Folha de São Paulo, Especial, domingo, 15 de fevereiro de 2009

ESPECIAL
MÉDICOS


Eles por eles

Em pesquisa inédita feita pelo Datafolha, os próprios médicos apontam
quem são os melhores em cinco especialidades

DA REPORTAGEM LOCAL

Eles entendem de suas especialidades como poucos. Estudaram nas melhores
universidades do mundo, dominam técnicas novas, estão a par das pesquisas mais
recentes. Mesmo assim, os 16 médicos apontados como os melhores em cinco áreas
são unânimes em destacar a importância de dar a atenção devida a cada paciente.

Parece simples, mas não é o que se vê, muitas vezes, nos consultórios de
médicos estrelados. Não ter pressa, preocupar-se com a pessoa e não com o
sintoma, conversar bastante, não desprezar as queixas mais bobas, evitar exames
em excesso são alguns dos quesitos que eles consideram indispensáveis para uma
boa consulta.

Para chegar a esses 16 nomes, o Datafolha pediu a 692 médicos de São Paulo
que apontassem os três melhores especialistas vivos em algumas das áreas mais
procuradas em hospitais (pediatria, ginecologia, cardiologia, ortopedia e
oncologia). Os entrevistados não podiam citar o próprio nome. A amostragem é
representativa da distribuição dos médicos em cada especialidade. A margem de
erro máxima da pesquisa é de dez pontos percentuais.

Neste caderno especial, apresentamos os perfis dos médicos que receberam a
partir de 10% das citações dos próprios colegas. São todos homens; o mais novo
tem apenas 40 anos e o mais velho, impressionantes 93 anos; seis são judeus e
outros seis são de origem sírio-libanesa; adoram o que fazem, trabalham demais e
reclamam apenas de mais tempo para a família. Conheça suas histórias nas
próximas páginas.

NA INTERNET


www1.folha.uol.com.br/fsp/especial

PEDIATRIA

Médico de toda a família

Pioneiro no estudo da diarreia infantil e militante da campanha pela
amamentação, Jayme Murahovschi,75, foi o mais citado na pesquisa

FLÁVIA MANTOVANI, DA REPORTAGEM LOCAL

Referência brasileira em gastroenterologia pediátrica, Jayme Murahovschi,
75, é um dos pioneiros no estudo de diarreia infantil no país e recebe pacientes
de vários Estados com problemas complexos no sistema digestivo. Apesar disso, o
mais citado de todos os indicados na pesquisa Datafolha diz que se considera,
antes de tudo, um pediatra generalista, “um dos últimos espécimes dessa raça em
extinção”.

Nos mais de 50 anos de carreira, a relação de confiança com seus pacientes
faz com que muitos continuem indo a seu consultório mesmo depois de adultos. “Às
vezes, o pai chega com a criança, e eu não sei qual deles vou atender”, brinca.

Entre os vários informativos que criou para distribuir aos pais, sobre
temas como retirada da mamadeira e prevenção de acidentes, está um com dicas de
alimentação saudável para toda a família, que ele batizou de “dieta prudente”.

E o médico garante que segue o que recomenda. Gosta de andar, vai para o
trabalho a pé e corre algumas vezes por semana. Conta, feliz, que completou uma
prova de dez quilômetros em 67 minutos.

Periferia

Filho de imigrantes judeus originários da Bessarábia (atual Moldávia),
Murahovschi foi criado no bairro do Ipiranga, então na periferia da cidade.

Curiosamente, foi uma diarreia crônica na infância que o levou a conhecer
um renomado pediatra que o inspirou a seguir a medicina: Margarido Filho, o
único médico que conseguiu tratá-lo. “Na minha casa, só faltavam acender uma
vela para ele, de tão gratos que ficaram. Isso me influenciou muito a ser médico
e pediatra.”

Depois de se graduar na USP (Universidade de São Paulo), em 1956, voltou
para seu bairro, onde abriu um consultório e foi trabalhar na Clínica Infantil
do Ipiranga, centro de excelência em pediatria onde atendeu por quase 30 anos
-hoje, o local é um hospital geral.

Após perceber que diarreia e desidratação eram as principais causas de
morte das crianças no primeiro ano de vida, dedicou-se a estudar o tema.

Por muito tempo, Murahovschi buscou o antibiótico ideal contra
micro-organismos causadores da diarreia. Até que percebeu que era o aleitamento
materno a melhor proteção.

Começou, então, a fazer campanha pela amamentação, conscientizando as mães
no pré-natal, incentivando a primeira mamada na sala de parto e o alojamento
conjunto da mãe com o bebê. “Hoje isso tudo é comum, mas na época nem se falava
nisso”, diz.

Devido à distância, pensou em recusar um convite para criar o Departamento
de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas de Santos (atual Unilus). Não só
aceitou como foi professor no local por 35 anos -atividade que adora. “Acho que
tenho habilidade para transmitir para quem sabe menos do que eu coisas que
aprendi com pessoas que sabem mais do que eu. Sei o que é ser médico de bairro.
Por isso, me coloco no lugar do pediatra e tento tornar seu caminho menos
árduo”, diz.

Foi uma apostila que criou para seus alunos que serviu de embrião para um
de seus livros, “Pediatria: Diagnóstico+Tratamento”, lançado há 30 anos e que
ajudou a formar várias gerações de pediatras.

Casado há 46 anos com Enny Lowenthal, com quem tem quatro filhos e dez
netos, diz que ela “nasceu para ser esposa de médico”, pois sempre foi
compreensiva em relação à sua dedicação ao trabalho -que inclui estar disponível
a qualquer hora. “Falo para meus pacientes me telefonarem e atendo em qualquer
lugar, mesmo nas férias ou no exterior. Eu brinco que o pediatra tem uma relação
de amor e ódio com o telefone. Mas não tem outro jeito de fazer uma boa
pediatria.”

PEDIATRIA

Rigor e
humor para curar crianças

DA REPORTAGEM LOCAL

Há mais de 40 anos, Julio
Toporovski, 78, chega cedo à Santa Casa de Misericórdia de São Paulo -“o pai dos
pobres”, como define a instituição. Às 7h45, começa a visita aos pacientes
recém-hospitalizados. E ai de quem chegar depois disso. “O chefe tem que dar o
exemplo. Quem chega um minuto atrasado já leva uma boa bronca. Mas ninguém acha
ruim porque sabe que é justa.”

