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Folha de São Paulo, Dinheiro, domingo, 08 de abril de 2007


Jornal passa por transformação “histórica”

Ritmo de implementação de
mudança aumentou, afirma estudo “O Estado da Mídia”, divulgado nos Estados
Unidos

SÉRGIO DÁVILA, DE WASHINGTON

Para um dos autores da
pesquisa, “é como se a empresa de comunicação fosse um shopping, e o jornal, sua
loja-âncora”

Em sua edição de 24 de agosto, a revista “The Economist”
se perguntava quem matou o jornal. No livro “The Vanishing Newspaper – Saving
Journalism in The Information Age” (O Jornal Evanescente – Salvando o Jornalismo
na Era da Informação, 2006), Philip Meyer chega a dar o ano do óbito: o último
exemplar em papel do último jornal norte-americano seria lido em algum momento
do primeiro trimestre de 2043.

A notícia da morte do jornal é um exagero, para
parafrasear o que escreveu com humor Mark Twain, pseudônimo de Samuel Langhorne
Clemens (1835-1910), depois de saber que um repórter havia saído a campo para
descobrir se o autor tinha morrido. Ao menos é o que se conclui da leitura de
três levantamentos recentes, o mais importante deles “O Estado da Mídia” (“State
of the News Media 2007”), recém-divulgado.

O relatório afirma que o modelo no qual as empresas de
comunicação se firmaram nas últimas décadas nos EUA está sendo revisto -e que o
ritmo da mudança se acelerou no ano passado: “A transformação pela qual o
jornalismo passa é histórica, tão importante quanto a invenção da televisão ou
do telégrafo, talvez tanto quanto a invenção do processo de impressão em si”,
afirma o estudo, o mais amplo do tipo, feito anualmente por entidade ligada à
Universidade Columbia, em Nova York.

Diz ainda que os jornais começam a se mexer mais
rapidamente, embora não saibam ainda exatamente o caminho a seguir. Nesse
sentido, ganham importância iniciativas como a integração de Redações das
versões em papel e on-line do mesmo veículo, o uso maior dos recursos
multimídia, a disseminação dos blogs e até a utilização do chamado “jornalismo
cidadão”, em que o leitor contribui com notícias ou imagens.

Na área de conteúdo, são citados o que o texto chama de
“hiper-localismo” -cobertura exaustiva da comunidade local-; a “valorização de
marcas”, ou seja, maior exposição das “grifes” jornalísticas; e a existência de
público e lugar tanto para artigos que aprofundem e organizem assuntos do dia
anterior como para textos superficiais, curtos ou sobre celebridades. “É como se
a empresa de comunicação fosse um shopping center, e o jornal, sua loja-âncora”,
escreve Tom Rosenstiel, um dos autores.

A amparar a tese da precocidade da morte anunciada,
estão os números. O estudo lista diversos índices negativos da indústria local
-queda na circulação média de 2,8% de segunda a sábado nos seis meses terminados
em setembro passado, em comparação com mesmo período de 2005; faturamento sem
crescimento num ano sem recessão- e outros tantos positivos, para concluir:
“Neste momento, achamos muito cedo para concordar seja com os otimistas, seja
com os alarmistas”.

De qualquer maneira, o “Estado da Mídia” calcula que,
por dia, “cerca de 51 milhões de pessoas ainda comprem” um exemplar “e no total
124 milhões leiam um jornal”, recorde histórico. Esse número representa 41% da
população norte-americana. Para efeito de comparação, há 110,4 milhões de lares
com TV nos EUA, segundo o instituto Nielsen, e 205 milhões de usuários da
internet, segundo o “World Factbook” da CIA.

Circulação e publicidade

Os dados batem com levantamento mais amplo feito
anualmente pela indústria mundial, patrocinado pela World Association of
Newspapers (WAN). Segundo o estudo, a circulação paga mundial dos jornais
cresceu 6% nos últimos cinco anos, e a publicidade, 11,7%. O aumento foi
alavancado pela América do Sul e pela Ásia, principalmente Índia e China -sete
dos dez jornais pagos mais lidos do mundo hoje estão naquele continente (veja
quadro nessa página).

Paradoxalmente, as notícias sobre a imprensa publicadas
pela imprensa são mais negativas do que o próprio estado de ânimo dos que as
editam. É o que concluiu o primeiro “Barômetro da Redação”, realizado pelo
instituto de pesquisas Zogby a pedido da agência de notícias Reuters e do World
Editors Forum, ligado à WAN, divulgado na última semana. Dos 435 editores
ouvidos no mundo, 85% vêem com otimismo o futuro do jornalismo.

Previsões prematuras

Para John Zogby, embora a circulação de 62% dos veículos
em que os pesquisados trabalham tenha estacionado ou caído nos últimos cinco
anos, “previsões da morte dos jornais são tão prematuras quanto a noção de que a
televisão mataria o rádio”. O motivo, disse ele ao “Financial Times”, é que
“editores de jornais vêem a internet e seus novos componentes jornalísticos como
a próxima onda dos próprios negócios e estão se preparando para ela, em vez de
lutar contra”.

