O Estado de S.Paulo, https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,ha-coisas-mais-graves-do-que-o-mercado-informa,70003214217, 28/02/2020

Há coisas mais graves do que o mercado informal

É devastador o efeito de novidades como automação, inteligência artificial e big data sobre o trabalho

Celso Ming


Ao final de janeiro, havia no Brasil 92,2 milhões de trabalhadores com alguma ocupação remunerada, como atesta o IBGE. Desses, 40,7%, ou 38,3 milhões, estavam na informalidade, trabalhavam sem registro na carteira. É um conjunto de pessoas que vem crescendo, embora possa até apresentar certo recuo de um mês para outro.

Lois da jornada de trabalho, aqueles que recebem “por fora” parte do seu salário, como acontece com a comissão de vendedores, o caso de profissionais liberais que operam “sem recibo” e por aí vai. Qual é o tamanho desse contingente de semi-informais é pergunta à procura de resposta.

Como acontece com tanta gente que se vê obrigada a “uberizar” sua força de trabalho ou que opera por conta própria, a situação desses informais pode ser lamentada, mas não sumariamente condenada. Uma condenação levaria ao mesmo risco do sujeito que se restringe a reclamar da unha encravada sem levar em conta que é sua perna que está ameaçada de amputação.

O mar não está mais para certinhos e formalizados, como tanto se deseja, porque a revolução do mercado de trabalho é impressionante e cresce a níveis alucinantes.

Na semana passada, a gigante Amazon anunciou mais um supermercado que opera sem caixas. À medida que o consumidor põe produtos na sua sacola, o aplicativo vai somando os valores das compras; na saída, a conta é paga pelo smartphone.

Lojas da Amazon e estabelecimentos de conveniência já funcionam assim há alguns anos. O novo passo avança para estágio mais amplo de automação, que reduz os custos e, por consequência, permite prática de preços mais baixos para o consumidor, que já está comemorando. A concorrência acabará tendo de seguir por esse mesmo caminho e multiplicará em escala global os efeitos do novo arranjo.

Aqui no Brasil, o Grupo Pão de Açúcar começou a substituir os caixas convencionais por máquinas automáticas. E é mais ou menos o mesmo que já acontece no comércio online, uma das inovações de grande sucesso do Magazine Luiza, que elimina almoxarifados nas lojas da rede e dispensa vendedores. Os bancos, por sua vez, vêm substituindo milhares de caixas e de funcionários de suas agências por aplicativos que funcionam 24 horas por dia, operados pelo próprio correntista. 

O efeito dessas novidades – e de outras, nem tanto – sobre o mercado de trabalho é devastador. A dispensa de mão de obra acontece até mais rapidamente do que no tão falado processo de robotização na indústria.

Quando protestam contra o Uber, contra o 99 e o Cabify e contra outras formas de mobilidade urbana, os motoristas de táxi estão olhando para o cisco que irrita seus olhos, mas não para a tora que lhes cai sobre a cabeça. Eles próprios tendem a desaparecer das praças, como aconteceu com os carregadores de malas nos aeroportos e estações ferroviárias.

Também vai com dias contados a ocupação hoje proporcionada aos motoristas do Uber e das demais empresas, inclusive dos caminhoneiros, porque está em forte aceleração o desenvolvimento de veículos autônomos (sem condutor), algo que já acontece com drones, tratores, colheitadeiras e outras máquinas agrícolas. Mesmo que sua implantação atrase em alguns meses, a tecnologia de conexão 5G vai acentuar esse processo.

Ou seja, há coisas bem mais graves acontecendo no mercado de trabalho do que o crescimento das atividades informais – que tanta gente não se cansa de denunciar como desgraça.

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