Apesar do rigor com a
pontualidade, Toporovski tem muito senso de humor. Quando questionado sobre sua
idade, brinca que tem mais de cem anos. Garantiu que tem mais de mil anos de
casado e, ao citar um caso da sua juventude, arremata com um “eu já fui jovem
uma vez”. “Eu só gosto de gente alegre. Se não for, não serve para trabalhar
comigo”, diz.

Autoridade em nefrologia
infantil, Toporovski foi para a Santa Casa depois de se graduar. Lá, chegou a
chefe do departamento de pediatria e professor titular. “Acho recompensador
salvar uma vida, principalmente a de uma criança, e depois vê-la se curar,
crescer. Me faz um bem tremendo.”

Mas o que lhe dá mais orgulho é
ter ajudado a formar vários médicos. “Temos uma tradição de treinar médicos do
Oiapoque ao Chuí. E eles sempre mandam cartões, notícias e doentes para a Santa
Casa.”

Para ele, uma boa anamnese -a
conversa inicial com o doente- e a confiança do paciente no médico são
fundamentais. “É muito ruim quando você vê que a mãe não acredita no que você
diz. Tem que ser como casamento, nós temos que combinar.”

Quando ele começou sua carreira,
nefrologia pediátrica não existia -crianças com problemas renais eram atendidas
por nefrologistas de adultos. Agora, alguns pacientes invertem a lógica e vão ao
seu consultório depois dos 18 anos. “Quando é doente meu, digo que atendo até um
de nós dois morrer.”

Um projeto que o pediatra
considera vital para sua carreira foi o Mãe Participante, que visava permitir
que as mães ficassem com seus filhos doentes no hospital. “Eu achava um absurdo
a criança ficar sozinha.”

Quando se tornou lei, o então
governador do Estado, Orestes Quércia, disse duvidar que fosse pegar. Mas houve
uma adesão de 60% das mães -esperava-se 30%. “Foi importantíssimo, pois reduz a
mortalidade, o tempo de internação e a taxa de reinternação. E humaniza. É um
trauma para uma criança ficar sem a mãe no hospital.”

De mãe brasileira e pai russo
judeu, o médico tem três filhos e seis netos. Gosta de ouvir música clássica e
ler -Erico Verissimo, Jorge Amado, Philip Roth e Vargas Llosa são alguns dos
preferidos. “Já não tenho onde pôr livros em casa”, diz.

E, diariamente, tira um tempo
para estudar. “A medicina é muito dinâmica. Estudar não é só uma necessidade.
Tem que ser um hábito.”

(FM)

GINECOLOGIA

No 1º
parto, surpresa com trigêmeos

O ginecologista que queria
ser arquiteto estreou na carreira com um nascimento surpreendente que deveria
ter sido fácil

DA REPORTAGEM LOCAL

Marcelo Zugaib, 60, estreou sua
carreira de obstetra com um susto: no primeiro parto de sua vida, trouxe ao
mundo três bebês de uma vez. Ele estava no quarto ano de medicina e lhe passaram
um caso que achavam que seria fácil. “Acreditava-se que a gestante esperava um
só, mas eram trigêmeos. Cada um nasceu com mais de dois quilos. Muita gente
passa a vida sem experimentar fazer um parto assim e comigo aconteceu logo no
início”, lembra.

Natural de Marília (SP), Zugaib,
a princípio, não pretendia estudar medicina. Ele queria ser arquiteto,
contrariando a vontade do pai, que havia abandonado o curso de medicina no
segundo ano para sustentar a família e sonhava ver o filho na profissão que não
pôde seguir. “Eu dizia que tudo o que eu não queria era ser médico”, conta o
ginecologista e obstetra.

Prestou arquitetura e se saiu
bem em todas as matérias, mas não em desenho artístico, que era eliminatório.

Chocado com o “primeiro tropeço
escolar” da vida, ele diz que não soube lidar com a situação. “Resolvi fazer um
cursinho para medicina e terminei no que sou hoje. Fiquei apaixonado pela
carreira.”

Aos 38 anos, já era professor
titular na USP, o que o ajudou a se tornar um dos “médicos da moda” de São Paulo
de meados da década de 80 ao fim da de 90.

“Prisão”

Depois de muito tempo
sentindo-se “prisioneiro o ano todo de uma sequência de partos”, Zugaib diz que
tenta diminuir o ritmo, especialmente para dar atenção a Nicholas, 18, filho do
seu primeiro casamento.

O nome do menino é uma homenagem
ao seu mentor na Universidade da Califórnia, Nicholas Assali, hoje falecido.

Foi nos EUA que ele viveu uma
realidade diferente da brasileira, na qual as gestantes fazem o pré-natal com
uma equipe de médicos e são atendidas por aquele que estiver disponível no
momento do parto. Zugaib acredita que no futuro, no Brasil, a gestante também
deve procurar a instituição, e não o médico. “Na minha especialidade, procurar o
médico gera um custo emocional muito alto. A mulher que escolhe o obstetra quer
que ele faça o parto. Isso se torna um martírio para ele, porque ele não pode
ter vida pessoal, programar viagens, férias com os filhos”, diz, afirmando que,
por muito tempo, deixou de viajar para congressos no exterior por não poder se
ausentar.

Zugaib credita a isso um dos
motivos para o alto índice de cesarianas no Brasil, já que esse tipo de parto
permite que o médico se programe. Não que ele considere o parto normal mais
vantajoso por si. Para o obstetra, não existe “a melhor via de parto”: ambas têm
vantagens e desvantagens. “Há um hábito de dizer que o normal é o parto vaginal.
Não vejo assim. O normal é a maternidade segura. Fora as indicações médicas, o
casal deve escolher sua via de parto, conhecendo riscos e benefícios. E o médico
deve trabalhar para conseguir a via elegida com segurança.”

Dentro do seu projeto de ganhar
qualidade de vida, Zugaib pratica pilates e cuida de suas duas fazendas. Para
diminuir os deslocamentos em São Paulo, mudou recentemente seu consultório da
avenida Brasil para o hospital Albert Einstein, onde faz partos e cirurgias. E
diz que não acha fácil “perder” um parto. “A gente se sente falhando de alguma
maneira. Mas são poucos os casos que eu perco, graças a Deus.”