No Fórum Econômico de Davos, na Suíça, Arthur Sulzberger
Jr. declarou que “não sabia” se o “New York Times” ainda terá uma versão
impressa daqui a cinco anos. “Quer saber?”, completou o empresário
norte-americano, “não importa.” No mesmo evento, Sergey Brin, bilionário
fundador do Google, diria que vê “bom futuro” para os jornais: “Recebo o “NYT”
aos domingos e é legal”.

Qualidade

Ambos elaborariam suas respostas. Para o editor do
“Times”, não importa o meio em que as notícias produzidas por sua equipe serão
entregues, desde que o jornal continue líder e zelando pela qualidade do que
faz. Já para o jovem do Vale do Silício, para ser mais do que “legais” os
jornais devem se concentrar em criar um conteúdo verdadeiramente único.

De alguma maneira, o momento atual de transformação da
indústria citado pelo relatório passa pela justaposição das duas frases -e a
interdependência de seus autores. Um dos sites noticiosos mais freqüentados na
internet nos EUA é justamente o Google News, um agregador de notícias que traz,
entre outros, o conteúdo do “NYT”. O primeiro não existiria sem o segundo, e o
segundo aproveita o primeiro para alavancar a sua audiência.


“Leitores terão conexão direta”, afirma autora

DE WASHINGTON

A imprensa poderia usar uma personalidade
revolucionária, como foi Ted Turner ao criar a CNN nos anos 80, para encontrar
seu novo modelo, e um dos pré-requisitos é que tal pessoa tenha formação no
jornalismo clássico, mais que na internet.

Nesse novo modelo, os leitores terão conexão mais direta
com o conteúdo, uma habilidade maior de julgar o valor dele e de expressar esse
julgamento. Serão também um dos fornecedores desse conteúdo. É o que disse à
Folha
Amy Mitchell, vice-diretora do Project for Excellence in Journalism.

Inicialmente ligado à faculdade de jornalismo da
Universidade Columbia, em NY, o PEJ ganhou vida própria e assumiu a
responsabilidade da quarta versão anual do relatório “O Estado da Mídia”. Agora
associado ao Pew Research Center, de Washington, o PEJ colocou no ar suas
conclusões. São 160 mil palavras, em

www.stateofthemedia.com
. Mitchell supervisionou o trabalho e é co-autora
do estudo. Leia entrevista.

**

FOLHA – A revista “The Economist” se pergunta quem
matou o jornal. Conforme seu relatório, ninguém -ainda. Quem está com razão?

AMY MITCHELL – Os jornais não estão mortos
ainda. Estão batalhando para descobrir como podem prosperar nos próximos anos e
qual será a forma que a notícia vai tomar. Mesmo agora, agregadores como o
Google e o Yahoo! dependem primeiro do conteúdo de jornais para exibir seus
resultados.

FOLHA – O “Estado da Mídia” declara que o negócio
da comunicação entra numa nova fase. Mas diz que a indústria tem poucas
respostas sobre como mudar o modelo. Não é contraditório?

MITCHELL – Não, o negócio está entrando
numa nova fase. Os velhos modelos estão desmoronando. Mas os novos modelos e sua
eficácia ainda não são claros. Temos visto todo tipo de experiência, mas neste
momento não há um modelo claro que possa substituir o velho.

FOLHA – Um dos pontos destacados é a parceria
entre jornais impressos e sites de classificados online. É um dos caminhos?

MITCHELL – Talvez. É muito cedo para
qualificar o resultado das novas parcerias. Mas abre possibilidades.

FOLHA – “A transformação pela qual o jornalismo
passa é histórica, tão importante quanto a invenção da televisão ou do
telégrafo”, segundo o relatório. Onde isso vai dar?

MITCHELL – Uma de nossas certezas é que os
cidadãos estarão muito mais envolvidos. Os leitores terão conexão mais direta
com o conteúdo, habilidade maior de julgar o valor dele e de expressar esse
julgamento. Eles serão também em alguma medida fornecedores desse conteúdo.

FOLHA – O estudo duvida que as empresas de capital
aberto sejam o modelo mais apropriado para o jornal na fase de transição. Mas
afirma que as empresas fechadas ainda não provaram ser a melhor saída. Qual é a
solução?

MITCHELL – O que estamos tentando dizer é
que a tendência atual é favorável ao modelo da empresa privada. Há uma vantagem:
muitos jornais que teriam fechado de outra maneira estão ganhando nova chance
[com novos compradores]. O que não está claro é o tipo de investimento que os
novos proprietários farão. Investirão no conteúdo só pelo valor do jornalismo ou
será investimento movido a lucros e faturamento?

FOLHA – Segundo o relatório, a indústria devia
achar um líder visionário, com o papel que Ted Turner e sua CNN nos anos 80. De
onde é mais provável que saia esse “novo líder”, do Vale do Silício ou de
Manhattan? Uma pessoa com formação pontocom ou vinda da mídia tradicional?

MITCHELL – Isso é difícil de responder! Um
dos pré-requisitos necessários é que seja alguém com algum conhecimento de
jornalismo.

