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O Estado de São Paulo Domingo, 3 junho de 2007

ECONOMIA & NEGÓCIOS

 

 

 



Explosão da Bolsa de Valores cria nova geração de capitalistas



No fim de 2003, valor total das empresas na Bolsa era de US$ 234 milhões; na
sexta-feira, passou de US$ 1 trilhão

Patrícia Cançado e Ricardo
Grinbaum

Alguns meses antes do atentado de 11 de
setembro de 2001, o empresário Constantino Júnior, fundador da Gol, recebeu
cinco telefonemas de um sujeito da AIG. No quinto, ele atendeu. Do outro
lado da linha, ao contrário do que imaginava, não estava um corretor de
seguros, mas sim um executivo do mercado financeiro querendo comprar uma
participação na sua recém-criada companhia aérea. As conversas se estenderam
até fevereiro de 2003, quando a americana AIG Capital aplicou US$ 26 milhões
na empresa. No ano passado, ela vendeu seu último lote de ações na Gol e, ao
final, ganhou dez vezes o que investiu.

A história da Gol é emblemática porque
abriu caminho para um novo ciclo do capitalismo brasileiro. Em 2004, quando
a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) estava abandonada, Gol, ALL e
Natura foram as primeiras empresas de porte a abrir capital e indicar um
modo diferente de financiar os negócios no Brasil. No final de 2003, o valor
total das empresas listadas na Bolsa era de apenas US$ 234 bilhões. Na
sexta-feira, esse número ultrapassou pela primeira vez a marca de US$ 1
trilhão. Não me lembro de ter vivido um momento como esse. Até então, a
regra era grandes grupos industriais serem dependentes dos empréstimos do
BNDES , diz Claudio Haddad, presidente do Ibmec.

E não é só na Bolsa que o mundo de
negócios brasileiro está se renovando. O número de fusões e aquisições bate
recordes sucessivos. Nos quatro primeiros meses do ano, o volume de
transações atingiu US$ 22,7 bilhões, praticamente igual a todo o ano de
2004. A previsão é que os negócios movimentem US$ 100 bilhões em 2007. No
mundo, o volume de fusões e aquisições já ultrapassou US$ 2 trilhões este
ano.

Esse fenômeno é fruto da abundância
internacional de recursos para investimentos, da estabilidade da economia
brasileira e da iniciativa de alguns executivos e empresários que souberam
enxergar antes e apostar nessa mudança. O homem dos telefonemas da AIG é
parte desse time. O nome dele é Fernando Borges, e há sete anos ele dirige o
fundo de private equity da AIG no Brasil. A gente entrou na Gol quando o
mercado estava parado. A venda de ações da Gol, da Natura e da ALL ajudou a
criar esse mercado. Quem investiu nelas ganhou dinheiro , diz Borges.

Esses executivos pertencem a uma
geração que tem hoje entre 40 e 50 anos, foi formada na cultura agressiva
dos bancos de investimentos internacionais, com uma capacidade de análise da
economia que vai além dos números. Boa parte deles saiu do antigo Banco
Garantia, do hoje empresário Jorge Paulo Lemann, ou foi influenciada por
ele. O sucesso estrondoso e a crise do Garantia, em 1998, são divisores de
água para os homens que estão fazendo a roda dos negócios girar mais rápido
no Brasil.

AGRESSIVIDADE

A principal empresa de investimentos em
participações (private equity) do País, a GP, foi criada por antigos sócios
do Garantia. Ela abriu seu primeiro fundo em 1994 com US$ 500 milhões,
quando não se conhecia esse tipo de negócio no Brasil. Desde então, já
investiu mais US$ 1,1 bilhão em empresas como Telemar, ALL Logística,
Submarino e a construtora Gafisa. Quando questionado se não se incomoda com
a fama de investidor agressivo, um dos sócios da GP tem uma resposta pronta:
Não é fama, nós somos agressivos.

O estilo ousado é uma das marcas de
dois dos bancos mais atuantes na abertura de capital: UBS Pactual e Credit
Suisse. Eles foram responsáveis por cerca de 80% da emissão de ações dos
últimos três anos. Ambos têm no DNA os genes do Garantia: o Pactual se
inspirou em seu modelo de gestão, em que a remuneração varia de acordo com o
desempenho de cada executivo. O Credit Suisse comprou o Garantia depois que
o banco perdeu muito dinheiro com a crise da Rússia, em 1998.

No ano seguinte, ainda sob a influência
da crise do Garantia, os principais sócios do Pactual se reuniram para
discutir o futuro do banco. Até então, eles ganhavam dinheiro como todos os
bancos de investimentos no País: apostando recursos próprios em juros e
dólar no nervoso mercado financeiro brasileiro. Preocupados com as seguidas
crises financeiras do Brasil, o Pactual decidiu diversificar seus negócios e
se dedicar a atividades como emissões de ações, fusões e aquisições.

Em 2003, o Credit Suisse também reviu
suas apostas. Foi quando Antonio Quintella assumiu a presidência do banco.
Percebemos que em algum momento a economia brasileira iria se estabilizar e
o grande negócio seria prestar serviços para terceiros, e não aplicar
recursos próprios , disse Quintella.