Neto de libaneses e único filho
homem de sua família -ele tem cinco irmãs-, Zugaib conta que foi educado em um
ambiente em que “o aspecto feminino predominava violentamente” e diz que isso o
influenciou a escolher sua especialidade. “Muita gente pensa que o mundo árabe é
um patriarcado, mas não é verdade. A referência é sempre a mulher. Sou um esteta
e a mulher é um dos pilares de demonstração de beleza. É desafiador lidar com
elas.”
(FLÁVIA
MANTOVANI)

Do parto
normal à cirurgia em feto

IARA BIDERMAN, COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quando a mãe do ginecologista e
obstetra Antonio Moron, 54, entrou em trabalho de parto, uma parteira foi ao
sítio da família, em Cornélio Procópio (PR), mas o bebê não nascia. Um médico
viu que o bebê não estava encaixado e que havia fezes no líquido amniótico.

A parturiente teve de ser
transportada até Londrina (PR), a 120 km. Dois obstetras realizaram a cesárea
que salvou a vida da mãe e do bebê.

Moron cresceu ouvindo essa
história e criou uma certeza: seria “um doutor Valdir e um doutor Jonas”, os
médicos responsáveis pelo parto de risco.

O atual diretor clínico do
Centro Paulista de Medicina Fetal veio para São Paulo aos cinco anos, após seu
pai, cafeicultor, perder tudo. “Chegamos sem um tostão. Meu pai criou os filhos
com o salário de guarda noturno”, conta.

Morador da Vila Mariana com seus
três filhos, o paranaense é fã incondicional da cidade onde cresceu. Sua clínica
está cheia de fotos de São Paulo. Entre os típicos quadros com diplomas, ele
exibe com destaque o título de cidadão honorário paulistano, que recebeu em
2004.

Sua principal linha de pesquisa
é medicina fetal. “Na Unifesp, somos pioneiros em cirurgias fetais, operamos
cérebro, pulmão, rins.”

Em 2003, sua equipe fez a
primeira cirurgia a céu aberto em feto no Brasil, cortando o útero da mãe. Oito
bebês foram operados, mas o programa foi suspenso até que um estudo apresente
novas conclusões sobre o procedimento.

Moron lembra que também faz “a
parte mais light”, como partos sem complicação. “Isso sempre compensa minhas
fantasias de alegria.” Para ele, o parto normal a melhor opção. Em situações em
que há problemas com o bebê, acredita que o seu papel é ajudar os pais, que
“precisam ser muito protegidos. Os médicos são transitórios, o filho é eterno.”

Defensor
do médico “das antigas”

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Edmund Chada Baracat, 56,
considera-se um ginecologista “das antigas”. O que não quer dizer que está
distante dos avanços científicos. Ao contrário, tem uma sólida carreira
acadêmica e em pesquisas científicas e vários trabalhos premiados em congressos
médicos internacionais.

O adjetivo “antigo” usado pelo
médico define uma atuação clínica que procura ver a paciente como um todo, saber
ouvir e fazer um exame clínico apurado, que, “nesta era em que as especialidades
estão fragmentadas, nem sempre são levados em conta.”

Defensor do parto normal,
Baracat, nascido em Tupã (SP), não pode vê-lo realizado nos partos da mulher,
com quem se casou no último dia da residência médica. “No Brasil, há um índice
muito alto de cesáreas, muitas são feitas sem necessidade. Mas há situações em
que ela é indicada. No parto da minha primeira filha, minha mulher não teve
dilatação. O segundo [filho] estava sentado, e, após duas cesáreas, a terceira
foi inevitável.”

Os partos foram feitos por um
colega da Unifesp e acompanhados por Baracat. “É bom quando o pai assiste o
parto, mas isso tem que ser conversado. Se o pai não aguenta ver sangue, é
melhor ficar sentado atrás do vidro, sem enxergar nada.”

A obstetrícia, porém, não é a
atividade principal do médico. Sua linha de pesquisa é mais voltada a questões
do climatério e ao campo da ginecologia endocrinológica. É fascinado pelos
mecanismos hormonais e as alterações que promovem no organismo feminino.

Ele não é a favor da
descriminalização do aborto, mas afirma que as indicações previstas por lei
deveriam ser expandidas. “Hoje, só se permite em caso de estupro e de risco de
morte da mãe. Acho que deveria incluir mais casos, como os das más-formações
incompatíveis com vida.”

Por defender essa ampliação da
indicação ao aborto, já foi vaiado (por grupos antiaborto) em audiência pública.
“Mas também já fui muito aplaudido em congressos. É preciso administrar as duas
coisas, controlar o ego, para atendendo correta e honestamente as suas pacientes
“, diz.
(IB)

“Qualquer
débil faz cesárea”

Mais velho entre os mais
citados, Neme viu a introdução do ultrassom e da raquidiana

DA REPORTAGEM LOCAL

Quando completou 70 anos, o
ginecologista e obstetra Bussâmara Neme comprou uma fazenda em Piratininga (SP),
onde nasceu. A ideia era descansar da intensa vida que levava desde que se
formou em medicina, em 1941. “Pensei que ficaria velhinho e que ninguém mais me
quereria”, diz.

Nada mais equivocado. Aos 93
anos, o médico -que viveu marcos como a introdução do ultrassom, dos
antibióticos e da anestesia raquidiana no parto- segue na ativa.

Semanalmente, participa de
reuniões na USP e viaja a Sorocaba e a Campinas para dar aulas. Até 2008, ia
dirigindo. Agora, aceitou a sugestão da família de contratar um motorista. “Vou
lendo o jornal, batendo papo. Eu dirijo bem, mas é outra coisa ir vendo a
paisagem.”

As consultas particulares ele
concentrou nas quartas-feiras. Algumas pacientes estão com ele desde o início de
sua carreira. “Tem aquelas mulheres que perguntam: “Mas o dr. Neme está vivo?
Ainda trabalha?” E dizem que não querem outro”, conta ele, que só não faz mais
partos na clínica particular. Parou dois anos atrás, por querer mais liberdade.
“Se quero ir ao Guarujá, vou ao Guarujá. Se quero passear, vou passear.”

Mas seus alunos ainda podem
vê-lo em ação. Nos hospitais universitários, Neme faz partos, que adora, a ponto
de se definir como “parteiro”. “O obstetra é um refinado. Parteiro é quem sabe
fazer um parto.”

