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O Estado de São Paulo, Domingo, 14 setembro de 2008


METRÓPOLE

 
 


“Irmãos” de longa
data


 


Os atores José
Geraldo e João se reencontraram em ‘Linha de Passe’


 

Renato Machado

 

José Geraldo
Rodrigues sentiu uma ponta de desânimo quando olhou para o amigo de adolescência
João Baldasserini. Os dois estavam sentados em uma sala com outras três pessoas
em mais um dos inúmeros testes que fizeram após virarem atores. Só havia duas
vagas. “Que droga, como a gente é parecido. Com certeza estamos disputando a
mesma vaga”, pensou José. Quando saiu o resultado, eles descobriram que os
personagens eram irmãos e por isso a semelhança contou a favor: José virou Dinho
e João passou a ser Dênis em Linha de Passe, o mais recente filme de Walter
Salles e Daniela Thomas.

 

Linha de Passe foi
visto por mais de 50 mil pessoas no Brasil em pouco mais de uma semana em
cartaz. Um de seus pontos fortes é justamente o elenco, que foi elogiado pela
crítica e rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes para Sandra
Corveloni. Além de alavancar as carreiras dos jovens atores, o filme
proporcionou um reencontro entre os dois amigos, que iniciaram praticamente
juntos no teatro há quase dez anos.

 

José Geraldo e João
têm 24 anos e são paulistanos, embora tenham mudado ainda pequenos para
Indaiatuba, na região de Campinas. Eles se conheceram no último ano do ensino
médio, quando montaram o grupo de teatro Plebe e estrearam em um festival
estudantil. Em um palco de madeira, uma iluminação improvisada e uma platéia não
muito grande, eles interpretaram a peça As Massas e o Homem, do autor
expressionista alemão Ernst Toller.

 

O grupo continuou
mesmo quando João se mudou para Tatuí para estudar no Conservatório Dramático e
Musical da cidade. Nos fins de semana, todos se reuniam para longas sessões de
improvisações – sem muita técnica teatral e mais na base da intuição. O Plebe só
terminou em 2002, quando José Geraldo veio para São Paulo estudar Psicologia na
USP e João reduziu as idas para Indaiatuba. Três dos outros amigos continuaram
como atores em diferentes regiões do País e um deles atualmente está com um
espetáculo infantil na Itália.

 

João também veio
morar em São Paulo dois anos depois, mas a amizade com José Geraldo se dava mais
por e-mails ou quando se encontravam ocasionalmente. “A gente tinha uma agenda
totalmente diferente, então nos afastamos”, diz João. Ele começou a estudar na
Escola de Artes Dramáticas (EAD/USP) e, em 2006, entrou para a companhia Os
Satyros e atuou em A Vida na Praça Roosevelt, Liz e Vestido de Noiva.

 

Ao contrário do
amigo, José Geraldo ainda não tinha tanta certeza a respeito de seu futuro como
ator e, por isso, se dedicou à faculdade de Psicologia. O lado artístico surgia
quando ele atuava nos filmes experimentais da irmã, que é estudante de Cinema,
em peças para adolescentes e quando era convidado para algum espetáculo.

 

Por essa situação,
foi com um pouco de surpresa que ele recebeu a ligação de sua agência, no início
de 2007, dizendo que, após os testes, ele tinha sido escolhido para uma vaga no
filme de Walter Salles, diretor de Central do Brasil, que foi indicado ao Oscar
de Melhor Filme Estrangeiro. Ele também soube que João tinha sido aprovado,
porém, preferiu não avisar o amigo. “Eu achei que poderia ter algum engano,
então, não quis criar expectativas.”

 

João estava com um
espetáculo na Alemanha quando recebeu a notícia. A empolgação de saber que tinha
sido escolhido deu segurança para que ele contasse uma pequena mentira para não
perder o papel. “Você sabe andar de moto e tem habilitação?”, perguntou a
produtora. A resposta: “Claro, sempre andei de moto”, embora a experiência mais
próxima disso tenha sido em sua mobilete na adolescência. Quando voltou ao
Brasil, passou quase dois meses praticando em uma rua tranqüila para tirar
carteira de habilitação e interpretar o motoboy.

 

Ele também precisou
aprender a fazer embaixadinha com uma bola para uma cena. O personagem de José
Geraldo não exigia nenhuma prática que ele não soubesse, mas o ator precisou
emagrecer 6 quilos. No set de filmagem, surgiram várias provocações enquanto um
corria no quarteirão e o outro jogava bola. “Vai, gordinho”, gritava João, que
escutava como resposta “vai, perna-de-pau”.

 

Brincadeiras à
parte, os dois vivenciaram o mundo de seus personagens antes das gravações. João
ficou uma semana em uma agência de motoboys para aprender as expressões faladas
por eles, os gestos e o comportamento. “A idéia não era copiar ninguém. Eu só
queria absorver aquilo e colocar em prática do meu jeito.”

 

José Geraldo
trabalhou três dias como frentista em um posto de gasolina e freqüentou templos
evangélicos. Mas, em sua cena mais profunda – quando seu personagem é
injustiçado -, precisou extrair de si uma raiva que nem ele mesmo sabia que
existia. “A Daniela (Thomas) me disse que ali tinha de ser aquela coisa de
soltar o animal preso. Só sei que eu tremia com o copo na mão e não era
interpretação; era eu mesmo.” Embora talentosos e reconhecidos pela crítica, os
dois atores creditam o sucesso de suas atuações aos diretores e à preparadora de
elenco, Fátima Toledo.

 

O filme já foi
visto por milhares de pessoas, mas os dois atores ainda caminham normalmente
pelo metrô e tomam ônibus para se locomover pela cidade. A vida cotidiana pouco
mudou para eles. João continua morando com dois amigos no centro da cidade e sai
à noite nos bares da Vila Madalena e para assistir a peças na Praça Roosevelt.
José Geraldo mora com a mãe e a irmã na zona sul, corre no Parque do Ibirapuera
e vai sempre ao cinema.

 


Projetos não faltam, mas por enquanto eles tocam a rotina de antes das
filmagens. João segue com Os Satyros – a peça Vestido de Noiva iria ser encenada
na Bolívia, mas, por causa da crise no país, foi cancelada. José Geraldo vai
participar de dois curtas produzidos por alunos da USP e colará grau em
Psicologia. “Quem vai ser mais louco que o Zé para entrar no consultório dele?”,
brinca João.


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