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UOL EDUCAÇÃO – 08/04/2017 – SÃO PAULO, SP

Economista brasileiro diz que investir em crianças rende mais que a Bolsa

MARIANA DELLA BARBA

Como convencer pessoas
que não têm filhos de que o governo deveria investir o dinheiro que eles pagam
de impostos em melhorias para a vida de bebês, crianças e suas famílias? Como
mostrar que esse investimento vai lhes trazer benefícios mesmo não sendo pai ou
mãe?

O economista brasileiro
Flavio Cunha tem uma resposta: matemática.

Há 15 anos, ele pesquisa
temas ligados à primeira infância (da gestação aos cinco anos de idade), e seus
estudos apontam que aplicar verbas públicas em programas para grávidas, bebês e
crianças pequenas é um investimento lucrativo para qualquer governo Dá mais
retorno, diz ele, do que ações na Bolsa de Valores, aplicações e fundos de
bancos ou corretoras.

`Quando você investe US$
1 (cerca de R$ 3,33) nessa fase [de 0 a 5 anos], você recebe em troca US$ 6 (R$
20) quando a criança vira adulta. Isso é um retorno de investimento gigantesco,
de 13%, 14%. Se oferecesse [essa proposta] aos banqueiros de Wall Street, eles
assinariam na hora`, diz.

`[Bernard] Madoff
conseguiu muitos interessados no investimento dele, e nem oferecia essa taxa. Só
que, diferentemente dos dele, esses investimentos são reais, com benefícios para
toda a sociedade`, diz o economista, rindo, em referência ao norte-americano que
foi preso por operar um sistema fraudulento que atraía investidores prometendo
mais de 10% de retorno anual.

Cunha é coautor de
vários estudos com o economista James Heckman, Prêmio Nobel da Economia em 2000,
que explica o porquê desse investimento –feito especialmente em famílias de
baixa renda– ter um retorno tão alto.

Essa eficiência vem
justamente da economia que o governo faz ao longo da vida dessa criança. Mas
economiza em quê? Em violência, por exemplo.

Um dos estudos assinados
por Cunha e Heckman acompanhou décadas da vida de crianças em idade pré-escolar
matriculadas em um projeto do governo para essa faixa etária em Michigan (EUA).
Quando adultas, elas tinham maior probabilidade de conseguirem empregos e menor
risco de entrar no crime. Com menos presos, o governo acabou economizando, pois
construiu menos cadeias e gastou menos com detentos.

Essa economia foi um dos
itens na conta de que, a cada dólar investido em uma criança de quatro anos, o
governo acabou economizando US$ 300 quando ela chegou aos 65 anos.

E não só ao gastar menos
com presídios, mas também no sistema de saúde, já que houve entre esse grupo
menos casos de doenças, menos adolescentes grávidas e menos crianças internadas
por violência dos pais –para citar apenas três exemplos.

Também entra na equação
a maior empregabilidade desses adultos e a maior renda. Em um dos casos
analisados, crianças de famílias de baixa renda que participaram de um programa
de visitação domiciliar na Jamaica aumentaram seus ganhos em 25% quando adultos.

`Assim, fica claro que
esse investimento beneficia todos os setores da sociedade, já que também acaba
`sobrando` verba pública para aprimorar outras áreas`, explica Cunha.

Comportamento diante de
problemas

Mas o que exatamente
acontece nessa `janela de oportunidade`, como é conhecida a primeira infância,
que faz o desenvolvimento nessa idade ter impacto até a velhice? O que essas
crianças de até cinco anos têm de aprender para, de fato, serem adultos mais
saudáveis, equilibrados e produtivos?

Segundo Cunha, a
resposta passa longe de conteúdos como escrever ou fazer contas.

`O que faz a diferença
[nessa idade] são as habilidades emocionais, avaliadas em questionários para ver
como as crianças se comportavam diante de adversidades, com perguntas como
`Quando tem um problema, você fica nervoso ou grita com outras crianças?`, `Você
para de tentar fazer o que estava fazendo ou continua tentando?` e `Se você
continuar, consegue ir para outra direção?“

`Estudos mostraram que
as crianças que se saem bem nesse tipo de avaliação são as com maior
probabilidade de ter, por exemplo, uma vida saudável e longe do crime.`

O economista lamenta que
a maioria dos testes educacionais hoje meçam apenas o aprendizado do conteúdo em
si, como matemática e gramática.

`Os aspectos do nosso
capital humano –ou seja, a maneira como me comporto diante de adversidades–
podem ser ainda mais importantes. Mas o sistema educacional está estritamente
voltado para quanto o aluno está preparado para a matemática e não para a vida.`

Funciona no Brasil?

Também é preciso entrar
nessa fórmula a valorização dos pais e dos cuidadores das crianças, mas com
amparo para eles, e não apenas transferindo a responsabilidade. `No Brasil,
ainda temos um longo caminho a ser percorrido nesse sentido`, diz o economista.

`Sem atenção a eles, o
investimento é incompleto. Alguns dos projetos que estudamos têm intervenções
simples, especialmente com mães e pais que não têm o preparo para entender as
necessidades das crianças. Um exemplo é um projeto nos EUA que explicava, ao
visitar familiares, que, quando o bebê chora, pode ser fome e não malcriação.
Com a orientação, foi reduzido o número de bebês internados por apanharem dos
pais.`

Valorizar o
socioemocional e envolver a família são fundamentais nesse investimento, mas não
é possível criar uma fórmula de como colocá-lo em prática.

`Cada projeto tem de
atender às necessidades daquele local. Um programa norte-americano talvez não
funcione no Brasil, assim como um programa que atende famílias no interior do
Ceará pode não ser boa ideia para São Paulo. Além disso, é preciso que caibam no
orçamento do país em questão`, diz.

Para o economista,
investir na primeira infância é eficiente, já que há evidências econômicas
mostrando isso. Mas ficar apenas nisso não é condição suficiente para o sucesso.

Para Cunha, é preciso
ter em mente que o investimento `não é uma vacina`. `Mas mostra que, se não
fizer isso, sai mais caro. Se um governo não colocar dinheiro nesse setor, dá
para fazer um programa com adolescentes para reduzir a criminalidade? Sim,
provavelmente, mas vai ser mais caro.`

Categorias: Economia

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