Seu forte, diz, é o parto
normal. “A cesárea é uma intervenção que qualquer débil mental faz. Basta ser
médico: ele abre o abdômen, corta o útero, tira a criança e fecha. Mas fazer um
parto vaginal benfeito, isso é para poucos, pois exige muito aprendizado e
experiência.”

Contribuíram para essa
experiência as inúmeras noites em claro nas maternidades. Na Unicamp, chegava a
dormir na enfermaria para fazer partos à noite. Por oito anos, ele literalmente
morou em duas maternidades onde fez residência. “Eu dormia, comia e aprendia lá.
Quando surgia um caso grave, todo mundo acordava para ver”, conta o médico, que
foi discípulo do renomado professor Raul Briquet, de quem herdou um estetoscópio
de Pinard -espécie de cone usado para ouvir os batimentos cardíacos do feto e
que ele ainda usa.

No início da carreira, a maioria
dos partos era domiciliar. Quando havia complicações, era chamado pelas
parteiras. “Fiz muito parto difícil. Eu colocava a mulher na mesa da cozinha, o
marido segurava uma perna, a parteira a outra, e eu fazia um fórceps que hoje
nem na maternidade tenho coragem de fazer”, lembra.

Filho de libaneses, Neme nasceu
em casa, assim como seus dez irmãos. Foi ele quem fez os dois partos de Ruth,
com quem é casado há 61 anos. Para Neme, além dos antibióticos e da anestesia
raquidiana, o ultrassom foi um marco na obstetrícia. “O bebê só falta conversar
com você. A gente vê ele brincando. É uma beleza.”

O médico diz que não pensa em se
aposentar por enquanto. “No dia em que eu perceber que não estou suficientemente
bem para ajudar o meu paciente, eu fecho o consultório.”

Ele programa a reedição de um de
seus livros e reúne material para escrever outro. No tempo livre, pratica
natação e vai à sua fazenda, onde anda a cavalo. Numa noite em que estava lá,
acordou com uma gritaria. Era uma égua que estava parindo, com dificuldades.
“Pedi licença, fui puxando e rodando o cavalinho até que ele saiu. O pessoal
perguntou: “Mas o senhor é veterinário?” Respondi: “Não, eu sou parteiro”.”
(FM)

CARDIOLOGIA

Engenharia de corações

O cirurgião Adib Jatene aprendeu a mexer em motores para ajudar a salvar
vidas -e criou a CPMF na tentativa de melhorar a saúde pública no país

DA REPORTAGEM LOCAL

Prestes a completar 80 anos, o cirurgião torácico Adib Jatene afirma que
faz tudo o que recomenda aos pacientes: não fuma nem bebe, controla as taxas de
colesterol e triglicérides, caminha, faz musculação e mantém o mesmo peso há 30
anos.

Mais do que isso, procura controlar o estresse. “Não dá para evitá-lo. O
que você pode é reagir de forma equilibrada às tensões. E não adianta se
desesperar diante de uma encrenca. Acho que elas são estímulo para a
criatividade”, afirma.

E foi assim, buscando soluções criativas para os problemas, que o médico
construiu dispositivos como o primeiro coração-pulmão artificial do Hospital das
Clínicas da USP e uma válvula cardíaca artificial.

A válvula, por exemplo, era cara demais quando foi trazida para o Brasil,
por volta de 1963. “Não podíamos comprá-la, então resolvi que ia fazer a
válvula. Fui atrás de saber que liga era, que metal era, como é que fazia”,
conta. Com o coração-pulmão artificial também foi assim. “As máquinas importadas
estavam fora da nossa realidade. Já a que eu fiz podia ser consertada em
qualquer lugar.”

O primeiro modelo, testado em cães, ele criou quando atuou em Uberaba (MG).
Se mais tarde ele passou a contar com centros de bioengenharia equipados, na
época tudo foi feito com a ajuda de Chiquinho “Veludo”, dono de uma retificadora
de motores. “Acabei aprendendo a tornear e a fazer essas coisas de mecânica.”

As invenções foram uma oportunidade para Jatene exercitar sua veia de
engenheiro -até o terceiro ano científico, era isso que ele queria ser.

Mudou de planos porque quis estudar saúde pública para voltar ao Acre, onde
nasceu. “Eu tinha dois anos quando meu pai morreu, e a ideia é que ele tinha
morrido por falta de assistência. Não foi bem isso. Mas eu queria voltar.”
Acredita-se que foi a febre amarela que matou seu pai, um libanês que vendia
mercadorias a um seringal em Xapuri (AC).

Na faculdade, Jatene se envolveu, “por acaso”, no grupo de cirurgias
torácicas orientado por Euryclides Zerbini, pioneiro na área no Brasil, com quem
trabalhou por 11 anos. “Aprendi tudo com ele. Era um grande trabalhador. Dizia
que, se a pessoa é séria, competente, nada resiste ao trabalho.”

No InCor (Instituto do Coração da USP) e no Instituto Dante Pazzanese,
Jatene foi pioneiro em uma série de cirurgias. Fez, pela primeira vez no país, a
operação de ponte de safena, assim como a de troca de válvula. E criou uma
técnica batizada com seu nome para correção de uma cardiopatia congênita.

Quando aceitou, em 1979, o convite para ser Secretário Estadual de Saúde do
então governador de São Paulo Paulo Maluf, deixou todo mundo surpreso. “Não
esperavam que um cirurgião cardíaco que atuava fortemente na área fosse
trabalhar na saúde pública.”

Foi ainda ministro da Saúde dos governos Collor e FHC. “Fui atrás de
recurso para a saúde, porque saúde é prioridade no discurso, mas não é na
prática.” Idealizador da CPMF, o extinto imposto do cheque, Jatene continua a
defendê-lo. “Nas discussões no Congresso, eu sempre dizia: “A CPMF não é meu
clube nem meu partido. É a alternativa que eu encontro. Se tiverem alternativa
melhor, eu aceito”. Mas ninguém tinha.”

Ele calcula que já operou em torno de 20 mil pacientes -chegou a fazer
cinco ou seis cirurgias por dia. Mas, se alguém lhe diz que trabalha muito, ele
nega. “Quem trabalhou muito foi minha mãe. Ela era sozinha e ficou sem nada
quando meu pai morreu. Tinha 28 anos e quatro filhos para criar.”

