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REVISTA
ISTO É, ECONOMIA & NEGÓCIOS, 17/01/2006


Empresas investem na história

Surge uma nova tendência: a
responsabilidade histórica. Vale, Bunge e Natura já aderiram

Por Francisco Alves Filho

Quem atravessa os
13 quilômetros
da ponte Rio–Niterói, no Rio de Janeiro, não imagina a saga dos engenheiros e
operários para finalizar aquela que seria uma das maiores aventuras da
engenharia brasileira. Um dos grandes desafios foi o transporte do vão central,
uma peça gigantesca de 13 mil toneladas, construída em terra firme. A solução
foi ousada: o vão foi colocado sobre dois rebocadores e levado pela Baía de
Guanabara adentro, até o local indicado. Foi instalado a
70 metros
de altura e permitiu a conclusão da ponte em 1974, cinco anos e meio depois da
inauguração simbólica das obras pela rainha Elizabeth da Inglaterra. A aventura
foi eternizada em fotos encomendadas pela Wilson, Sons, empresa de navegação que
cedeu os rebocadores. São alguns dos quatro mil registros históricos do
recém-criado Centro de Memória da empresa. Nele, é possível encontrar vários
documentos que jogam luz sobre o funcionamento dos portos brasileiros, coletados
nos 170 anos de existência da companhia. “Temos peças que não dizem respeito
apenas à trajetória da empresa, mas à história do Brasil”, afirma Cláudio
Viveiros de Castro, coordenador do projeto. Uma das relíquias é uma carta da
princesa Isabel, datada de 1878.

A iniciativa da Wilson, Sons segue uma nova tendência entre as
empresas brasileiras. Inspirada na responsabilidade social – termo que definiu
as práticas solidárias das companhias com as pessoas carentes e as comunidades
–, a responsabilidade histórica é um conceito novo de benefício à sociedade. O
objetivo é valorizar a história da região ou do ramo de negócio em que a
companhia está inserida. São projetos de recuperação do patrimônio, criação de
centros de memória e edição de livros para resgatar tradições. É um passo além
da tradicional memória empresarial, voltada à própri a firma. “A diferença é que
a responsabilidade histórica representa o compromisso da empresa com as
tradições da comunidade onde atua”, explica Paulo Nassar, professor de
comunicação da USP. Em sua tese de doutorado sobre o assunto, Nassar constatou
que 40% das 119 empresas pesquisadas tinham alguma ação desse tipo.

No ano passado, a Vale do Rio Doce recuperou o trecho de
18 quilômetros
de linha férrea que liga as cidades mineiras de Ouro Preto e Mariana e
reconstituiu uma locomotiva Maria Fumaça dos anos 40 para trafegar por ali.
“Aquela região é importantíssima, ali nasceu o barroco brasileiro”, explica
Olinta Cardoso, diretora da Fundação Vale do Rio Doce. O projeto Trem da Vale,
inaugurado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Roger Agnelli, principal
executivo da Vale, está ensinando o valor do patrimônio histórico aos alunos da
rede pública de ensino. No Maranhão, a empresa tem um trabalho voltado para
preservar a arte dos azulejos coloniais do Império.

A Votorantim tem o Projeto Memória, em que a vida da empresa é
resgatada com depoimentos dos funcionários. A Natura está recuperando um trecho
da estrada de ferro que liga Perus a Pirapora (SP), com trens que rodam ainda no
antigo sistema de bitola estreita. Outro bom exemplo é o da Bunge, gigante
agroindustrial. Desde que chegou ao Brasil, em
1905, a
multinacional incorporou várias empresas com tradição centenária e herdou
documentos importantes. Seu Centro de Memória guarda preciosidades como as fotos
comemorativas dos 80 anos de Mário Quintana, imagens de Érico Verissimo e uma
edição de Morte e vida Severina,
de João Cabral de Melo Neto, em litografia. “Recebemos quatro mil pesquisadores
por ano”, comemora a historiadora Daniele Joaçaba, que coordena o trabalho e tem
uma verba de R$ 400 mil para 2007. Há dois anos, a Fundação Bunge criou um ciclo
de palestras para disseminar na população a idéia de preservação. Um dos frutos
dessa iniciativa está na Escola Barnabé, de Santos, que reuniu e expõe
documentos importantes do Movimento Constitucionalista de 1932.

Além da importância para a história do País, esses projetos
valorizam as marcas das empresas. “Nenhuma reputação é construída da noite para
o dia. A corporação é valorizada ao mostrar que tem raízes”, afirma Levi
Carneiro, diretor da Troiano Consultoria de Marca.

Categorias: História

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