FOLHA – O estudo prevê que os órgãos de mídia
tentarão atingir mais efetivamente seu público se voltando mais para região
geográfica [hiper-localismo] ou valorizando as próprias personalidades [“grifes”
jornalísticas]. O segundo caso não levará a um noticiário mais opinativo?

MITCHELL – Pode levar. Depende do
público-alvo. Um nicho geográfico provavelmente pedirá cobertura mais neutra,
enquanto uma baseada em colunistas pode ser mais tendenciosa.

FOLHA – Como avalia a pesquisa que aponta otimismo
em 85% dos entrevistados quanto ao futuro do jornalismo?

MITCHELL – O resultado mostra que eles
vêem um lugar para eles nos novos modelos, e acho que eles estão certos.


Novidades já integram dia-a-dia das
Redações

Bloomberg, DE
WASHINGTON

Em setembro, o “New York
Times” anunciou em suas páginas a contratação de um executivo. Nenhuma novidade,
é prática do jornal mais influente do mundo publicar textos sobre a movimentação
interna da empresa que o edita. Não fosse o cargo do recém-contratado:
“futurólogo-residente”.

O ocupante é Michael Rogers,
ex-diretor de novas mídias da empresa que edita o “Washington Post” e
ex-gerente-geral do site da revista semanal “Newsweek”. Mas foi a empresa
Practical Futurist (futurólogo prático), criada por ele em 2004, e a coluna
semanal homônima que assina no site MSNBC que chamaram a atenção de Arthur
Sulzberger Jr., o editor do “NYT”.

A função de Rogers é
desenvolver novas estratégias para o site do jornal e pensar em inovações para
outros produtos da empresa -o jornal à frente, é claro. É um dos exemplos
nítidos do que o relatório “O Estado da Mídia” fala quando se refere a busca por
inovações.

No “Los Angeles Times”, foi
criada uma editoria de jornalistas investigativos para investigar o futuro do
jornalismo, comandada pelo “Innovation Editor” (editor de inovação).

A primeira conclusão e
recomendação do time -fruto de estudo batizado de “Spring Street Project” e
apelidado pelos detratores de “Manhattan Project”, alusão aos cientistas
reunidos pelos EUA que desenvolveriam a bomba atômica- é que o jornal devia
unificar urgentemente as Redações da versão em papel e on-line.

O “L.A. Times” pretende fazer
até o final do ano a integração total, uma Redação que funcione 24 horas com
lema “Dê o furo na internet, faça a análise no papel” (“Break it on the web,
expand it on the print”). Outra recomendação é um uso maior dos recursos
multimídia, como os blogs e a produção de vídeos.

O último é a menina-dos-olhos
de Sulzberger, do “New York Times”. A seu pedido, repórteres levam câmeras de
vídeo digitais ou pequenas equipes que as operam em pautas especiais, com
objetivo de fazer a reportagem impressa ser acompanhada de um vídeo na versão
on-line da mesma.

Hoje, o site põe no ar 25
vídeos desse tipo por semana, mas a produção cresce. Há um curso de treinamento
para uso da câmera, que todos os jornalistas da Redação farão até 2008; novos
usos são testados, como vídeos-declarações que acompanham as tradicionais
foto-reportagens de casamento no caderno “Sunday Styles”.

A idéia vem pegando também nas
revistas. Nos últimos dias, a Time Inc., que edita 130 títulos, anunciou
inauguração de um estúdio para que seus jornalistas produzam conteúdo para os
sites de suas publicações, revistas como “Time”, “Fortune”, “Sports Illustrated”
e “Entertainment Weekly”.

Outra novidade envolve o
chamado “jornalismo-cidadão”: a participação de leitores na produção de notícias
ou de imagens noticiosas. Em San Francisco, na Califórnia, o site de notícias
Topix anunciou na segunda que será editado por leitores-voluntários.

Iniciativa semelhante vem do
Assignment Zero, colaboração entre a revista “Wired” e um site experimental de
jornalismo dirigido por um professor da Universidade de NY. Além disso, o
conglomerado Gannett, que edita 90 jornais, como o “USA Today”, quer transformar
Redações em “centros de informação” 24 h, receptores de todos os leitores.

Se o entusiasmo pelo leitor
participativo é grande, as críticas também o são. No mesmo “Los Angeles Times”,
uma ação do tipo na editoria de opinião foi abortada após semanas pela falta de
qualidade em geral dos textos e pelo predomínio de artigos insultosos.

Andrew Keen, um dos mais
ferrenhos críticos da internet, escreve no inédito “The Cult of the Amateur –
How Today s Internet is Killing our Culture” (“Culto ao Amador -Como a Internet
de Hoje Está Matando nossa Cultura”, a sair em junho), que “jornalismo-cidadão”
e ações parecidas estimulam a “ditadura dos idiotas”.

Em entrevista ao site I Want
Media, Michael Rogers, do “NYT”, revelou: “Parece banal, mas o básico ainda
vale. Tudo começa com repórteres, redatores e editores que sabem reconhecer e
contar uma boa história. Sem eles, não faz diferença quão incríveis são as
novidades tecnológicas”.

Categorias: Jornalismo

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