Com a voz embargada, Jatene conta que ela abriu uma loja e costurava para
ganhar a vida. “Eu me emociono porque ela era fantástica. Tinha mil problemas e
nunca se queixava. Quando fechou a loja, não tinha nada. Mas tinha os filhos
formados. Essa era a meta dela.”

Além das atividades ligadas à medicina, Jatene é presidente do conselho
deliberativo do Masp e coleciona obras de arte.

Casado há 54 anos, tem quatro filhos e dez netos. Lê “o que lhe cai na mão” e
cuida de sua fazenda no interior de São Paulo. E diz que, “enquanto sua mão
obedecer a cabeça e a cabeça pensar direito”, não vai se aposentar. “Enquanto eu
der conta eu vou em frente.” (FLÁVIA
MANTOVANI)

É preciso
competência, consciência e carinho

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

No ano passado, o cardiologista
Michel Batlouni, “80 anos cravados”, comemorou os 50 anos dos dois “casamentos”
de sua vida. As bodas de ouro com a mulher e o meio século de trabalho no
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

Nascido em Itápolis (SP),
Batlouni mudou-se com a família para São Paulo aos 15 anos para estudar.
“Naquela época, em muitas cidades do interior só havia escolas até o ginásio
[atual ensino fundamental].” Mais tarde, emigrou para o Rio, ao ser aprovado na
Faculdade de Medicina da UFRJ.

No curso, ele conheceu as três
regras básicas da boa prática médica. “Com os velhos professores, aprendi que o
bom médico precisa preencher pelo menos três “Cs”: competência, consciência e
carinho. É ser bom tecnicamente, ter ética e ter um bom relacionamento com o
paciente.” Para ele, o terceiro “C” é fundamental para um exame clínico
cuidadoso, “uma qualidade que está desaparecendo. Por isso, há um desperdício
fantástico de exames laboratoriais, o que não contribui nem para o paciente nem
para o sistema de saúde.”

Concluída a faculdade, Batlouni
voltou para São Paulo, por causa da família e por avaliar que as possibilidades
de trabalho eram maiores.

Em 1958, entrou no Dante
Pazzanese, como médico-assistente. Foi ali que Batlouni desenvolveu o trabalho
que o tornou bastante conhecido, sobre o coração do atleta.

“Minha tese foi o primeiro
grande trabalho sobre esse tema publicado no Brasil”, afirma. O interesse surgiu
em 1970, quando examinou um jogador de futebol que havia sofrido um infarto. Era
Roberto Dias, zagueiro do São Paulo. “Ele tinha 27 anos e teve o infarto durante
uma partida. Nós tratamos dele, e seis meses depois ele já estava liberado para
jogar.”

No Dante Pazzanese, Batlouni
consolidou sua carreira. “Ocupei todas as funções, de atendente a diretor
clínico”, conta o médico em seu consultório no instituto. Aposentado do cargo de
direção, foi convidado a continuar na instituição.

“Hoje em dia, faço consultoria
científica, dou um curso na pós-graduação e oriento alunos de doutorado.”
Regularmente, é convidado para dar palestras sobre temas como morte súbita em
atletas e o uso de medicamentos na cardiologia, assuntos que estuda há muitos
anos. Atualmente, prepara uma palestra sobre uma nova área de interesse: os
efeitos do aquecimento global e da poluição na saúde.

A rotina de trabalho não é leve.
De segunda a sexta-feira, fica no Dante Pazzanese pela manhã. Às 14h, começa a
atender em seu consultório particular, de onde sai à noite. Na hora do almoço,
visita os internados. “Acabo comendo no hospital para ganhar tempo”, diz.

Não se sente cansado nem
pretende parar de trabalhar. “Gosto do que faço”, diz. Acha que a disposição e a
saúde que mantém são frutos de uma sabedoria de vida. “Não me deixo influenciar
por pequenos problemas, trato os pacientes bem e sou bem tratado por eles,
porque procuro logo conquistar sua simpatia, mesmo que seja um paciente de mal
humor. Além disso, não tenho vícios graves e tenho os bons hábitos de tomar um
pouco de vinho diariamente e jogar tênis pelo menos duas vezes por semana.”
(IARA BIDERMAN)

ORTOPEDIA

Referência para atletas

Especialista em joelho, Gilberto Camanho já operou esportistas de várias
equipes

DA REPORTAGEM LOCAL

Filho de um cirurgião-geral, o ortopedista Gilberto Camanho, 61, diz que
nunca se imaginou fazendo outra coisa além da medicina. “É possível que a
profissão do meu pai tenha me influenciado, mas parece que é algo que nasceu
comigo.”

Já a escolha pela ortopedia surgiu devido ao gosto pelo esporte. Ele já
praticou vários: basquete, vôlei, atletismo. Hoje, joga golfe pelo menos uma vez
por semana.

Formado na PUC-SP em 1970, Camanho se tornou um dos maiores nomes da
medicina esportiva do país -médicos como Joaquim Grava, do Corinthians, e Carlos
Braga, do Santos, estagiaram com ele. Especialista em joelho, já operou
jogadores de vários times. Mas, na hora de torcer, fica na arquibancada
alviverde: é palmeirense “doente” e vai ao estádio sempre que pode.

O médico mantém intensa atividade como pesquisador. “Os estudos mais
interessantes são na área de cartilagem, que está evoluindo muito. Os materiais
e os exames são muito avançados e isso nos permite ousar mais”, diz.

Autor do primeiro livro brasileiro sobre patologia do joelho, tem mais dois
publicados e está trabalhando no quarto, voltado para estudantes de graduação em
medicina e escrito em parceria com outros professores da USP.

Subespecialidades

Do início da carreira para cá, Camanho viu as especialidades serem cada vez
mais divididas em subespecialidades. “Quando comecei, estudávamos toda a
ortopedia. Agora estudamos joelho, ombro, mão… Isso permitiu um
desenvolvimento muito grande, até porque ninguém consegue dominar todo o
conhecimento de uma área, mas também encareceu o exercício da medicina”, afirma.

Ele acredita que a medicina caminha para um atendimento mais
“institucional”. “Não vai ser mais a medicina do médico com o paciente. Se a
pessoa tiver um problema na mão, por exemplo, irá a um hospital de ortopedia e,
lá, será encaminhada aos especialistas. Pode haver perda na relação humanitária,
o que é ruim, mas é inexorável, não vejo outra saída.”

