não se mede com números, mas com habilitação cultural e humanística
solidamente construída. Não se pode permitir que alguém se intitule
professor de filosofia, depois da leitura de dois autores, nem de história,
depois de estudar dois manuais.

 

É aqui que
se situa a profissão de jornalista. Ele não é apenas um homem da palavra e
da redação de textos que trabalha em alguma seção de jornal. A sociedade
precisa de informação para tudo. O homem moderno não pode conhecer
diretamente a complexidade dos dados e acontecimentos que hoje se agitam na
complexa organização social em que vivemos. Por isto, tem que se servir dos
órgãos de informação, ou seja, da atividade jornalística, na qual se abrigam
conhecimentos técnicos, éticos e políticos, de fundamental importância e
significado social, exatamente porque forma opinião e divulga a

verdade. Gay
Talese, o grande jornalista americano, disse recentemente, em entrevista à
Veja, que o jornalismo é a mais bela das profissões, porque não esconde nem
protege um mundo irreal, como acontece muitas vezes com políticos, juízes,
militares, empresários e várias outras que, muitas vezes, preservam um mundo
que não corresponde à realidade. Pelo contrário, o bom jornalismo expõe a
verdade ao povo, com coragem e determinação. Vara a casca dos
corporativismos. Desmascara governos, falsidades de ministros e falaciosas
versões oficiais. Mostra realidades ocultas e subtendidas, como atualmente
faz com o Senado Federal. Só mesmo uma imprensa e jornalistas livres
poderiam desempenhar tão grande e significativa façanha.

Portanto,
além da formação técnica, do jornalista se exige conhecimento humanístico,
filosófico, político e social. Como se pode escrever sobre a reforma do
Judiciário, a rebelião do Irã, o problema árabe-israelense, a crise
econômica mundial se não tiver conhecimentos especializados e gerais? Como
pode interpretar um fato político e social se não possuir aparato técnico e
cultural para a tarefa? Estes conhecimentos, evidentemente, só se colhem nas
Faculdades que são o manancial do saber puro, independente,
descompromissado, holístico e completo. O conhecimento humano,
principalmente nos dias de hoje, é por demais complexo para ser
empiricamente apreendido. Exige esforço, dedicação e estudo. E isto só se
faz com reflexão acadêmica. A inexigência de diploma banalizou a profissão
de jornalista. Reduziu-a a um empirismo barato e insignificante, cuja
condição de exercício será agora apenas de um estágio e um mero registro num
ministério, como se tão singelas formalidades fossem suficientes para o
desempenho de uma

profissão
tão nobre e exigente. Por que os órgãos da grande imprensa brasileira (Veja
e Folha de São Paulo, por exemplo) louvaram a extinção do diploma? Se foi
para baixar custos e contratar jornalistas baratos, estas empresas não
enfrentarão a concorrência e em breve fecharão as portas. A razão é outra. O
jornalista diplomado é um homem consciente de seus deveres. Exerce sua
profissão com independência. Constitui sindicatos fortes e atuantes. Negocia
coletivamente salários. Faz greve. Questiona a imprensa de interesses que
age apenas como empresa, de olhos postos na vantagem econômica e não na
missão social e política que dela se espera.

 

O jornalista
diplomado e conhecedor de sua profissão divide o poder com o dono da empresa
jornalística. Sua opinião tem peso. É independente. Tudo isto é visto como
ameaça e está no fundo da argumentação contra o diploma pelos empregadores.
O ministro Gilmar Mendes, relator do processo, deu um exemplo: um chef pode
ser um excelente mestre de culinária. Mas isto não significa que toda
refeição deva ser por ele feita. Se a lição for seguida, os processos não
precisam necessariamente de advogados e juízes. Podem ser conduzidos por
rábulas. A medicina não necessita dos grandes médicos. Pode ser exercida por
enfermeiros. As grandes construções não carecem de engenheiros e
calculistas. Bastam as mãos experientes de pedreiros e serventes. Então, a
ciência e o saber aprofundados se tornarão descartáveis. Em nome da plena
autonomia, todos estarão livres para viver na superficialidade das coisas.
Fecharemos as portas da universidade para a ciência e abriremos suas janelas
para o mundo do empirismo e do conhecimento sem sistema. Em nome da
liberdade estaremos usando o meio mais seguro de mata-la.

Categorias: Jornalismo

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