Nova pagina 8


Folha de São Paulo, Cotidiano, domingo, 21 de junho de 2009

GILBERTO
DIMENSTEIN


Jornalista sem diploma não tem
futuro



Gilmar Mendes comparou o jornalista ao
cozinheiro; não acredito que um cozinheiro, no futuro, prospere sem diploma


PROFESSOR de Harvard, o psicólogo Howard Gardner ganhou notoriedade mundial
ao disseminar o conceito de inteligências múltiplas -em poucas palavras, a
inteligência se manifesta das mais diferentes formas, inclusive na habilidade
como se move o corpo num campo de futebol.

Veja a renda mendal de jogadores que desprezaram a escola como Adriano (R$
300 mil) ou Ronaldo (R$ 1,1 milhão) -agora, compare com salário de um professor
doutor da USP, com dedicação integral (R$ 6,7 mil). Imagine quantos times de
professores seriam necessários para ganhar o salário dos dois jogadores.

O psicólogo afirma que uma das habilidades fundamentais no mercado de
trabalho é a "mente sintetizadora". Por isso, apesar da decisão do Supremo
Tribunal Federal, na semana passada, de permitir que até um jovem com ensino
médio (ou menos) trabalhe numa Redação, o jornalista não terá futuro sem, no
mínimo, um diploma. Provavelmente o menos importante desses diplomas seja o de
jornalismo.

***

Mente
sintetizadora é a habilidade de extrair o que é essencial do amontoado cada vez
maior de informações despejada diariamente pelos mais diferentes meios. Para
Gardner, o profissional do futuro deverá ter essa "mente" ou, pelo menos, ser
assessorado por alguém que a tenha, do contrário tende a ficar paralisado entre
as múltiplas alternativas.

Para
nenhuma atividade profissional, o desafio de lidar com o excesso de informação
(e, portanto, exercer a capacidade de síntese) é tão pesado como para os
jornalistas. Afinal, a imprensa é e será o grande filtro, seja no papel, no
rádio, nas telas da televisão ou do computador. O jornal "The New York Times"
inventou, no mês passado, um novo cargo: editora de "mídia social". Sua missão:
navegar pelo labirinto das redes de internet como Orkut, Facebook, Twitter, além
da floresta de blogs, e descobrir informações e tendências. Quem está
acompanhando as manifestações do Irã, vê o papel dessas redes diante da
proibição de divulgação de notícias.

***

Não se
desenvolve a capacidade de síntese sem um longo treino de associação de dados,
ideias e conceitos, o que exige uma vivência de ensino superior, com cargas de
leitura e dissertações aprofundadas. Desenvolve-se, aí, a competência para
identificar, relacionar e selecionar, a partir de problemas complexos.

Daí que o
aluno que passou a vida decorando para fazer provas tem até a chance de entrar
numa boa faculdade, mas corre o risco de quebrar a cara no mercado de trabalho.

***

O fim da
obrigatoriedade do diploma responde a essa demanda dos meios de comunicação: a
abertura para profissionais ou acadêmicos das mais diversas áreas,
especializados em determinados assuntos, capazes de acompanhar melhor a
velocidade do conhecimento. É bem diferente de certos tempos em que se
aceitavam, sem maiores problemas, repórteres talentosos para descobrir o futuro,
mas incapazes de escrever; havia, na Redação, profissionais pagos para escrever
a matéria, chamados "copidesque".

O
jornalista de qualidade será obrigado a se reciclar permanentemente, mantendo-se
ligado a algum nível de vida acadêmica. É apenas consequência óbvia da era da
aprendizagem permanente. Ou seja, um diploma é pouco. O presidente do STF,
Gilmar Mendes, ao justificar o fim do diploma, comparou o jornalista ao
cozinheiro. Também não acredito que um cozinheiro, no futuro, prospere sem
diploma de ensino superior.

***

Ao
contrário do que se pensa, o fim do diploma deve ajudar os cursos de jornalismo.
Basta ler um texto universitário para ver a inviabilidade da linguagem acadêmica
na mídia. Os profissionais que desejarem prosperar numa Redação terão de
reciclar sua linguagem e lidar com as técnicas de comunicação; o acadêmico tem a
reverência do processo; o comunicador, a do instante.

Minha
aposta é que serão criados cursos de curta duração, no estilo sequencial, com
foco no mercado de trabalho. Com a decisão do STF, tirando os corporativistas,
todos saíram ganhando a começar do leitor.  
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gifPS
– Minha aposta: os cursos de jornalismo mais procurados serão uma versão um
pouco mais ampliada dos treinamentos oferecidos atualmente em jornais e algumas
revistas. Ou seja, centrados na prática e no contato com jornalistas em
atividade. Fora disso, é para quem procura fazer teses de doutorado (o que,
diga-se, é importante).

Ou jogar
dinheiro fora. É mais uma pancada contra a praga do corporativismo que, na
semana passada, levou mais cutucões, entre os quais a divulgação dos salários
dos serviços municipais pela Prefeitura de SP e o anúncio da obrigatoriedade de
exames para diretores regionais de ensino e de saúde, além dos diretores dos
hospitais da rede pública paulista. Vamos, aos poucos, aprendendo a valorizar o
mérito para defender a coletividade, especialmente os mais pobres. Para
completar, alunos se mobilizaram contra a greve na USP.


gdimen@uol.com.br

Categorias: Jornalismo

1 comentário

Os comentários estão fechados.

× clique aqui e fale conosco pelo whatsapp