Em sua clínica, porém, faz questão de examinar todos os pacientes. “Faço um
tipo de medicina que é pessoal. Tenho três assistentes, mas quem vê os doentes
sou eu.”

Isso contribui para que Camanho “ainda trabalhe muito”: só em 2008, foram
mais de 900 consultas novas -fora os pacientes antigos.

De família italiana, ele passou a infância no bairro da Mooca, em São
Paulo. É casado, tem dois filhos e diz que pretende diminuir o ritmo
progressivamente. Mas, mesmo após a aposentadoria, quer se manter ativo. “A vida
universitária é muito rica, a gente adquire uma grande experiência. Gostaria de
continuar fazendo consultoria, lidando com livros. Quero continuar na área -e
jogando golfe cada vez mais.” (FLÁVIA
MANTOVANI)

Irmão
doente inspirou escolha da carreira na infância

DA REPORTAGEM LOCAL

As paredes dos numerosos
corredores e salas da clínica do ortopedista Moisés Cohen, 55, estão repletas de
lembranças dos pacientes. São camisas esportivas e capacetes, autografados por
atletas como Raí, Rogério Ceni, Jadel Gregório, Rubens Barrichello e Lars Grael.

Até ser um dos ortopedistas mais
conhecidos do Brasil, Cohen percorreu um longo caminho. Quando pequeno, morava
com os pais e quatro irmãos em um quarto-e-sala em São Paulo. Um dos irmãos teve
uma doença hematológica e morreu aos 14 anos, e foi nas idas e vindas aos postos
de saúde que ele decidiu se tornar médico.

“Sou o filho mais velho e aquilo
marcou muito a minha infância. Acompanhava a minha mãe aos médicos, nas filas.
Aí firmei essa ideia [de estudar medicina], mesmo sabendo que o futuro não seria
fácil.”

E não foi mesmo. Cohen começou a
trabalhar aos 12 anos -foi office-boy e balconista de loja. Conseguiu bolsa em
um cursinho pré-vestibular, onde passava as manhãs: de tarde trabalhava e, à
noite, ia para a aula. No início da faculdade, deu aulas para se manter. “Tive
que me virar. Até em coral eu cantava”, conta ele, que ainda canta como hobby.

“Estava determinado a fazer
ortopedia, e a determinação é uma característica minha. Não desisto nunca”, diz
ele, que hoje atende atletas de baixa renda em um projeto da Unifesp.

A ida aos EUA, onde estudou por
seis meses, foi outra “novela”. “Não me pergunte como, mas fui sozinho, logo
depois do nascimento de minha segunda filha, passar seis meses com menos de US$
3.000.”

As duas filhas de Cohen, que é
casado há 27 anos, hoje fazem residência em ortopedia.

Para o médico, o maior estímulo
à prática esportiva e a maior competitividade são razões para a ocorrência de
mais lesões. “No afã de fazer uma atividade muito intensa, as pessoas exageram.
É preciso conhecer os limites através de uma boa avaliação”, afirma.

A rotina do médico começa às 6h
e vai até meia-noite. “Sou plugado 24 horas”, diz. Quando sobra tempo, Cohen
gosta de jogar futebol. Ele diz que é um “peladeiro insistente”. “Vários colegas
hoje jogam golfe, mas ainda não cheguei a essa fase. Acho que ainda tenho um
pouco de energia para queimar jogando minha bolinha.”

(FM)

ONCOLOGIA

O mais
jovem dos melhores

O oncologista Paulo Hoff
ficou em dúvida entre medicina e direito;hoje,aos 40,é diretor clínico do
Instituto do Câncer

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Por volta das 8h, o oncologista
Paulo Marcelo Gehm Hoff, 40, já está fazendo visitas aos pacientes internados no
Instituto do Câncer de São Paulo Octavio Frias de Oliveira. Às quartas, começa
mais cedo porque tem reunião com os médicos do instituto, em que são discutidos
casos e pesquisas.

Sem perder o jeito manso de
falar, Hoff questiona o apresentador de cada trabalho de forma que ele mesmo
qualifica como dura. “Isso não quer dizer que a pesquisa não seja boa, mas se
exige muito rigor, porque é assim que ele será questionado pela banca, por
exemplo”, diz o diretor clínico do Instituto do Câncer, que é também professor
titular da USP.

A reunião termina por volta das
10h, quando Hoff tem uma pausa antes de partir para as reuniões administrativas.
Nem sempre a pausa é um descanso -na quarta-feira em que a reportagem o
acompanhou, o médico foi supervisionar a retirada dos tubos colocados para a
operação do vice-presidente José Alencar, um de seus pacientes internados no
Hospital Sírio-Libanês, onde é diretor da área de oncologia e mantém seu
consultório particular.

“A gente come de pé, correndo,
acaba comendo demais à noite. É por isso que continuo gordinho”, comenta Hoff.
“Mas não tenha pena. Faço tudo isso porque gosto”, acrescenta.

Dar uma má notícia ao paciente e
à sua família é uma das coisas mais difíceis da profissão, ele diz. “Precisamos
pesar a necessidade de informação do paciente e o quanto dizer sem tirar as
esperanças dele.”

Hoff conta que nos EUA, onde
trabalhou por mais de 11 anos, o médico é obrigado por lei a dizer tudo. Ele é a
favor de deixar o doente sempre a par do que está sendo tratado, mas acredita
que nem sempre é produtivo entrar em detalhes. “Acho que a profundidade da
informação deve ser trabalhada de acordo com a expectativa e a tolerância de
cada um.”

Já teve grandes surpresas. Conta
que uma vez, questionado sobre as chances de cura de determinado caso, disse que
as estatísticas eram de 1%. “Imediatamente, um familiar virou-se todo animado e
disse: “Viu? Tem chance de cura!”.”

Outra questão delicada é saber
quando parar. Hoff diz que todo tratamento de câncer tem três objetivos:
primeiro, curar; se não for possível, aumentar o tempo de vida e, em último
caso, dar qualidade de vida ao paciente mesmo sem poder alterar a evolução da
doença. “Parar não é interromper qualquer tratamento, mas mudar o foco. O
problema é que todo mundo espera um milagre. Tentativas heroicas para mudar a
história da doença têm custo muito alto para todos os envolvidos.”

