REVISTA ISTO É, MEDICINA & BEM-ESTAR, 18/10/2006

Ele sabe o que está
receitando?

Erros
na prescrição e no fornecimento de remédios são muito mais freqüentes do que se
imagina e colocam em risco a vida dos pacientes. Por
isso, tornam-se alvo de preocupação mundial

Por Greice Rodrigues

Quando um paciente toma um remédio errado cria-se na medicina a
singular situação de colocar a vida em risco em vez de protegê-la. E o engano
pode até ser sutil, mas os efeitos devastadores. As conseqüências vão de um
mal-estar, como uma intolerância gástrica, até a morte. Para preocupação das
autoridades médicas, essas situações são mais freqüentes do que deveriam e já
se configuram um fenômeno mundial. Nos Estados Unidos, por exemplo, pesquisas
do Instituto de Medicina Americano mostram que sete mil pessoas morrem por ano
em decorrência de complicações causadas por erros de medicação. No Brasil,
segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 50% dos
medicamentos vendidos são prescritos, dispensados ou usados de forma
inadequada. Em São Paulo, o Conselho Regional de Medicina registrou 80
denúncias de prescrição irregular nos últimos cinco anos. “Pode parecer
insignificante, mas aponta situações que colocam em risco a segurança dos
doentes”, diz Desiré Callegari,
presidente do CRM.

Os equívocos são vários. De acordo com especialistas no
assunto, 49% das falhas acontecem no momento da prescrição. Portanto, são de
responsabilidade do médico. Em geral, ele indica um remédio inadequado à
condição clínica do paciente, não observando se há possibilidade de alergia,
por exemplo. Outros 26% ocorrem no processo de administração dos medicamentos.
Nesse caso, a maior responsável é a equipe de enfermagem. Eles dão ao doente a
droga errada ou a ministram na dose, diluição ou via de uso
incorretos
e até fornecem medicação não prescrita. Segundo as
estimativas, outros 14% dos problemas são registrados na fase dispensação e 11% na interpretação das receitas. Ou seja,
acontecem principalmente na farmácia. O mais comum é o profissional desses
estabelecimentos não compreender o conteúdo do que foi indicado e fornecer a
droga errada.

De acordo com a pesquisadora Silvia Helena Cassiani,
da Faculdade de Enfermagem da Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto,
entre as causas deste cenário estão a falta de
atenção, a inexperiência, o excesso de trabalho e a deficiência na formação
acadêmica dos médicos, farmacêuticos e equipe de enfermagem. “Nomes similares
de remédios, por exemplo, confundem o profissional. Isso leva a um terço dos
erros”, afirma.

No Brasil, onde a maioria das prescrições é manuscrita, a letra
médica constitui outra importante causa de erro. Para exemplificar os danos que
uma grafia ruim pode causar, o farmacêutico Tarcísio Palhano,
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, simulou uma receita com nomes
de remédios inexistentes e escritos de forma ilegível. Seus alunos foram a 40
farmácias com a tal receita falsa. É inacreditável, mas eles conseguiram
comprar 47 unidades de 17 diferentes tipos de drogas, entre eles antibióticos.
“Os farmacêuticos erraram porque não estavam presentes ou não checaram a
receita”, critica o professor. “Há um esforço para mudar isso, mas ainda se
adota o mau hábito de interpretar a receita quando se deveria
dirimir as dúvidas com os médicos”, afirma.

Na opinião do médico Antônio Carlos Lopes, presidente da
Sociedade Brasileira de Clínica Médica, a resposta para boa parte dos erros
está na falta de conhecimento por parte dos médicos. Ele afirma que o
profissional sai da universidade sem ter tido sequer uma aula de terapêutica,
disciplina na qual se ensina como indicar corretamente uma droga. “A maioria
aprende a prescrever com colegas ou com propagandistas de laboratório”, diz. E
acrescenta: “Ele acaba indicando remédios sem conhecer os mecanismos de ação, o
processo de absorção pelo organismo, sua toxicidade e tampouco a interação
medicamentosa (influência de um medicamento sobre outro e seus efeitos no
organismo)”, afirma.

Parte do problema está também na falta de comunicação entre
médico e paciente. A consulta rápida não permite muitas vezes que o médico
explique ao doente como o medicamento deve ser tomado, por exemplo. “Se o
profissional dedicasse mais tempo ao paciente, o número de prescrição errada
seria menor”, afirma Franklin Rubinstein, diretor da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa). Situações dessa
natureza foram identificadas num estudo da Universidade da Califórnia (EUA).
Eles gravaram o atendimento feito por 45 médicos a 909 doentes. Para 45% deles
os médicos indicaram remédios. Mas 66% dos especialistas não disseram por
quanto tempo a droga deveria ser tomada, 45% não explicaram sobre a dosagem e
42% não mencionaram a freqüência das doses.

Alguns esforços estão sendo feitos para atenuar o problema. Nos
EUA, boa parte das instituições informatizou seus sistemas de prescrição como
forma de prevenção. No Brasil, a Anvisa, em parceria
com as federações dos médicos e dos farmacêuticos, está formulando um plano de
ação em favor do uso racional de medicamentos. Entre as propostas está a
implantação de um programa que visa transformar a farmácia em um
estabelecimento de saúde. Nessa concepção, o farmacêutico poderá orientar sobre
o uso correto de remédio e registrar os casos de reações adversas e se o
remédio está fazendo mal ao doente. “É importante que esses profissionais
estejam preparados. Eles estão mais próximos do paciente”, diz Raquel Grecchi, presidente do Conselho Regional de Farmácia/São Paulo.

Outras iniciativas partem dos hospitais. No Sírio-Libanês, em
São Paulo, o sistema implantado é o da prescrição eletrônica. A receita é
digitada no computador e encaminhada à farmácia do hospital. Lá, é feita a checagem e enviada à enfermaria para que a droga seja
administrada. “Mesmo depois de passar pela conferência do farmacêutico e do
enfermeiro há uma vistoria feita pelo paciente ou familiar”, afirma Manoel
Peres, diretor técnico do hospital. Além disso, antes de receber o remédio, o
profissional lê o nome e a dosagem que está sendo administrada. Tudo para
garantir o maior nível de segurança.

Categorias: Medicina

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