Naquela época, os negócios estavam
fracos. De 1997 a 2003, só três empresas haviam lançado ações na bolsa. Os
principais concorrentes do Pactual e do Credit Suisse haviam sido vendidos,
fechado as portas ou deixado o Brasil. Quando a economia se estabilizou e os
negócios começaram a pipocar, ninguém tinha equipes dedicadas às emissões de
ações ou fusões e aquisições como os dois bancos. O Pactual participou de
três das quatro emissões de ações pioneiras do mercado: CCR, ALL e Gol. Só
ficou de fora da Natura.

Além de pegar carona, eles têm gerado
novos tipos de negócios. Quando a americana J.C. Penney quis vender a rede
de lojas Renner, o Credit Suisse convenceu a empresa a negociar todas suas
ações na Bolsa, fato inédito até então. Colocar as ações da Renner nas mãos
de milhares de investidores abriu uma nova possibilidade de vender o
controle de empresas no Brasil.

Jean-Marc Etlin, vice-presidente
responsável pelo banco de investimentos do Itaú BBA, também colhe os frutos
por ter apostado cedo na recuperação da economia. Ele passou dez anos,
durante a década de 80, trabalhando em bancos e fundos de investimentos nos
EUA e na Europa. No início da década de 90, voltou ao Brasil. Percebi que a
economia ia se estabilizar e apareceriam muitas oportunidades de negócios ,
diz Etlin. Na época, como executivo do UBS, participou da emissão de ações
das pioneiras CCR, Natura e Dasa. O negócio só está começando. Cada 1% da
economia dos brasileiros que migrar para a Bolsa trará investimentos de US$
4,5 bi.


De cada 100 ligações, 10 reuniões
e 1 negócio

Comprar uma
empresa ou organizar uma oferta de ações está criando uma nova geração de
milionários no Brasil. Mas, para ganhar as comissões e bônus do mercado
financeiro, os executivos têm de trabalhar muito. Esses profissionais têm
uma disciplina militar e raramente se desconectam do mundo.

A competição
está aumentando e é dura porque as pessoas estão muito bem preparadas. Esse
é um trabalho de preparo técnico, disciplina e dedicação 24 horas por dia. O
pesadelo é ver um grande cliente nosso contratando um rival para fechar
negócio , diz Ricardo Lacerda, presidente do banco de investimentos do Citi.

No fundo de
investimentos em empresas da AIG, a cada 100 ligações os executivos
conseguem marcar 10 reuniões com donos de empresas. De cada 10 reuniões, sai
apenas um negócio. Hoje, não concorro só com outros fundos. Mas também com
os bancos que procuram os mesmos empresários para lançar as ações na Bolsa ,
diz Fernando Borges, presidente da AIG Capital. A Cosan, por exemplo, nós
perdemos para a Bolsa. Agora, se eu quiser investir na Cosan, não vou pagar
o que o mercado está pagando.

Os executivos
têm exercitado a imaginação para atrair novos empresários e novos setores. O
Credit Suisse abriu o capital da Anhangüera Educacional e saiu à caça de
outras faculdades. Também já vendeu papéis de empresas que ainda não
existiam, eram só projetos. Nosso desafio é abrir novas fronteiras de
negócios , diz Antonio Quintella, do Credit Suisse.

No mercado
financeiro corre um comentário que, se há alguma operação difícil de ser
realizada, só o Credit Suisse é capaz de fazer. Essa visão pode ser
interpretada de duas maneiras: excesso de ousadia ou habilidade de convencer
os empresários. Este ano, o Credit Suisse pretende fazer mais de 20
aberturas de capital. P.C. e R.G.


A virada da Bovespa, movida a
esforço e sorte

O clima de
euforia de sexta-feira, quando a Bolsa bateu o 20º recorde de pontos do ano,
em nada lembra uma madrugada gelada de 2001. Na época, o presidente da
Bovespa, Raymundo Magliano Filho, estava nas ruas tentando popularizar
negócios com ações e salvar a Bolsa. Tinha de estar às 4h30 da manhã na
porta da fábrica, mas estava difícil achar uma luz.

Naquela
época, a Bolsa movimentava menos de US$ 200 milhões por dia – hoje são US$
1,8 bilhão -, as empresas levavam as ações a Nova York sob forma de ADRs e
não havia interessados em emitir papéis no Brasil. A conversa mais comum era
que a Bolsa de São Paulo seria engolida pela de Nova York. A história da
virada na Bovespa conta com muito esforço, alguma sorte e uma dose de
ironia.

A melhora do
cenário externo e a estabilização da economia ajudaram, mas a Bovespa fez
sua parte. Contratou uma equipe chefiada pelo economista José Roberto
Mendonça de Barros para a reestruturação. Foram visitadas seis bolsas
européias até se encontrar um modelo, a Neuer Market, bolsa alemã de
empresas de tecnologia.

Em outro
front, Magliano brigou para acabar com a cobrança da CPMF, que tornava os
negócios com ações mais caros do que nos EUA. No auge da crise, pediu a
ajuda do presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, e levou um
caminhão de som à porta da Bolsa. Os operadores fizeram greve para pedir ao
presidente Fernando Henrique Cardoso para salvar seus empregos.

Durante 10
meses, Magliano visitou deputados e senadores em Brasília até convencê-los a
derrubar a CPMF na venda de ações. A CPMF caiu em junho de 2002 e,
lentamente, as empresas começaram a aderir ao Novo Mercado, hoje o principal
motor da Bolsa. Por ironia, o Neuer Market alemão acabou com o estouro da
bolha da internet. Os negócios voltaram à Bovespa, mas os operadores não
estão mais lá. O pregão, agora, é eletrônico.P.C. e R.G.

 


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