Precoce

Tudo aconteceu cedo para o mais
jovem entre os melhores médicos do país, de acordo com o Datafolha. Aos 16 anos,
passou nos vestibulares de medicina e de direito. “Tem gente que nasce médico,
mas não era o meu caso”, afirma.

Nascido em Paranavaí (PR), Hoff
passou a infância em Passo Fundo (RS), onde o pai tinha um laboratório de
análises clínicas. “Isso deve ter tido alguma influência.” No início dos anos
80, a família se mudou para a região de Brasília. Hoff fez o curso de medicina
na UnB (Universidade de Brasília).

No sexto ano da faculdade,
ganhou bolsa para estudar na Universidade de Miami, onde também fez residência
médica.

Após especialização no M. D.
Anderson Cancer Center, foi convidado como professor-assistente. Aos 32, foi
eleito o professor do ano no M.D. Anderson, um dos melhores centros de oncologia
do mundo. Na época, já tinham nascido duas de suas três filhas -ele se casou com
uma colega da UnB.

Em 2006, ele voltou, com a
família, ao Brasil. Assumiu a chefia do setor de oncologia do Hospital das
Clínicas da USP e começou a elaborar o projeto do Instituto do Câncer de São
Paulo Octavio Frias de Oliveira.

Com tantas funções, fica difícil
perguntar o que ele faz no tempo livre. Hoff diz que dá um jeito, ao menos nos
fins de semana e nas férias das meninas. Por causa delas, conta que virou fã de
videogames: “É bacana, porque todas elas e eu podemos participar”.

(IARA BIDERMAN)

Tentar de
tudo só acrescenta sacrifício

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O oncologista Sergio Daniel
Simon, 58, conta que, quando se formou, em 1973, a especialidade em oncologia
nem existia no Brasil. Foi durante a residência, nos EUA, que ele se interessou
pela área. “Os tratamentos eram tóxicos e muito pouco eficazes, a evolução dos
pacientes era muito difícil.”

O interesse do recém-formado
transformou-se no entusiasmo do médico experiente. “Hoje, os pacientes vivem
mais e melhor.” Ele cita a paciente que acaba de sair do consultório. “Ela tem
84 anos, tratou-se de um câncer e vai passar férias em Itacaré [BA], aquele fim
de mundo… Isso não existia.”

Para Simon, o médico deve sempre
dizer a verdade ao paciente e saber onde parar. “Tentar de tudo, se há pouca
chance de sucesso, só acrescenta sacrifícios físicos, emocionais e materiais.”

Neste ano, Simon passa a dar
aulas na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). “Sou velho [para a
carreira acadêmica], mas quis começar. A oncologia no Brasil se desenvolveu fora
da universidade. Agora, isso está mudando.”

Casado, Simon tem três filhos e
três netos. Embora nenhum filho tenha seguido a carreira médica, ele aposta no
neto mais velho, de três anos. “Ele só brinca de médico, tem estetoscópio, tira
a pressão…” Aposta também no futuro da oncologia, cuja evolução viu de perto:
“A virada nos últimos anos foi tão grande que eu tenho certeza de que, se eu não
estiver aqui para ver a cura do câncer, meu neto vai estar”.

(IB)

Ouvir é
essencial à prática da medicina

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ele gosta de Heiddeger, de Kant,
do filósofo judeu de origem austríaca Martin Buber, do “Talmud” (registro das
interpretações rabínicas sobre o judaísmo) e de Bach. Quando acorda, o
oncologista Auro del Giglio, 47, reza, lê e anda na esteira.

Com as aulas na Faculdade de
Medicina do ABC e o trabalho no hospital Albert Einstein, só volta para casa às
23h, com exceção das sextas-feiras, em que para antes para cumprir o “shabat”
(dia do descanso judaico). “Essa parada preserva a minha vida familiar.”

Ele acredita que, por lidar o
tempo todo com vida e morte, uma sólida base familiar é essencial para o
equilíbrio. “Oncologistas costumam ter muitos filhos. Acho que é uma conexão com
a vida que você precisa ter para lidar com a morte.” Giglio tem quatro: um casal
de gêmeos de 18 anos e duas garotas, de 15 e 20 anos.

Apesar de falar em morte, ele vê
muita vida na área. “A oncologia, que já foi absolutamente deprimente, é hoje
muito animadora e arrojada”, acredita.

O tipo de prática clínica e o
vasto campo de pesquisa influíram na escolha da especialidade, assim como a
história familiar. “Minha mãe teve câncer e ficou boa. Foi um incentivo.”

Na adolescência, pensou em se
tornar pianista clássico, até ver que “podemos ter muitos médicos bons, mas,
entre pianistas, só há espaço para o melhor”. Mas não abandonou o piano: tem
aulas com um professor de música e toca bem. Como médico, se considera “bom” e
acha o adjetivo “melhor” perigoso. “Já li que o “melhor médico” merece o inferno
porque, se ele se acha o melhor, não ouve os outros. Saber ouvir é essencial
para a boa prática da medicina.”

(IB)

Atender
também as urgências emocionais

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O que deixa o oncologista Artur
Katz, 50, mais feliz é ver um exame melhorar. “A última paciente que vi, uma
mulher na faixa dos 40 anos, com um filho de cinco, tem um câncer de mama muito
sério e que, apesar dos os tratamentos, vinha piorando. O exame de setembro
estava ruim, o de novembro melhorou e o que ela trouxe hoje está muito melhor”,
comemora em seu consultório no Sírio-Libanês.

Katz conta que a escolha pela
medicina não teve motivos muito claros. “O que mais pesou foi ter escutado a
vida inteira meu pai, que era comerciante, dizer que gostaria de ter feito
medicina.”

Logo no início da faculdade,
quis se especializar em cirurgia. A parte cirúrgica pareceu, para Katz, menos
atraente do que a clínica, e ele mudou.

Convidado por um colega
radioterapeuta a acompanhar clinicamente os pacientes, começou a se encantar com
a oncologia. “Eu já gostava de clínica, e a oncologia envolve muito o tratamento
geral do paciente, permite um contato humano especial e profundo.”

Apesar de adorar o que faz,
ressente-se da falta de tempo para a família. “Minha filha de seis anos já disse
que não vai ser médica porque vai querer estar em casa na hora em que seus
filhos forem dormir”, diz.

