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O Estado de São Paulo, Quinta-feira, 13 dezembro de 2007


METRÓPOLE

 
 



Homem ganha a vida anunciando a morte



Pingo D’Água cobra R$ 30 por hora para divulgar velórios no alto-falante

Brás Henrique


Américo Brasiliense

– Ângelo Fais, de 56 anos, não gosta de seu nome e avisa que prefere ser chamado
pelo apelido. Foi como Pingo D’Água que ele se tornou um dos mais conhecidos
moradores da pacata Américo Brasiliense, cidade de 31 mil habitantes vizinha de
Araraquara (SP). A notoriedade está ligada à sua curiosa profissão. Ele é
anunciador de velórios.

 

Com seu Gol com dois
alto-falantes e microfone – às vezes, ele usa fitas gravadas -, Pingo D’Água
percorre as ruas avisando quem morreu e o horário do enterro. Faz isso há 30
anos. Anteontem, por exemplo, divulgou a morte de João Maria Oliveira, de 70
anos, o Perninha, “pai do Rolinha, do Alício e do Juari, do mototáxi”.

 

Para uma cidade que
não tem emissoras de rádio (as piratas já foram lacradas), o serviço de Pingo
D’Água é essencial. “Se não fosse ele, ninguém ficaria sabendo das mortes aqui.
É um trabalho ótimo”, diz Benedito Carlos Filho, o Pelanca, colega de Pingo
D’Água em locuções de futebol amador no passado e também amigo do falecido
Perninha.

 

Além de anunciar o
velório e o sepultamento, pela taxa de R$ 30 por hora, ele ainda puxa o cortejo
e presta até homenagens aos mortos (que custam ao menos R$ 50) na hora em que o
caixão baixa ao túmulo. O serviço mais caro foi um pacote de R$ 350, quando ele
anunciou a morte por toda a cidade.

 

Pingo D’Água é
bem-humorado ao falar do trabalho. “O preço? Depende do defunto!”, brinca. Ele
tenta não se deixar abater pela tristeza que cerca a ocasião, mas nem sempre
consegue. Entre os casos que o emocionaram, Pingo D’Água citou o sepultamento,
há alguns meses, de um peão de rodeio pisoteado pelo touro. O anúncio da morte
seguiu o melhor estilo de locutor country.

 

O serviço transformou
o divulgador de velórios num tipo de expert em mortalidade. Ele garante, por
exemplo, que o número de mortes diminui em dezembro. “É comum, recebe-se o 13º,
o abono, ninguém enfarta, mas em fevereiro vêm as prestações e aí…”. Aliás,
após levar alguns calotes, ele não faz mais fiado: só trabalha se receber
antecipado.

 

O locutor tem muita
história para contar, já que também anuncia promoções de lojas, sumiço de
pessoas, cachorros e até dentaduras. Como a de um menino que, feliz, pediu para
anunciar a morte da madrasta e avisar que ela batia nele. Além de um grupo de
bêbados que, após a chegada de um garrafão de pinga, adiou o sepultamento do
amigo morto para o dia seguinte. Enterro que, na verdade, Pingo D’Água ajudou a
fazer: os homens desmaiaram de tanto beber.

 


EMOÇÃO

 

Casado, com dois
filhos, o locutor também já foi tratorista, lavrador e palhaço de circo por
alguns anos. Formou dupla caipira (Pingo D’Água e Ramo Verde) na adolescência e
juventude. A escolha do nome foi, por assim dizer, literal. Ele diz que teve a
idéia ao ver uma gota d’água cair num ramo verde.

 

A fama fez Pingo
D’Água tentar vôos mais altos na cidade. Foi candidato a vereador nos anos 80 –
teve o mesmo número de votos de um médico e ficou na suplência pelo desempate,
cujo critério foi a idade.

 

Nada mau para quem,
até os 7 anos, pouco falou, acometido pela difteria, que lhe causou sérios
problemas respiratórios. Algo que Pingo D’Água superou ao ver, na colônia da
usina onde morava com a família, um vendedor de biscoitos anunciando o produto
com um microfone. Ficou encantado com aquilo e decidiu que um dia ainda faria
igual. “Nunca mais parei de falar.”


Locutor
ganha até R$ 1 mil por mês com velórios

Sandro Villar

Irritado
com o salário no rádio – “uma merreca” -, o locutor Wilson José Gomes, de 39
anos, apelidado de Wilson Mano, resolveu diversificar a atuação. Há dez anos ele
é anunciador de velórios em Martinópolis e, esporadicamente, em Indiana, cidades
da região de Presidente Prudente (SP). Ganha até R$ 1 mil por mês. Wilson Mano,
que tem o apelido por chamar todo mundo de “mano”, instalou um aparelho de som
com dois alto-falantes no seu Escort 93, com o qual percorre os bairros
anunciando falecimentos e o local do velório. Cobra R$ 17 por hora. “Se os
parentes não têm condições, dou desconto. Recebo por 1 ou 2 horas e o anúncio é
feito no bairro do falecido.” Quando o morto é conhecido, o anúncio é divulgado
em toda a cidade e a família paga até 5 horas de serviço – que tem patrocínio da
prefeitura.


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