REVISTA ÉPOCA, 30/04/2009 – 15:37 – Atualizado em 30/04/2009 –
21:10
Gay Talese escreve sua maior autobiografia
"Vida
de escritor" fala sobre a formação do repórter, de sua carreira e alguns
fracassos
Luís Antônio Giron
TERRA NATAL
O
jornalista Gay Talese em Ocean City, em 2000. Em
Vida de escritor,
ele conta como o ambiente tradicional da cidade ajudou em sua formação
O
escritor americano Gay Talese, de 77 anos, é o santo padroeiro dos repórteres
que brigam com o chefe para impor suas ideias. Em 40 anos de militância em
redações, ele encarnou a luta do talento contra as limitações de espaço dos
jornais e revistas, do indivíduo “genial” contra a indústria editorial
“castradora”. O destino de profissionais assim oscila entre a glória e o
isolamento, sobretudo porque a imprensa trabalha cada vez mais em esquema de
equipes e espaço reduzido, em nome da otimização dos recursos. E a eclosão da
internet só potencializou a tendência, embora tenha dado espaço à proliferação
de opinião, pelos blogs. A trajetória de Talese é o sintomático retrato de
poucos grandes sucessos e dos longos momentos de dispersão de um repórter que se
colocou no centro dos acontecimentos para inserir a reportagem entre as
belas-artes.
Em
2006, o jornalista lançou
Vida de Escritor
(Companhia das Letras, 512 páginas, R$ 59), sua terceira e maior autobiografia,
o oitavo título desde 1964. Para quem já tinha feito tudo em seu ofício e já
estava mais que consagrado, só restava mesmo reunir os textos dos outros livros
numa obra mais vasta, que desse conta de sua formação, do início da carreira aos
grandes êxitos e fracassos. E foi isso que Talese fez.
O
resultado é uma narrativa livre e fragmentária, unida pelo fio condutor de uma
reportagem que não deu certo, entre tantas outras: a história da jogadora
chinesa Liu Yang, que perdeu um pênalti na final da Copa do Mundo de 1998 nos
Estados Unidos. Talese dedica centenas de páginas da obra ao caso. Conta como
surgiu a ideia, os percalços até convencer um editor e como não conseguiu fazer
a reportagem, custeada pela revista
The New Yorker.
Em meio a digressões sobre esportes, ele dá espaço a algumas poucas passagens
pessoais, como sua formação em Ocean City, Nova Jersey, onde nasceu em 7 de
fevereiro de 1932, em uma família católica de imigrantes calabreses, a vida
difícil na escola (onde não era bom aluno e a atraente professora de redação
odiava seus textos) e o início na profissão, como repórter esportivo – fato que
marcaria para sempre seu estilo, hoje tido por muitos como excessivo e
pastichoso.
Saiba mais –
§
»Leia
um trecho de "Vida de Escritor", de Gay Talese
Embora o autor não queira se glorificar, encontra espaço para narrar o momento
de virada em sua carreira: o início dos anos 60, quando ele ajudou a criar um
gênero de reportagem que ia de encontro à evolução da indústria jornalística
rumo ao texto curto. Esse gênero se valia das ferramentas da ficção para dar
conta de fatos reais e descartava a objetividade do repórter em benefício do
ângulo pessoal. Nascia assim o “New Journalism”. Talese figurava entre os
grandes do estilo, ao lado de Tom Wolfe e Truman Capote, escritores que faziam
da realidade um campo de criação literária.
E,
como literatura pede espaço, o exuberante repórter esportivo se indispôs com os
jornais onde trabalhou (The
New York Times
e
Sunday Times)
nos anos 50 e buscou as revistas como palco de suas reportagens. Em 1964,
publicou o primeiro livro-reportagem:
A
ponte,
sobre a construção da Ponte Verrazano-Narrows em Nova York. Ali consolidou seu
estilo livre. Dois anos depois, publicou na revista
Esquire
a reportagem que o consagrou: “Frank Sinatra está gripado”. Ele fez o perfil do
cantor sem entrevistá-lo, a partir de depoimentos de amigos, empregados,
parentes e inimigos. O texto se tornou o modelo da reportagem moderna. A grande
reportagem “O reino e o poder” (1969), contando a saga do jornal
The New York Times,
virou também paradigma de texto jornalístico de fôlego, crítico e independente.
É
curioso como um jornalista com tantas credenciais tenha perdido a mão após os 40
anos. Suas reportagens não comoviam mais os chefes, e ele passou a escrever
memórias. Em 1993, aceitou o convite da editora da revista
The New Yorker,
a inglesa Tina Brown, para assinar grandes reportagens. Fascinado pela beleza e
pelo rigor da jornalista (que lembrava a implicante professora de redação), ele
não conseguiu dobrá-la. Foi, para ele, “a primeira mulher que personificou a
assustadora combinação de atração sexual e poder profissional”. Poder que lhe
permitiu refugar a reportagem de Talese sobre o caso Lorena Bobbit – a mulher
que havia castrado o marido – depois de muito bate-boca ao vivo e por cartas.
Como a professora do secundário, Tina apontava defeitos em seu texto – os quais,
como típico repórter, Talese teimava em não ver.
A
partir de então, ele passou a escrever memórias. Diz que prefere o lápis ao
computador, o isolamento em Ocean City, para onde voltou, à vida agitada de Nova
York. Sai pouco de seu retiro. Em julho, virá ao Brasil para a Festa Literária
de Paraty. Inquieto, elaborou sua nova autobiografia para juntar as anotações
para as reportagens sobre Liu Yang e Lorena Bobbit e ainda sonhar com livros
sobre as apurações.Talese não baixa a guarda. Reconhece que, em sua carreira,
investiu “pesadamente na perda de tempo”. Uma santa perda, que até hoje inspira
seguidores. Mas
Vida de escritor
não serve só para jornalista. É um livro que carrega o leitor nas mais saborosas
divagações, fofocas e brigas sobre a vida boêmia, jornalística e esportiva
americana dos últimos 60 anos.
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