Se o pai pode ser muitas vezes
ausente, o médico nunca é. Katz considera dever do médico ser acessível. “Quando
você tem uma doença, precisa de alguém presente.”

O médico procura cumprir o que
prega. Depois das consultas, responde telefonemas de pacientes. “Mesmo quando
não há urgência médica, existe a urgência emocional. É preciso explicar por que
vale a pena perder o cabelo? É preciso, não é uma preocupação fútil, e o
paciente informado participa do tratamento de forma ativa. É paciente, mas não é
passivo.”
(IB)

O
cirurgião de 8.000 e do vice-presidente

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O cirurgião oncológico Ademar
Lopes, 62, cresceu na propriedade rural dos pais em Uberaba (MG). Na fazenda,
ficava fascinado ao ver como os animais, após o abate, eram por dentro. “Desde o
primário, já tinha decidido que seria cirurgião”, conta.

Lopes calcula ter realizado
cerca de 8.000 cirurgias. Além do número de procedimentos, orgulha-se de ter
formado mestres e doutores. Ele é professor titular da Universidade de Mogi das
Cruzes e orientador de pós-graduação na FAP (Fundação Antônio Prudente), na qual
também exerce o cargo de diretor do departamento de cirurgia pélvica e de
vice-presidente do Hospital A. C. Camargo.

“Procuro um equilíbrio entre
operar, atender [em consultório], ensinar, pesquisar e escrever artigos. O bom
cirurgião tem de ter uma conexão direta com a área de pesquisa, mas seu grande
laboratório é o centro cirúrgico.”

De três a quatro vezes por mês,
Lopes opera voluntariamente no Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas
de São Paulo. Muitas vezes, nos finais de semana. “Reservo esses dias para
cirurgias especiais, que podem durar de oito a 20 horas.”

No último domingo de janeiro,
Lopes passou 17 horas na cirurgia do vice-presidente José Alencar, 77, na qual
foram retirados um tumor de 12 cm e cerca de dez nódulos da região abdominal.

(IB)

Quanto
mais difícil, melhor

Antonio Buzaid, 50, que
brincava de fazer pesquisa na infância, elegeu a luta contra o câncer por
considerá-la desafiadora

DA REPORTAGEM LOCAL

O oncologista Antonio Carlos
Buzaid, 50, teve seu primeiro contato com a pesquisa científica bem cedo. Quando
tinha 12 anos, ganhou um pequeno laboratório, com cobaias e tudo, no qual fazia
experimentos. “Tentei fazer criopreservação [preservação no gelo] de animais,
mas não fui bem sucedido”, brinca, e conta que seu pai, o jurista e ex-ministro
da Justiça Alfredo Buzaid (1914-1991), nunca mediu esforços para que ele se
dedicasse ao que gostava.

A escolha pela medicina foi
consequência do interesse pelas ciências. Já a oncologia ele elegeu por
considerá-la desafiadora. “Sempre gostei de situações complexas. Quando era
residente, pedia para ficar com os casos mais complicados. E o paciente com
câncer é mais difícil.”

Com o tumor de pele no qual ele
concentrou seus estudos também foi assim. “Quis pesquisar o melanoma porque era
um câncer difícil. Ninguém queria estudá-lo.”

Foi nos EUA, onde morou por 13
anos, que Buzaid se aprofundou na área. Na Universidade do Arizona,
especializou-se em oncologia clínica e em hematologia. Primeiro brasileiro no
programa, o médico diz ter sentido, inicialmente, um certo descrédito em relação
a ele. Um ano depois, ganhou o prêmio de melhor aluno. “Havia um pouco de
ceticismo. Mas, no final, eu já estava adaptado.”

Depois de lecionar na
Universidade Yale, em New Haven (Connecticut), Buzaid foi convidado para
trabalhar no M. D. Anderson, um dos mais renomados hospitais de câncer do mundo,
onde ganhou o prêmio de professor do ano. “A grande vantagem dos EUA é que eles
estavam, em termos de tratamento do câncer, pelo menos dez ou 15 anos à nossa
frente. Lá já se tinha o conceito do manejo multidisciplinar, do trabalho
conjunto entre clínico e cirurgião”, diz.

Quando voltou ao país, em 1998,
esse foi um dos conceitos aplicados por ele no Centro de Oncologia do Hospital
Sírio-Libanês, que ajudou a construir. Buzaid diz que os médicos do centro
trabalham, no mínimo, 12 horas diárias -há quem trabalhe até 15. Com ele não é
diferente, e a correria é maior porque ele não gosta de se atrasar. “Sou muito
pontual. Se o dia ficar curto, eu não almoço, como um sanduíche. É raro eu
atrasar as consultas 15 minutos.”

Casado pela segunda vez, com uma
oncologista, Buzaid tem dois filhos: um menino de dois anos -“esse com cara de
“global” aí; ele adora fazer pose”, aponta no porta-retrato- e uma menina de
nove meses.

Nos fins de semana, vai com a
família para sua fazenda em Itatiba (SP), onde pratica windsurfe e artes
marciais. Mas o trabalho continua: mesmo lá, ele estuda por seis horas, em
média. “Meus livros são todos escritos na fazenda.”

Buzaid costuma ser procurado por
pessoas que já tentaram todas as opções de tratamento, e 75% de seus pacientes
vêm de outros Estados. “Vou até o limite. Se alguém tem uma chance de 1%, vou
atrás do 1%. Sou criticado por isso. Mas acho que essa é a obrigação do médico.”

Como o esforço nem sempre é
suficiente para salvar a pessoa, Buzaid diz que considera sua área estressante.
“A oncologia é frustrante porque você faz 100% de esforço e não tem 100% de
retorno. Você usa o melhor remédio, vê o doente várias vezes e ele não melhora.”

No dia da entrevista, ele contou
que perdera uma paciente de manhã e que é impossível não se envolver. “A carga
emocional envolvida na oncologia é elevada. A paciente pergunta: “E então,
doutor, qual é o próximo passo?” E acabaram as armas, tecnicamente falando. Ela
pega o celular e mostra: “Esse é o meu filho de dois anos”. O médico tem que
manter o profissionalismo, mas isso não quer dizer que ele não sofra.”

(FLÁVIA MANTOVANI)

 

 

Categorias: Medicina

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